sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A Batalha do labirinto - capitulo 3




                        Brincamos de pega-pega com escorpiões


Na manhã seguinte, havia muita agitação no café da manhã. Aparentemente por volta das três horas da manhã um drakon etíope fora visto nas fronteiras do acampamento. Eu estava tão exausto que dormi mesmo com o barulho. As fronteiras mágicas mantiveram o monstro fora, mas ele rodeou as colinas, à procura de pontos fracos em nossas defesas, e não parecia ansioso para ir embora até que Lee Fletcher do chalé de Apolo liderou alguns de seus irmãos na perseguição. Depois de algumas dezenas de flechas enfiadas nas aberturas da couraça do drakon, ele captou a mensagem e se retirou.

– Ele ainda está lá fora – Lee nos alertou durante os anúncios. – Vinte flechas em seu couro, e nós apenas o deixamos furioso. A coisa tinha mais de nove metros de comprimento e era verde brilhante. Seus olhos... – ele estremeceu.

– Você fez bem, Lee – Quíron deu uma palmada em seu ombro. – Todos fiquem em alerta, mas calmos. Isso já aconteceu antes.

– Sim – Quintus disse da ponta da mesa. – E vai acontecer novamente. Com mais e mais frequência.

Os campistas murmuraram entre si.

Todos sabiam dos rumores: Luke e seu exército de monstros estavam planejando uma invasão ao acampamento. A maioria de nós esperava que isso acontecesse neste verão, mas ninguém sabia como ou quando. Não ajudava em nada nossa frequência estar baixa. Nós só tínhamos cerca de oitenta campistas. Três anos atrás, quando eu comecei, havia bem mais de uma centena. Alguns morreram. Outros se juntaram a Luke. E alguns simplesmente desapareceram.

– Esse é um bom motivo para novos jogos de guerra – Quintus continuou, um brilho em seus olhos. – Nós veremos como vocês se sairão hoje à noite.

– Sim... – Quíron disse. – Bem, chega de anúncios. Vamos abençoar essa refeição e comer. – Ele ergueu sua taça. – Aos deuses.

Nós todos erguemos nossos copos e repetimos a benção. Tyson e eu levamos nossos pratos até o braseiro de bronze e raspamos uma porção de nossa comida para as chamas. Eu espero que os deuses gostem de torradas com passas e Froot Loops.

– Poseidon – eu disse. Então murmurei, – me ajude com Nico, e Luke, e com o problema de Grover...

Havia tanto com o que se preocupar que eu podia ter ficado lá a manhã toda, mas voltei para a mesa.

Uma vez que todos estavam comendo, Quíron e Grover vieram me visitar. Grover estava com os olhos turvos. Sua camisa estava do avesso. Ele deslizou seu prato para a mesa e afundou próximo a mim.

Tyson se moveu desconfortavelmente.

– Eu vou... hum... polir meus peixes-pônei. – Ele saiu desajeitadamente, deixando seu café da manhã pela metade.

Quíron tentou dar um sorriso. Ele provavelmente quis parecer tranquilizador, mas na sua forma de centauro ele se elevou sobre mim, lançando uma sombra sobre a mesa.

– Bem, Percy, como você dormiu?

– Hã, bem. – Eu imaginei por que ele perguntou isso. Seria possível que ele soubesse algo sobre a estranha mensagem de Íris que eu recebera?

– Eu trouxe Grover – Quíron disse, – porque pensei que vocês dois poderiam querer, ah, discutir assuntos. Agora se me derem licença, eu tenho algumas mensagens de Íris para enviar. Verei vocês mais tarde. – Ele deu um olhar significativo para Grover, e trotou para fora do pavilhão.

– Sobre o que ele estava falando? – perguntei a Grover.

Grover mastigou seus ovos. Eu poderia dizer que ele estava distraído, porque ele mordeu os dentes do seu garfo e o mastigou também.

– Ele quer que você me convença – ele resmungou.

