sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A Batalha do labirinto - capitulo 12




                                   Tiro férias permanentes

Acordei me sentindo como se ainda estivesse em fogo. Minha pele ferida. Minha garganta tão seca quanto areia. Vi um céu azul e árvores acima de mim. Ouvia uma fonte borbulhando, e senti o cheiro de juníperos e cedros e várias outras plantas com odores doces. Ouvia ondas também, gentilmente batendo nas pedras do litoral. Imaginei se eu estava morto, mas eu sabia melhor. Eu estivera na Terra dos Mortos, e lá não tinha nenhum céu azul.

Tentei me sentar. Meus músculos pareciam que estavam desmanchando.– Fique parado – disse uma voz de garota. – Você está muito fraco para se levantar.Ela pôs um pano úmido na minha testa. Uma colher de bronze entrou por minha boca, derramando um líquido nela. A bebida acalmou minha garganta, e deixou um leve gosto de chocolate quente. Néctar dos deuses. Então o rosto da garota apareceu sobre mim.Ela tinha olhos amendoados, e cabelos cor de caramelo trançados sobre um ombro. Ela devia ter uns... quinze? Dezesseis? Era difícil dizer. Ela tinha um daqueles rostos que pareciam atemporais. Ela começou a cantar e minha dor desapareceu. Ela estava fazendo algum tipo de mágica. Eu podia sentir sua música entrar por minha pele, curando e reparando meu cérebro.– Quem? – pestanejei.– Shh, destemido – ela disse. – Descanse e melhore. Nenhum perigo o alcançará aqui. Eu sou Calipso.

Quando acordei de novo, estava numa caverna, mas até onde eu sabia sobre cavernas, eu já estivera em piores. O teto brilhava com formações de cristais de diferentes cores – branco e lilás e verde, como se eu estivesse dentro daqueles geodes cortados que se veem em lojinhas de souvenir. Estava deitado numa cama confortável, forrada com lençóis de algodão e com travesseiros de plumas. A caverna era dividida em seções por cortinas de seda brancas. Contra uma das paredes havia um grande tear e uma harpa. Na outra havia uma pilha de prateleiras com jarras de compotas de frutas. Ervas secas pendiam do teto: alecrim, tomilho, e muitas outras. Minha mãe saberia nomear todas elas.Havia uma lareira construída na parede da caverna, e um caldeirão borbulhando nas chamas. Tinha um cheiro ótimo, como carne assada. Levantei-me tentando ignorar a dor latejante na minha cabeça. Olhei para meus braços, certo que eles estariam terrivelmente mutilados, mas eles pareciam bem. Um pouco mais vermelhos que de costume, mas não estava mal. Eu estava vestindo uma camiseta branca de algodão e uma calça de cordão também de algodão que não eram minhas.Meus pés estavam descalços. Em um momento de pânico, perguntei-me o que havia acontecido com Contracorrente, mas apalpei meu bolso e lá estava a minha caneta, exatamente onde ela sempre reaparecia.Não só a espada, mas o apito de gelo estígio estava de volta ao meu bolso também. De algum modo ele havia me seguido. Não que isso tenha me acalmado. Com dificuldade, fiquei de pé. O chão de pedra estava congelando sob os meus pés. Eu me virei e me encontrei olhando para um grande espelho de bronze.– Santo Poseidon – murmurei.Parecia que eu tinha eliminado dez quilos que eu não podia ter me dado ao luxo de perder. Meu cabelo estava um ninho de rato. Estava chamuscado nas beiradas como a barba de Hefesto. Se eu visse esse rosto em alguém em uma intersecção da rodovia pedindo dinheiro, eu trataria de trancar as portas do carro.Eu desviei os olhos do espelho. A entrada da caverna era a minha esquerda. Eu segui na direção da luz do dia.A caverna dava para um campo verde. A esquerda havia um bosque com árvores de cedro e a direita um grande jardim. Quatro fontes borbulhavam na campina, cada uma jorrando água de tubos em sátiros de pedra. Mais a frente, o gramado descia de encontro às pedras da