Alguém mais deslizou para perto de mim no banco: Annabeth.

– Eu vou dizer sobre o que é – disse ela. – O Labirinto.

Era difícil me concentrar no que ela estava dizendo, porque todo mundo no pavilhão refeitório estava nos olhando e sussurrando. E Annabeth estava bem ao meu lado. E eu quero dizer bem ao meu lado.

– Você não deveria estar aqui – falei.

– Nós precisamos conversar – ela insistiu.

– Mas as regras...

Ela sabia muito bem que os campistas não estavam autorizados a mudar de mesa. Sátiros eram diferentes. Eles não eram realmente semideuses. Mas os meio-sangues tinham que se sentar à mesa de seus chalés. Eu sequer sabia qual era a punição por trocar de mesas. Eu nunca vira isso acontecer. Se o Sr. D estivesse aqui, ele provavelmente já teria estrangulado Annabeth com videiras mágicas ou algo assim, mas Sr. D não estava aqui. Quíron já havia deixado o pavilhão. Quintus nos olhou e ergueu uma sobrancelha, mas não disse nada.

– Olha – disse Annabeth, – Grover está com problemas. Há apenas uma maneira que conseguimos pensar para ajudá-lo. É o Labirinto. Isso é o que eu e Clarisse temos investigado.

Eu mudei meu apoio, tentando pensar claramente.

– Você quer dizer o labirinto onde mantinham o Minotauro, nos velhos tempos?

– Exatamente – disse Annabeth.

– Então... ele não está mais debaixo do palácio do rei de Creta – eu supus. – O Labirinto está debaixo de algum prédio na América.

Viu? Só me levou alguns anos para perceber as coisas. Eu sabia que locais importantes se mudavam com a Civilização Ocidental, como o Monte Olimpo estar sobre o Empire State, e a entrada do Mundo Inferior estar em Los Angeles. Eu estava me sentindo bem orgulhoso de mim mesmo.

Annabeth rolou os olhos.

– Debaixo de um prédio? Por favor, Percy. O Labirinto é enorme. Não iria caber debaixo de uma única cidade, muito menos de um único prédio.

Eu pensei sobre meu sonho de Nico no rio Estige.

– Então... o labirinto faz parte do Mundo Inferior?

– Não. – Annabeth franziu a testa. – Bem, pode haver passagens do labirinto para dentro do Mundo Inferior. Não tenho certeza. Mas o Mundo Inferior é muito, muito para baixo. O labirinto está logo sob a superfície do mundo mortal, como se fosse uma segunda pele. Ele tem crescido por milhares de anos, atando sua forma debaixo das cidades ocidentais, conectando tudo pelo subterrâneo. Você pode ir pra qualquer lugar pelo labirinto.

– Se você não se perder – Grover murmurou. – E morrer uma morte horrível.

– Grover, tem que haver uma maneira – disse Annabeth. Tive a sensação que eles já tiveram essa conversa antes. – Clarisse sobreviveu.

– Por pouco! – disse Grover. – E o outro cara–

– Ele ficou louco. Ele não morreu.

– Ah, maravilha. – O lábio inferior de Grover tremeu. – Isso me faz sentir muito melhor.

– Uou – eu disse. – Espere. O que é isso sobre Clarisse e o cara louco?

Annabeth olhou de relance para a mesa de Ares. Clarisse estava nos observando como se ela soubesse do que estávamos falando, mas ela fixou os olhos em seu prato de café da manhã.

– Ano passado – Annabeth falou, abaixando sua voz, – Clarisse foi em uma missão para Quíron.

– Eu lembro – disse. – Era secreta.

Annabeth assentiu. Apesar do quão sério ela estava agindo, eu estava feliz por ela não estar mais brava comigo. E eu meio que gostei do fato de ela ter quebrado as regras para se sentar junto a mim.

– Era secreta – Annabeth concordou, – porque ela encontrou Chris Rodriguez.

– O cara do Chalé de Hermes? – Eu me lembrei dele de dois anos atrás. Nós tínhamos escutado por acaso Chris Rodriguez a bordo do navio de Luke, o Princesa Andrômeda.

Chris era um dos meio-sangues que abandonaram o acampamento e se juntaram ao exército Titã.

– É – Annabeth disse. – No verão passado ele simplesmente apareceu em Phoenix, Arizona, perto da casa da mãe de Clarisse.

– O que você quer dizer com simplesmente apareceu?

– Ele estava vagando pelo deserto, a 49ºC, de armadura grega completa, balbuciando sobre fio.

– Fio – falei.

– Ele estava completamente louco. Clarisse o levou para a casa da mãe dela para que os mortais não o internassem. Ela tentou cuidar dele. Quíron foi até lá e o entrevistou, mas não foi muito bom. A única coisa que tiraram dele foi: os homens de Luke estavam explorando o Labirinto.

Eu tremi, embora não soubesse exatamente por quê. Pobre Chris... ele não tinha sido uma má pessoa. O que poderia tê-lo deixado louco? Olhei para Grover, que estava mastigando o resto do seu garfo.

– Ok – perguntei. – Por que eles estavam explorando o Labirinto?

– Nós não temos certeza – disse Annabeth. – Foi por isso que Clarisse saiu em uma missão de exploração. Quíron manteve as coisas em segredo porque ele não queria ninguém em pânico. Ele me envolveu por que... bem, o labirinto sempre foi um dos meus temas favoritos. A arquitetura envolvida... – A expressão dela se tornou um pouco sonhadora. – O construtor, Dédalo, era um gênio. Mas o ponto é que o labirinto tem entradas por toda parte. Se Luke puder descobrir como navegar pelo labirinto, ele poderia mover seu exército com uma velocidade incrível.

– Exceto que é um labirinto, certo?

– Cheio de armadilhas horríveis – Grover concordou. – Becos sem saída. Ilusões. Monstros psicóticos. Monstros matadores de bodes.

– Não se você tivesse o fio de Ariadne – Annabeth disse. – Nos velhos tempos, o fio de Ariadne guiou Teseu para fora do labirinto. Era um tipo de instrumento de navegação, inventado por Dédalo. E Chris Rodrigues estava balbuciando sobre fio.

– Então Luke está tentando achar o fio de Ariadne – falei. – Por quê? O que ele está planejando?

Annabeth balançou a cabeça.

– Eu não sei. Eu pensei que talvez ele quisesse invadir o acampamento pelo labirinto, mas isso não faz sentido. As entradas mais próximas que Clarisse achou eram em Manhattan, o que não ajudaria Luke a passar pelas nossas fronteiras. Clarisse explorou um pouco o caminho pelos túneis, mas... era muito perigoso. Ela escapou algumas vezes por pouco. Eu pesquisei tudo o que pude encontrar sobre Dédalo. Temo que não ajude muito. Eu não entendo o que exatamente Luke está planejando, mas de uma coisa eu sei: o Labirinto pode ser a chave para o problema de Grover.

Eu pisquei.

– Você acha que Pã está no subterrâneo?

– Isso explicaria por que ele tem sido impossível de encontrar.

Grover estremeceu.

– Sátiros odeiam ir para o subterrâneo. Nenhum buscador sequer tentaria ir naquele lugar. Sem flores. Sem o brilho do sol. Sem cafeteria!

– Mas – Annabeth disse, – o Labirinto pode levá-lo praticamente pra qualquer lugar. Ele lê seus pensamentos. Ele foi desenhado para fazê-lo de idiota, enganá-lo e matá-lo, mas você pode fazer o Labirinto trabalhar para você...

– Ele pode levá-lo até o deus da natureza – falei.

– Eu não posso fazer isso. – Grover abraçou seu estômago. – Só pensar nisso me faz querer vomitar minha prataria.