praia. As ondas de um lago batiam contra as pedras. Eu podia dizer que era um lago porque... bem, eu simplesmente podia. Água fresca. Sem sal. O sol brilhava na água, e o céu era de um azul límpido. Parecia um paraíso, o que imediatamente me deixou nervoso. Você lida com coisas mitológicas por alguns anos, você aprende que paraísos geralmente são lugares onde você é morto.A garota com os cabelos caramelo trançados, a que dissera que seu nome era Calipso, estava em pé na praia, conversando com alguém. Eu não conseguia vê-lo muito bem, por causa da luz difusa que a luz do sol provocava na água, mas eles pareciam estar discutindo. Tentei me lembrar o que eu sabia sobre Calipso dos velhos mitos. Eu já ouvira o nome antes, mas... não conseguia me lembrar. Ela era um monstro? Ela armava ciladas para heróis e os matava? Mas se ela era má, por que eu ainda estava vivo?Eu andei até ela lentamente, porque minhas pernas ainda estavam duras. Quando a grama virou cascalho, eu olhei para baixo para manter meu equilíbrio, e quando levantei a cabeça, a garota estava sozinha. Ela vestia um vestido sem mangas grego com um decote bordado a ouro. Ela limpou os olhos, como se estivesse chorando.– Bem – disse ela, tentando forçar um sorriso, – o dorminhoco finalmente acordou.– Com quem você estava falando? – Minha voz parecia a de um sapo que passara um tempo num micro-ondas.– Ah, só um mensageiro – disse ela. – Como se sente?– Por quanto tempo fiquei dormindo?– Tempo – pensou Calipso. – Tempo é sempre difícil aqui. Eu honestamente não sei, Percy.– Você sabe meu nome?– Você fala dormindo.Senti meu rosto ficar vermelho.– É. Já me... hum, falaram isso antes.– Sim. Quem é Annabeth?– Ah, bem. Uma amiga. Estávamos juntos quando - espera, como eu cheguei aqui? Onde eu estou?Calipso ergueu a mão e passou seus dedos por meus cabelos bagunçados. Eu dei um passo pra trás, nervosamente.– Desculpe-me – disse ela. – Eu tinha me acostumado a cuidar de você. Quanto a como você chegou aqui, você caiu do céu. Você aterrissou na água, bem ali. – Ela apontou para a praia. – Não sei como você sobreviveu. A água pareceu amortecer a sua queda. Quanto a onde você está, você está em Ogígia.Ela pronunciou bem devagar.– Fica perto do Monte St. Helena? – Perguntei, porque minha geografia é horrível.Calipso riu. Era uma risada curta e reprimida, como se ela tivesse me achado muito engraçado, mas não quisesse me envergonhar. Ela era uma graça quando ria.– Não é perto de nada, meu valente – disse ela. – Ogígia é a minha ilha fantasma. Ela existe por si mesma, em qualquer lugar e em lugar nenhum. Você pode se curar aqui em segurança. Não tema.– Mas meus amigos–– Annabeth – ela falou. – E Grover e Tyson?– Sim! – eu disse. – Eu tenho que encontrá-los. Eles estão em perigo.Ela tocou meu rosto, e eu não me afastei desta vez.– Descanse primeiro. Você não é útil para seus amigos até estar curado.Assim que ela falou isso, percebi como estava cansado.– Você não é... não é uma feiticeira malvada, é?Ela sorriu timidamente.– Por que você acharia isso?– Bem, eu conheci Circe uma vez, e ela também tinha uma bela ilha. Exceto por ela gostar de transformar homens em porquinhos da índia.Calipso deu aquela risada de novo.– Eu prometo que não irei transformá-lo em um porquinho da índia.– Nem em nada mais?– Eu não sou uma feiticeira malvada – disse Calipso. – E eu não sou sua inimiga, meu valente. Agora descanse. Seus olhos já estão fechando.Ela estava certa. Meus joelhos bambearam, e eu teria me estatelado de cara no cascalho se Calipso não tivesse me pego. Seu cabelo cheirava a baunilha. Ela era muito forte, ou talvez eu estivesse muito fraco e magro. Ela me levou de volta para um banco acolchoado na fonte, e me ajudou a deitar.– Descanse – ordenou ela. E eu adormeci com o som das fontes e o cheiro de baunilha e junípero.