– Grover, essa pode ser sua última chance – Annabeth disse. – O conselho é inflexível. Uma semana ou você aprende a sapatear!

Na mesa principal, Quintus limpou sua garganta. Tive a sensação que ele não queria fazer uma cena, mas Annabeth estava realmente forçando, sentando em minha mesa por tanto tempo.

– Nós conversaremos depois – Annabeth apertou meu braço um pouco forte demais. – Convença-o, ok?

Ela voltou para a mesa de Atena, ignorando todas as pessoas que estavam olhando para ela.

Grover enterrou a cabeça nas mãos.

– Eu não posso fazer isso, Percy. Minha licença de buscador. Pã. Eu vou perder tudo. Eu terei que começar um teatro de fantoches.

– Não diga isso! Nós vamos pensar em algo.

Ele me olhou com os olhos cheios de lágrimas.

– Percy, você é meu melhor amigo. Você me viu no subterrâneo. Naquela caverna do Ciclope. Você realmente acha que eu poderia...

Sua voz vacilou. Eu me lembrei do Mar de Monstros, onde ele estivera preso na caverna do Ciclope. Ele nunca gostou de lugares subterrâneos para começar, mas agora Grover realmente os odiava. Ciclopes o deixavam arrepiado, também. Até mesmo Tyson...

Grover tentava esconder isso, mas Grover e eu meio que podíamos ler as emoções um do outro por causa da conexão empática entre nós. Eu sabia como ele se sentia. Grover estava aterrorizado por causa do grandão.

– Eu tenho que ir – Grover disse lastimosamente. – Juníper está me esperando. É algo bom ela achar covardes atraentes.

Depois que fora embora, eu olhei para Quintus. Ele assentiu solenemente, como se nós estivéssemos compartilhando algum segredo obscuro. Então ele voltou a cortar sua salsicha com uma faca.



Na parte da tarde, fui para os estábulos de pégasos para visitar meu amigo Blackjack.

Ei, chefe! Ele saltou na sua cocheira, suas asas negras golpeando o ar. Você me trouxe alguns cubos de açúcar?

– Você sabe que eles não são bons para você, Blackjack.

É, então, você trouxe alguns, hein?

Eu sorri e dei a ele um punhado. Blackjack e eu nos conhecemos há um bom tempo. Eu meio que o salvei do navio de cruzeiro demoníaco de Luke alguns anos atrás, e desde então, ele insiste em me retribuir com favores.

Então temos algumas missões em vista? Blackjack perguntou. Eu estou pronto para voar, chefe!

Eu dei uma palmada em seu nariz.

– Não sei, cara. Todo mundo continua falando sobre labirintos subterrâneos.

Blackjack relinchou nervosamente.

Nuh-uh. Não para este cavalo! Você não seria louco o suficiente para ir a qualquer labirinto, chefe. Seria? Você vai acabar na fábrica de cola!

– Você pode estar certo, Blackjack. Veremos.

Blackjack mastigou seus cubos de açúcar. Ele sacudiu a crina como se estivesse tendo um ataque hiperglicêmico.

Uau! Esses eram dos bons! Bem, chefe, se você criar juízo e quiser voar para algum lugar, basta dar um assobio. O velho Blackjack e seus amigos passam por cima de qualquer um por você!

Eu disse a ele que ia manter isso em mente. Então um grupo de jovens campistas entrou no estábulo para começar suas aulas de equitação, e eu decidi que era hora de sair. Tive um mau pressentimento que não iria ver Blackjack por um bom tempo.



Naquela noite depois do jantar, Quintus nos tinha vestido em armaduras de combate como se estivéssemos prontos para a captura da bandeira, mas o humor entre os campistas era muito mais sério. Em algum momento durante o dia os engradados na arena tinham desaparecido, e eu tive a sensação que o que quer que estivesse lá tinha sido colocado na floresta.

– Certo – Quintus disse, em pé na cabeceira da mesa de jantar. – Aproximem-se.

Ele estava vestido com couro preto e bronze. Na luz das tochas, seu cabelo cinza o fez parecer como um fantasma. Sra. O'Leary pulou alegremente em sua volta, procurando restos do jantar.

– Vocês estarão em duplas – Quintus anunciou. Quando todo mundo começou a falar e tentar agarrar seus amigos, ele gritou: – Que já foram escolhidas!

– AHHHHHHHHHHH! – Todo mundo reclamou.

– Seu objetivo é simples: recolher os louros dourados sem morrer. A coroa está embalada em um pacote de seda, amarrado nas costas de um dos monstros. Existem seis monstros. Cada um tem um pacote de seda. Apenas um carrega os louros. Vocês precisam achar a coroa antes que as outras duplas. E, é claro... vocês terão que matar o monstro para obtê-la, e ficar vivos.

A multidão começou a murmurar entusiasmada. A tarefa pareceu bem simples. Ei, todos nós tínhamos matado monstros antes. É para isso que treinamos.

– Eu vou anunciar seus parceiros – disse Quintus. – Não haverá negociação. Sem trocas. Sem reclamação.

Aroooof! Sra. O'Leary enterrou sua cara em um prato de pizza.

Quintus produziu um grande pergaminho e começou a ler os nomes. Beckendorf iria com Silena Beauregard, com o que Beckendorf pareceu bem feliz. Os irmãos Stoll, Travis e Connor, iriam juntos. Nenhuma surpresa. Eles faziam tudo juntos. Clarisse ia com Lee Fletcher do chalé de Apolo – combate a curta e longa distância combinados, eles seriam uma combinação difícil de bater. Quintus continuou lendo os nomes até que ele disse, “Percy Jackson com Annabeth Chase.”

– Legal – sorri para Annabeth.

– Sua armadura está torta – foi o único comentário dela, e ela arrumou as tiras para mim.

– Grover Underwood – disse Quintus, – com Tyson.

Grover quase pulou fora de sua pele de bode.

– Quê? M-mas...

– Não, não – Tyson choramingou. – Deve ser um engano. Garoto-bode...

– Sem reclamações! – Quintus ordenou. – Vá com seu parceiro. Vocês têm dois minutos para se prepararem!

Tyson e Grover olharam para mim suplicando. Eu tentei dar a eles um aceno encorajador, e gestos de que deviam avançar juntos. Tyson espirrou. Grover começou a mastigar nervosamente seu bastão de madeira.

– Eles ficarão bem – Annabeth disse. – Venha. Vamos nos preocupar sobre como nós vamos nos manter vivos.



Ainda havia luz quando nós entramos na floresta, mas as sombras das árvores fizeram parecer como meia-noite. Estava frio também, mesmo no verão. Annabeth e eu achamos pistas quase imediatamente – pegadas feitas por algo com um monte de pernas.

Começamos a seguir o rastro.

Pulamos um afluente e ouvimos alguns galhos se quebrando nas proximidades. Nós agachamos atrás de uma rocha, mas eram só os irmãos Stoll tropeçando pela mata e praguejando. O pai deles era o deus dos ladrões, mas eles eram furtivos como búfalos.

Uma vez que os irmãos Stoll passaram, nós fomos mais fundo no lado oeste da floresta onde os monstros eram mais selvagens. Nós estávamos parados sobre uma elevação em uma lagoa de pântano quando Annabeth ficou tensa.

– Aqui foi onde paramos de olhar.

Levou um segundo para eu percebesse o que ela quis dizer. Inverno passado, quando desistimos de procurá-lo, Grover, Annabeth e eu estávamos sobre essa rocha, e eu os convenci a não contar para Quíron a verdade: que Nico era filho de Hades. Na época pareceu a coisa certa a fazer. Eu queria proteger sua identidade. Eu queria ser quem o encontraria e queria acertar as coisas por causa do que aconteceu com a irmã dele.