Quando acordei já era noite, mas eu não tinha certeza se era a mesma noite, ou muitas outras noites depois. Estava na cama na caverna, mas eu me levantei e me envolvi com um roupão e sai andando para fora. As estrelas estavam brilhantes –milhares delas, do jeito que você só vê no interior. Eu podia distinguir todas as constelações que Annabeth me ensinara: Capricórnio, Pégaso, Sagitário. E lá, perto do horizonte norte, havia uma nova constelação: a Caçadora, um tributo a uma amiga nossa que tinha morrido no último inverno.– Percy, o que você vê?Trouxe meus olhos de volta para a terra. Por mais incríveis que as estrelas fossem, Calipso brilhava duas vezes mais. Quero dizer, eu vira a deusa do amor em pessoa, Afrodite, e eu nunca diria isso em voz alta, ou ela me transformaria em cinzas, mas pelo meu dinheiro, Calipso era muito mais bonita, porque ela simplesmente parecia tão natural, como se ela não tentasse ser bonita e sequer se preocupasse com isso. Ela simplesmente era. Com seu cabelo trançado e seu vestido branco, ela parecia brilhar na luz da lua. Ela segurava uma pequena planta nas mãos. Suas flores eram prateadas e delicadas.– Só estava olhando para... – eu me encontrei olhando para o seu rosto. – Hã... esqueci.Ela riu gentilmente.– Bem, já que você está de pé, poderia me ajudar a plantar isto.Ela me entregou a planta, que tinha um pouco de terra e raízes na base. As flores brilharam assim que as segurei. Calipso pegou sua espátula de jardinagem e me guiou para o limite do jardim, onde ela começou a cavar.– Esta é um enlace lunar – Calipso explicou. – Ela só pode ser plantada a noite.Eu observei a luz prateada brilhar em volta das pétalas.– O que ela faz?– Faz? – ela pensou. – Ela não faz absolutamente nada, acho. Ela vive, ela dá luz, fornece beleza. Ela tem que fazer algo mais?– Acho que não – falei.Ela pegou a planta, e nossas mãos se tocaram. Seus dedos eram mornos. Ela plantou o enlace lunar e deu um passo atrás, examinando seu trabalho.– Amo meu jardim.– É incrível – concordei.Quero dizer, eu não era exatamente o tipo jardineiro, mas Calipso tinha arbustos cobertos por seis diferentes tipos de rosas, cercas cobertas por madressilvas, fileiras de videiras cheias de uvas verdes e roxas que fariam Dioniso sentar e implorar.– Lá em casa – eu disse, – minha mãe sempre quis um jardim.– Por que ela não plantou um?– Bem, vivemos em Manhattan. Em um apartamento.– Manhattan? Apartamento?Eu olhei pra ela.– Você não sabe do que eu estou falando, né?– Receio que não. Não saio de Ogígia faz... um bom tempo. – Calipso franziu a testa. – Isso é triste. Hermes me visita de tempos em tempos. Ele me diz que o mundo lá fora tem mudado muito. Não achei que tivesse mudado a ponto de não se poder ter jardins.– Por que você não tem saído de sua ilha?Ela olhou para baixo.– É o meu castigo.– Por quê? O que você fez?– Eu? Nada. Mas receio que meu pai tenha feito muito. Seu nome é Atlas.O nome mandou um arrepio pela minha espinha. Eu conhecera o titã Atlas no último inverno, e não foi um tempo feliz. Ele tentou matar quase todo mundo com quem eu me importava.– Ainda assim – falei hesitante, – não é justo punir você pelo o que seu pai fez. Eu conheci outra filha de Atlas. Seu nome era Zoë. Ela era uma das pessoas mais corajosas que já conheci.Calipso me observou por um bom tempo. Seus olhos estavam tristes.– O que foi? – perguntei.– Você - você já está curado, meu valente? Você acha que estará pronto para partir em breve?– O quê? – perguntei. – Eu não sei. – Movi minhas pernas. Elas ainda estavam duras. Eu já estava ficando tonto por ficar em pé por tanto tempo. – Você quer que eu vá?– Eu... – Sua voz falhou. – Eu o verei de manhã. Durma bem.Ela correu na direção da praia. Eu estava muito confuso para fazer algo além de olhar até vê-la desaparecer na escuridão.

Eu não sei exatamente quanto tempo passou. Como Calipse disse, era difícil acompanhar o tempo na ilha. Eu sabia que deveria estar indo. No mínimo meus amigos estariam preocupados. Na pior das hipóteses, eles poderiam estar em sérios perigos. Eu nem ao menos sabia se Annabeth tinha saído do vulcão. Tentei usar minha conexão empática com Grover muitas vezes, mas não conseguia fazer contato. Eu odiava não saber se eles estavam bem.Por outro lado, eu realmente estava fraco. Eu não conseguia me manter em pé mais do que algumas horas. Seja o que for que eu tenha feito no Monte Sta. Helena havia me drenado mais do que eu imaginava.Eu não me sentia como um prisioneiro ou algo assim. Lembrei-me do Lótus Hotel e Cassino em Vegas, onde eu fora seduzido pelo incrível mundo de jogos até quase me esquecer de tudo que mais me importava. Mas a ilha de Ogígia não era nada parecida com aquilo. Eu pensava em Annabeth, Grover e Tyson constantemente. Eu me lembrava exatamente por que eu precisava partir. Eu apenas... não conseguia. E havia a própria Calipso.Ela nunca falava muito sobre si mesma, mas aquilo somente me fez querer saber mais. Eu sentava no bosque, tomando néctar, e tentava me concentrar nas flores ou nas nuvens ou nos reflexos no lago, mas na verdade eu estava observando Calipso enquanto ela trabalhava, o modo como ela colocava seus cabelos sobre um ombro, e a pequena mecha que caia em seu rosto quando ela se ajoelhava para cavar o jardim. De vez em quando ela erguia sua mão e pássaros voavam das árvores e pousavam em seu braço – pardais, periquitos, pombas. Ela dizia a eles bom dia, perguntava como eles estavam indo com o ninho e eles piavam por um tempo, depois voavam alegremente. Os olhos de Calipso brilhavam. Ela olhava para mim e trocávamos um sorriso, mas quase imediatamente ela mudava para aquela triste expressão de novo, e ia embora. Eu não entendia o que a incomodava.Uma noite, estávamos jantando juntos na praia. Criados invisíveis tinham trazido à mesa carne assada e cidra de maçã, o que pode não parecer grande coisa, mas isso é porque você ainda não provou. Eu sequer notara os criados invisíveis quando eu cheguei à ilha, mas depois de um tempo, comecei a notar as camas sendo feitas por elas mesmas, comida cozinhando sozinha, roupas sendo lavadas e dobradas por mãos invisíveis.De qualquer jeito, Calipso e eu estávamos sentados jantando, e ela parecia linda a luz do candelabro. Eu estava contando sobre Nova York e o Acampamento Meio-Sangue, e depois comecei a falar sobre a vez em que Grover tinha comido uma maçã enquanto brincávamos de fazer embaixadinhas com ela. Ela riu, mostrando seu incrível sorriso, e nossos olhos se encontraram. Ela baixou os olhos no mesmo instante.– Aí está de novo – falei.– O quê?– Você continua fugindo, como se tentasse não se divertir.Ela manteve os olhos em seu copo de cidra.– Como eu disse, Percy, eu fui castigada. Amaldiçoada, você poderia dizer.– Como? Me conte, eu quero ajudar.– Não diga isso. Por favor, não diga isso.– Me conte qual é o seu castigo.Ela cobriu seu bife comido pela metade com um guardanapo, e imediatamente os criados invisíveis desapareceram com o prato.– Percy, esta ilha, Ogígia, é meu lar, meu lugar de nascimento. Mas também é a minha prisão. Estou sob... prisão domiciliar, acho que você poderia chamar assim. Eu nunca irei visitar essa Manhattan que você fala. Ou qualquer outro lugar. Estou sozinha aqui.– Porque seu pai era Atlas.Ela assentiu.– Os deuses não confiam em seus inimigos. E estão certos. Eu não reclamaria. Algumas prisões não são nem de perto tão boas como a minha.– Mas não é justo – eu disse. – Só porque vocês são parentes, não quer dizer que você esteja do lado dele. Esta outra filha que eu conheci, Zoë Doce-Amarga - ela lutou contra ele. Ela não foi aprisionada.