Agora, seis meses depois, eu não tinha sequer chegado perto de encontrá-lo. Isso deixou um gosto amargo em minha boca.

– Eu o vi noite passada – disse.

Annabeth franziu suas sobrancelhas.

– O que você quer dizer?

Eu contei a ela sobre a mensagem de Íris. Quando terminei, ela encarou as sombras da floresta.

– Ele está invocando os mortos? Isso não é bom.

– O fantasma estava dando a ele maus conselhos – falei. – Dizendo-lhe para se vingar.

– É... espíritos nunca são bons conselheiros, eles têm seus próprios planos. Velhos rancores. E eles ressentem os vivos.

– Ele virá atrás de mim – disse. – O espírito mencionou um labirinto.

Ela assentiu.

– Isso resolve. Nós temos que entender o Labirinto.

– Talvez – eu disse desconfortavelmente. – Mas quem mandou a mensagem de Íris? Se Nico não sabia que eu estava lá...

Um galho quebrou na floresta. Folhas secas rasgaram. Algo grande estava se movendo nas árvores, logo atrás do cume.

– Isso não é os irmãos Stoll – Annabeth sussurrou.

Juntos sacamos nossas espadas.



Chegamos ao Punho de Zeus, uma enorme pilha de pedras no meio da floresta oeste. Era um marco natural onde campistas se reuniam frequentemente em expedições de caça, mas agora não havia ninguém por perto.

– Lá – Annabeth sussurrou.

– Não, espere – eu disse. – Atrás de nós.

Isso era estranho. Ruídos de corrida pareciam vir de várias direções. Nós estávamos circulando os rochedos, nossas espadas prontas, quando alguém bem atrás de nós disse,

– Oi.

Nós nos viramos, e a ninfa da floresta Juníper ganiu.

– Abaixem suas armas! – ela protestou. – Dríades não gostam de lâminas afiadas, ok?

– Juníper – Annabeth exalou. – O que você está fazendo aqui?

– Eu moro aqui.

Eu baixei minha espada.

– No rochedo?

Ela apontou na direção da borda da clareira.

– No junípero. Dã.

Isso fazia sentido, e eu me senti meio estúpido. Eu vivi em torno de dríades por anos, mas nunca realmente falei com elas. Eu sabia que elas não podiam ir muito longe de sua árvore, que era sua fonte de vida. Mas eu não sabia muito mais.

– Vocês estão ocupados? – Juníper perguntou.

– Bem – disse, – nós estamos no meio desse jogo contra um bando de monstros e estamos tentando não morrer.

– Não estamos ocupados – Annabeth falou. – O que está errado, Juníper?

Juníper fungava. Ela esfregou sua manga de seda debaixo de seus olhos.

– É Grover. Ele parece tão perturbado. O ano todo ele tem procurado por Pã. E a cada vez que ele volta, é pior. Eu pensei que talvez, a princípio, ele estivesse vendo outra árvore.

– Não – Annabeth disse quando Juníper começou a chorar. – Tenho certeza que não é isso.

– Ele teve uma queda por esse arbusto de mirtilo uma vez – Juníper disse tristemente.

– Juníper – Annabeth disse, – Grover nunca olharia para outra árvore. Ele só está estressado por causa de sua licença de buscador.

– Ele não pode ir para o subterrâneo! – ela protestou. – Vocês não podem deixá-lo ir.

Annabeth parecia desconfortável.

– Pode ser a única maneira de ajudá-lo; se nós apenas soubéssemos onde começar.

– Ah. – Juníper limpou uma lágrima verde em sua bochecha. – Sobre isso... – Outro barulho na floresta, e Juníper gritou, – Escondam-se!

Antes que eu pudesse perguntar o porquê, ela fez poof e se transformou em uma névoa verde.

Annabeth e eu nos viramos. Saindo da floresta havia um brilhante inseto âmbar, mais de três metros de comprimento, com pinças denteadas, uma cauda blindada, e um ferrão longo como minha espada. Um escorpião. Amarrado às suas costas estava um pacote de seda vermelho.

– Um de nós vai por trás dele – disse Annabeth, conforme a coisa tiniu para nós. – Corta a cauda dele enquanto o outro o distrai pela frente.

– Eu o distraio – falei. – Você tem o boné da invisibilidade.

Ela assentiu. Nós lutáramos juntos tantas vezes que sabíamos os movimentos um do outro. Podíamos fazer isso, fácil. Mas tudo foi por água abaixo quando outros dois escorpiões surgiram da floresta.

– Três? – Annabeth disse. – Isso não é possível! A floresta inteira, e metade dos monstros vêm até nós?

Eu engoli em seco. Um, nós poderíamos dar conta. Dois, com sorte. Três? Duvido. Os escorpiões correram em nossa direção, movimentando suas caudas farpadas como se tivessem vindo aqui só para nos matar. Annabeth e eu colocamos nossas costas contra o rochedo mais próximo.

– Escalamos? – falei.

– Não dá tempo – ela disse.

Ela tinha razão. Os escorpiões já estavam nos cercando. Eles estavam tão perto que eu podia ver suas bocas hediondas espumando, antecipando um delicioso suco gelado de semideuses.

– Cuidado! – Annabeth defendeu um ferrão com a parte plana de sua lâmina. Eu apunhalei com Contracorrente, mas o escorpião saiu de alcance. Nós andamos pela lateral do rochedo, mas os escorpiões nos seguiram. Eu ataquei outro, mas ir pela ofensiva era muito perigoso. Se eu fosse para o corpo, a cauda estocaria para baixo. Se eu fosse para a cauda, os ferrões da coisa iriam vir dos dois lados e me agarrariam. Tudo que poderíamos fazer era nos defender, e não seríamos capazes de manter isso por muito tempo.

Eu dei outro passo para a lateral, e de repente não havia mais nada atrás de mim. Havia uma fenda entre as duas maiores pedras, algo pelo qual eu passara um milhão de vezes, mas...

– Aqui – eu disse.

Annabeth cortou um escorpião então olhou para mim como se eu fosse louco.

– Aí? É muito estreito.

– Eu te dou cobertura. Vai!

Ela mergulhou atrás de mim e começou a se apertar entre as duas pedras. Então ela ganiu e agarrou as tiras de minha armadura, e de repente eu estava dando cambalhotas em um poço que não estava ali um momento antes. Eu podia ver os escorpiões acima de nós, o céu roxo noturno e as árvores, e então o buraco fechou como uma lente de câmera, e nós estávamos em uma completa escuridão.

Nossa respiração ecoava contra a pedra. Estava frio e úmido. Eu estava sentado em um chão irregular que parecia ser feito de tijolos.

Eu levantei Contracorrente. O fraco brilho da espada era suficiente apenas para iluminar o rosto assustado de Annabeth e as paredes cheias de musgo em cada lado de nós.

– On-onde estamos? – Annabeth disse.

– A salvo dos escorpiões, de qualquer forma – tentei parecer calmo, mas eu estava entrando em pânico. A rachadura entre as pedras não poderia ter nos levado a uma caverna. Eu saberia se houvesse uma caverna aqui; eu tinha certeza disso. Era como se o chão tivesse aberto e nos engolido. Tudo o que eu pude pensar era na fissura no pavilhão-refeitório, onde aqueles esqueletos tinham sido consumidos no verão passado. Eu imaginei se a mesma coisa tinha acontecido conosco.

Eu levantei novamente minha espada para iluminar.

– É uma longa sala – murmurei.

Annabeth agarrou meu braço.

– Não é uma sala, é um corredor.

Ela tinha razão, a escuridão parecia... vazia à nossa frente. Havia uma brisa calorosa, como nos túneis do metrô, mas parecia mais velho, mais perigoso de alguma maneira.