– Mas, Percy – disse Calipso gentilmente. – Eu o apoiei na primeira guerra. Ele é meu pai.– O quê? Mas os Titãs, eles são do mal!– São? Todos eles? Sempre? – ela franziu os lábios. – Diga-me, Percy. Eu não desejo discutir com você. Mas você apoia os deuses por que eles são bons, ou por que eles são a sua família?Eu não respondi. Ela tinha um bom argumento. No inverno passado, depois que Annabeth e eu salvamos o Olimpo, os deuses tiveram uma discussão sobre se deviam ou não me matar. Aquilo não fora exatamente legal. Mas ainda assim, eu sentia que os apoiava porque Poseidon era meu pai.– Talvez eu estivesse errada na guerra – disse Calipso. – E justiça seja feita, os deuses me trataram bem. Eles me visitam regularmente. Eles me trazem notícias do mundo lá fora. Mas eles podem ir embora. Eu não posso.– Você não tem nenhum amigo? – perguntei. – Quero dizer... não poderia alguém viver aqui com você? É um bom lugar.Uma lágrima rolou por sua bochecha.– Eu... eu prometi a mim mesma que não falaria sobre isso. Mas–Ela foi interrompida por um estrondo em algum lugar do lago. Um brilho apareceu no horizonte. Brilhava cada vez mais, até eu que eu pude ver uma coluna de fogo movendo-se pela superfície da água, vindo ao nosso encontro.Eu me levantei e procurei por minha espada.– O que é isso?Calipso suspirou.– Um visitante.Quando a coluna de fogo chegou na praia, Calipso ficou de pé e curvou-se formalmente. As chamas se dissiparam, e parado a nossa frente havia um alto homem em um macacão cinza e um suporte de metal na perna, sua barba e cabelos fumegando.– Senhor Hefesto – disse Calipso. – Que rara honra.O Deus do Fogo grunhiu.– Calipso. Linda como sempre. Você nos daria licença, por favor, minha querida? Preciso conversar com nosso jovem Percy Jackson.

Hefesto sentou-se atrapalhadamente na mesa de jantar e pediu uma Pepsi. O criado invisível lhe trouxe uma, repentinamente a abriu, e derramou refrigerante por toda a roupa do deus. Hefesto rugiu e amaldiçoou e mandou a lata para longe.– Criados estúpidos – resmungou. – Bons autômatos, é disso que ela precisa. Eles nunca falham!– Hefesto – eu disse. – O que está acontecendo? Annabeth–– Ela está bem – ele disse. – Menina engenhosa. Encontrou seu caminho de volta, e me contou a história toda. Ela está bem preocupada, sabe.– Você não a disse a ela que eu estou bem?– Não cabe a mim dizer – disse Hefesto. – Todos pensam que você está morto. Eu tinha que ter certeza de que você vai voltar antes de começar a dizer a todos onde você estava.– O que você quer dizer? – eu disse. – É claro que eu vou voltar!Hefesto me estudou cético. Ele tirou algo de seu bolso – um disco de metal do tamanho de um iPod. Ele clicou em um botão e o aparelho se transformou em uma pequena TV de bronze. A tela mostrava uma sequência de notícias do Monte Sta. Helena, um imenso penacho de fogo e cinzas vagueando para o céu.Ainda incertas sobre novas erupções ” o jornalista dizia, “autoridades ordenaram a evacuação de quase meio milhão de pessoas por precaução. Nesse meio tempo, cinzas têm caído além do Rio Tahoe e Vancouver, e toda a área do Monte Sta Helena está fechada para tráfego em um raio de mais de cem quilômetros. Apesar de nenhuma morte ter sido reportada, danos menores e doenças incluem...Hefesto desligou o aparelho.– Você causou uma bela explosão.Eu fitei a tela dourada vazia. Meio milhão de pessoas evacuadas? Danos? Doenças? O que eu tinha feito?– Os telquines se dispersaram – o deus me disse. – Alguns foram vaporizados. Alguns fugiram, sem dúvida. Eu não acho que eles vão usar minha forja tão cedo. Por outro lado, nem eu usarei. A explosão fez Tifão agitar-se em seu sono. Teremos que esperar e ver–– Eu não poderia libertá-lo, poderia? Quero dizer, eu não tenho esse poder todo.O deus grunhiu.