Eu comecei a andar, mas Annabeth me parou.

– Não dê outro passo – ela avisou.

– Precisamos achar a saída.

Ela pareceu realmente assustada agora.

– Está tudo bem – prometi. – Está bem–

Eu olhei para cima e percebi que não poderia ver de onde tínhamos caído. O teto era pedra sólida. O corredor parecia esticar indefinidamente em ambas as direções. A mão de Annabeth escorregou para a minha. Sob circunstâncias diferentes eu teria me sentido envergonhando, mas aqui no escuro eu estava feliz em saber onde ela estava. Era a única coisa da qual eu tinha certeza.

– Dois passos para trás – ela aconselhou.

Nós andamos para trás juntos como se estivéssemos em um campo minado.

– Ok – ela disse. – Me ajude a examinar as paredes.

– Pra quê?

– A marca de Dédalo – ela falou, como se isso devesse fazer sentido.

– Uh, ok. Que tipo de...

– Consegui! – ela disse com alívio. Ela colocou sua mão na parede e pressionou contra uma pequena fissura, que começou a brilhar em azul. Um símbolo grego apareceu: o antigo Delta grego.

O telhado se abriu e nós vimos o céu noturno, estrelas brilhando. Estava bem mais escuro do que deveria. Uma escada de metal apareceu do lado do muro, subindo, e eu podia ouvir pessoas gritando nossos nomes.

– Percy! Annabeth! – a voz de Tyson retumbava mais alta, mas outros estavam chamando também.

Eu olhei nervosamente para Annabeth. E então começamos a escalar.



Nós fizemos nosso caminho ao redor das rochas e corremos em direção a Clarisse e outros campistas que seguravam tochas.

– Onde vocês dois estiveram? – Clarisse exigiu.

– Nós estivemos procurando por uma eternidade.

– Mas nós saímos apenas por alguns minutos – eu disse.

Quíron veio trotando, seguido de Tyson e Grover.

– Percy! – Tyson disse. – Vocês estão bem?

– Estamos bem – falei. – Nós caímos em um buraco.

Os outros me olhavam descrentes, e então para Annabeth.

– Sério! – falei. – Havia três escorpiões atrás de nós, então corremos e nos escondemos nas rochas. Mas nós só fomos por um minuto.

– Vocês estiveram ausentes por quase uma hora – Quíron disse. – O jogo acabou.

– É – Grover murmurou. – Nós teríamos vencido, mas um Ciclope sentou em mim.

– Foi um acidente! – Tyson protestou, e então espirrou.

Clarisse estava usando os louros dourados, mas ela nem se gabou sobre tê-los ganhado, o que não era o estilo dela.

– Um buraco? – disse ela suspeitamente.

Annabeth respirou profundamente. Ela olhou ao redor para os outros campistas.

– Quíron... talvez devêssemos falar sobre isso na Casa Grande.

Clarisse ofegou.

– Você encontrou, não foi?

Annabeth mordeu seu lábio.

– Eu... é. Nós encontramos.

Um punhado de campistas começou a fazer perguntas, parecendo tão confusos quanto eu, mas Quíron levantou a mão para ter silêncio.

– Esta noite não é a hora certa, e este não é o lugar certo. – Ele encarou as pedras como se tivesse acabado de notar o quão perigosas elas eram. – Todos vocês, voltem aos seus chalés. Durmam um pouco. Uma partida bem jogada, mas o toque de recolher já passou!

Houve um grande número de queixas e sussurros, mas os campistas se foram, conversando entre si e me olhando desconfiados.

– Isto explica muita coisa – Clarisse disse. – Isto explica do que Luke está atrás.

– Esperem um segundo – falei. – O que você quer dizer? O que nós achamos?

Annabeth se virou para mim, seus olhos escuros com preocupação.

– Uma entrada para o Labirinto. Uma rota de invasão diretamente no coração do acampamento.

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