– Não tem esse poder todo, é? Poderia ter me convencido. Você é o filho do Senhor dos Terremotos, rapaz. Você não conhece sua própria força.Esta era a última coisa que eu queria que ele dissesse. Eu não pude me controlar naquela montanha. Eu liberei tanta energia que quase vaporizei a mim mesmo, drenando toda a vida de mim. Agora eu descubro que quase destruí o noroeste dos EUA, e quase acordei o monstro mais terrível já aprisionado pelos deuses. Talvez eu fosse perigoso demais. Talvez fosse mais seguro para os meus amigos pensar que eu estava morto.– E quanto a Grover e Tyson? – perguntei.Hefesto balançou sua cabeça.– Temo não ter o que dizer. Acho que o labirinto os deteve.– Então o que eu devo fazer?Hefesto estremeceu.– Jamais peça conselho a um velho aleijado, rapaz. Mas te direi isto. Você conheceu minha esposa?– Afrodite.– Essa mesma. Uma pessoa cheia de artimanhas, rapaz. Seja cuidadoso com o amor. Ele vai entortar o seu cérebro e deixar você pensando que o em cima é embaixo e que o certo é errado.Lembrei-me de meu encontro com Afrodite, no banco de trás de um Cadillac branco no deserto inverno passado. Ela me dissera que tinha um interesse especial em mim, e que dificultaria as coisas pra mim no departamento amoroso, só porque ela gostava de mim.– Isto faz parte do plano dela? – perguntei. – Ela me colocou aqui?– Possivelmente. Difícil de dizer, tratando-se dela. Mas se você decidir deixar este lugar - e eu não digo o que é certo ou errado - então eu prometo a você uma resposta para a sua pergunta. Eu prometi a você o caminho para Dédalo. Bem, agora o negócio é o seguinte. Não tem nada a ver com o fio de Ariadne. Não realmente. Claro, o fio funciona. É disso que o exército dos Titãs irá atrás. Mas a melhor forma através do labirinto... Teseu teve a ajuda da princesa. E a princesa era uma mortal normal. Nem uma gota de sangue divino nela. Mas ela era esperta, e ela podia ver, rapaz. Podia ver muito claramente. Então o que estou dizendo - acho que você sabe como navegar pelo labirinto.Finalmente a ficha caiu. Por que eu não tinha visto isso antes? Hera estivera certa. A resposta estava debaixo do meu nariz o tempo todo.– É – falei. – É, eu sei.– Então você precisa decidir se você vai ou não embora.– Eu... – eu queria dizer sim. É claro que queria ir. Mas as palavras ficaram presas na minha garganta. Eu me vi olhando para o lago, e de repente a ideia de ir embora pareceu muito difícil.– Não decida ainda – advertiu Hefesto. – Espere até o amanhecer. O amanhecer é um bom momento para decisões.– Será que Dédalo vai nos ajudar? – perguntei. – Digo, se ele der a Luke um modo de navegar pelo Labirinto, estamos mortos. Eu tive sonhos sobre... Dédalo matando seu sobrinho. Ele se tornou amargo e furioso e–– Não é fácil ser um inventor brilhante – trovejou Hefesto. – Sempre sozinho. Sempre mal compreendido. Fácil ficar amargo, cometer erros horríveis. É mais difícil trabalhar com pessoas do que com máquinas. E quando você quebra uma pessoa, ela não pode ser consertada.Hefesto secou os últimos pingos de Pepsi de sua roupa.– Dédalo começou muito bem. Ele ajudou a princesa Ariadne e Teseu porque ele sentiu pena deles. Ele tentou fazer uma boa ação. E tudo na vida dele começou a dar errado por causa disso. Isso foi justo? – O deus deu de ombros. – Não sei se Dédalo vai ajudar você, rapaz, mas não julgue alguém até ter estado em sua forja e trabalhado com seu martelo, ok?– Eu... eu vou tentar.Hefesto se levantou.– Adeus, rapaz. Você fez bem, destruindo os telquines. Eu sempre me lembrarei de você por isso.Soou bem definitivo, aquele adeus. Depois ele irrompeu em uma coluna de chamas, e o fogo se moveu pela água, voltando para o mundo lá fora.

Eu caminhei pela praia por várias horas. Quando finalmente voltei ao bosque, era muito tarde, talvez quatro ou cinco da manhã, mas Calipso ainda estava no jardim, cuidando das flores à luz das estrelas. Seu enlace lunar brilhava prateada, e as outras plantas respondiam à magia, brilhando em vermelho e amarelo e azul.– Ele ordenou que você retornasse – Calipso adivinhou.– Bem, não ordenou. Ele me deu uma escolha.Seus olhos encontraram os meus.– Eu prometi que não iria oferecer.– Oferecer o quê?– Para que você fique.– Ficar – eu disse. – Tipo... pra sempre?– Você seria imortal nesta ilha – ela disse quietamente. – Você nunca envelheceria ou morreria. Você poderia deixar a luta para os outros, Percy Jackson. Você poderia escapar da sua profecia.Eu a fitei, atônito.– Fácil assim?Ela assentiu.– Fácil assim.– Mas... meus amigos.Calipso se levantou e pegou minha mão. Seu toque lançou uma corrente de calor pelo meu corpo.– Você me perguntou sobre a minha maldição, Percy. Eu não queria lhe contar. A verdade é que os deuses me enviam companhia de tempos em tempos. A cada mil anos, ou algo assim, eles permitem que um herói se banhe no meu litoral, alguém que precise da minha ajuda. Eu cuido e me torno amiga dele, mas nunca é por acaso. As Parcas se certificam de que o tipo de herói que eles mandam...Sua voz falhou, e ela teve que parar.Eu segurei sua mão firmemente.– O quê? O que eu fiz para deixá-la triste?– Elas enviam uma pessoa que nunca possa ficar – ela sussurrou. – Que nunca possa aceitar minha oferta de companhia por mais do que um curto período. Eles me enviam um herói que eu não possa ajudar... só o tipo de pessoa por quem eu não possa evitar me apaixonar.A noite estava quieta exceto pelo borbulhar das fontes e das ondas batendo nas pedras. Demorou muito para eu entender o que ela estava dizendo.– Eu? – perguntei.– Se você pudesse ver seu rosto. – Ela reprimiu um sorriso, embora seus olhos ainda estivessem molhados. – Claro que é você.– É por isso que você esteve fugindo este tempo todo?– Eu tentei tanto. Mas não consegui. As Parcas são cruéis. Elas enviaram você a mim, meu valente, sabendo que você partiria meu coração.– Mas... eu só... quero dizer, eu sou só eu.– Chega – Calipso prometeu. – Eu disse a mim mesma que eu sequer falaria sobre isto. Eu deixaria você ir sem sequer oferecer. Mas eu não posso. Eu acho que as Parcas sabiam disso também. Você poderia ficar comigo, Percy. Temo que você só possa me ajudar desse modo.Eu fitei o horizonte. Os primeiros raios vermelhos do amanhecer estavam surgindo no céu. Eu poderia ficar aqui para sempre, desaparecer da face da Terra. Eu poderia viver com Calipso, com criados invisíveis atendendo meus pedidos. Poderíamos plantar flores no jardim e falar com pássaros cantores e caminhar pela praia sob céus perfeitamente azuis. Sem guerra. Sem profecia. Sem escolhas de lados.– Não posso – disse a ela.Ela olhou para baixo tristemente.– Eu jamais faria nada para machucar você – falei, – mas meus amigos precisam de mim. Eu sei como posso ajudá-los agora. Eu tenho que voltar.Ela pegou uma flor de seu jardim – um ramo de enlace lunar prateado. Seu brilho desapareceu conforme o sol aparecia. O amanhecer é um bom momento para decisões,Hefesto dissera. Calipso colocou a flor no bolso da minha camiseta. Ela ficou na ponta dos pés e me deu um beijo na testa, como uma benção.– Então venha para a praia, meu herói. E nós lhe mostraremos o caminho.

A jangada tinha três metros de toras amarradas junto com um poste como mastro e uma simples vela de linho branca. Não parecia como se estivesse em condições de navegar pelo mar, ou pelo lago.– Isto o levará para onde você desejar – Calipso me prometeu. – É bem seguro.Eu peguei a mão dela, mas ela a deixou escorregar da minha.– Talvez eu possa visitar você – eu disse.Ela balançou sua cabeça.– Nem um homem jamais encontra Ogígia duas vezes, Percy. Quando você se for, eu jamais o verei de novo. Vá, por favor – sua voz falhou. – As Parcas são cruéis, Percy. Apenas se lembre de mim. – Então um pequeno traço do seu sorriso retornou. – Plante um jardim em Manhattan por mim, sim?– Eu prometo.Eu entrei na jangada. Imediatamente ela começou a se afastar do litoral. Enquanto eu navegava pelo lago eu me dei conta de que as Parcas eram realmente cruéis. Elas enviaram a Calipso alguém que ela não poderia evitar amar. Mas isso era uma via de mão dupla. Pelo resto de minha vida eu estaria pensando nela. Ela sempre seria meu maior e se.Em alguns minutos a ilha de Ogígia ficou perdida na neblina. Eu estava navegando sozinho sobre a água na direção do pôr do sol. Então eu disse à jangada o que fazer. Eu disse o único lugar que pude pensar, pois precisava de conforto e amigos.– Acampamento Meio-Sangue – falei. – Me leve pra casa.

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