quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A Maldição do titã - capitulo 11



                               Grover arranja uma lamborghini

Nós estávamos cruzando o Rio Potomac quando avistamos o helicóptero. Era um modelo militar preto e lustroso, como o que vimos no Westover Hall. E estava vindo diretamente para nós.

– Eles conhecem a van – falei. – Temos que despistá-los.

Zöe desviou para a pista rápida. O helicóptero estava nos alcançando.

– Talvez os militares atirem neles – Grover disse esperançoso.

– Os militares provavelmente acham que é um deles – eu disse. – Em todo caso, como o General pode usar mortais?

– Mercenários – Zöe disse, amargurada. – É desagradável, mas muitos mortais lutam por qualquer causa desde que sejam pagos.

– Mas esses mortais não veem para quem estão trabalhando? – perguntei. – Não percebem todos os monstros ao seu redor?

Zöe balançou a cabeça.

– Não sei o quanto eles veem através da Névoa. Duvido que se importariam se soubessem a verdade. Às vezes mortais podem ser mais horríveis que monstros.

O helicóptero continuava vindo, tendo um momento bem melhor que o nosso pelo meio do trânsito de Washington D.C.

Thalia fechou os olhos e rezou firme.

– Ei, Pai. Um relâmpago seria bom agora. Por favor?

Mas o céu continuou cinza e com neve. Nem sinal de uma trovoada de ajuda.

– Ali! – disse Bianca. – Aquele estacionamento!

– Seremos encurralados – Zöe disse.

– Acredite em mim – falou Bianca.

Zöe disparou através de duas pistas de trânsito e para dentro do estacionamento de um shopping na margem sul do rio. Nós deixamos a van e seguimos Bianca descendo alguns degraus.

– Entrada do metrô – Bianca disse. – Vamos para o sul. Alexandria.

– Qualquer coisa – Thalia concordou.

Compramos passagens e passamos pelas catracas, olhando para trás por algum sinal de perseguição.

Alguns minutos depois nós estávamos seguros a bordo de um vagão em direção ao sul, indo para longe de Washington D.C. Quando nosso trem veio para superfície, pudemos ver o helicóptero rodeando o estacionamento, mas ele não veio atrás de nós.

Grover soltou um suspiro.

– Bom trabalho, Bianca, pensando no metrô.

Bianca parecia satisfeita.

– Sim, bem. Vi essa estação quando eu e Nico passamos por aqui no verão passado. Eu me lembro de ter ficado bastante surpresa em vê-la, porque não estava lá quando nós moramos na capital.

Grover franziu as sobrancelhas. ]

– Nova? Mas aquela estação parecia bem velha.

– Eu acho – Bianca disse. – Mas confiem em mim, no tempo em que moramos aqui quando criancinhas, não havia metrô.

Thalia ajeitou-se para frente.

– Espere um minuto. Nada de metrô?

Bianca assentiu.

Agora, eu não sabia nada sobre D.C., mas não via como todo o seu sistema de metrô poderia ter menos de doze anos. Acho que todos estavam pensando a mesma coisa, porque eles pareciam bem confusos.

– Bianca – disse Zöe. – Há quanto tempo atrás... – A voz dela esmoreceu. O barulho do helicóptero estava ficando mais alto de novo.

– Precisamos trocar de trem – eu disse. – Próxima estação.

Durante a próxima meia hora, tudo no que pensávamos era escapar em segurança. Trocamos de trem duas vezes. Eu não tinha ideia para onde estávamos indo, mas depois de um tempo despistamos o helicóptero.

Infelizmente, quando finalmente saímos do trem nos encontrávamos no fim da linha, em uma área industrial com nada além de armazéns e trilhos de ferrovias. E neve. Muita neve.

Aparentava estar mais frio aqui. Eu estava contente pelo meu novo casaco de pele de leão. Vagamos pelo pátio da ferrovia, pensando que poderia haver outro trem de viagem em algum lugar, mas havia apenas fileiras e fileiras de carros de carregamento, a maioria coberta de neve, como se não tivessem se mexido em anos.

Um sem-teto estava junto a uma fogueira acesa em uma lata de lixo. Nós devemos ter parecido bem patéticos, porque ele nos deu um sorriso banguela e disse:

– Tão precisando se aquecer? Venham pra cá!

Nós nos amontoamos ao redor da fogueira dele, Thalia estava batendo os dentes. Ela disse:

– Bem, isso é ó-ó-ótimo.

– Meus cascos estão congelados – Grover se lamentou.

– Pés – eu corrigi, por causa do sem-teto.

– Talvez devêssemos comunicar o acampamento – Bianca disse. – Quíron...

– Não – disse Zöe. – Eles não podem mais nos ajudar. Nós devemos terminar a missão.

Fixei o olhar miseravelmente no pátio da ferrovia. Em algum lugar, no extremo oeste, Annabeth estava em perigo. Ártemis estava acorrentada. Um monstro do juízo final estava solto. E nós estávamos presos nas periferias da capital, dividindo a fogueira com um sem-teto.

– Sabe – o sem-teto disse, – você nunca está completamente sem amigos. – Seu rosto estava encardido e sua barba emaranhada, mas sua expressão parecia amigável. – Vocês crianças precisam de um trem que vai para oeste?

– Sim, senhor – eu disse. – Você sabe de algum?

Ele apontou uma mão sebosa.

De repente percebi um trem de carregamento, brilhando e sem neve. Era um daqueles trens que carregam automóveis, com cortinas de malha de aço e três andares de carros dentro. Ao lado do trem de carga dizia LINHAS SOL OESTE.

– Isso é... conveniente – disse Thalia. – Obrigado, hã...

Ela se virou para o homem sem-teto, mas ele tinha sumido. A lata de lixo à nossa frente estava fria e vazia, como se ele tivesse levado as chamas consigo.

Uma hora depois estávamos nos deslocando ruidosamente para oeste. Não houve problema sobre quem iria dirigir agora, porque todos nós pegamos nossos próprios carros de luxo. Zöe e Bianca estavam esparramadas em um Lexus no andar de cima. Grover estava brincando de piloto de corrida atrás do volante de uma Lamborghini. E Thalia tinha feito ligação direta no rádio de uma Mercedes SLK preta para poder escutar as estações de rádio de rock alternativo da capital.

– Posso me juntar a você? – perguntei a ela.

Ela deu de ombros, então subi no assento do carona.

O rádio estava tocando White Stripes. Eu conhecia a música porque era um dos únicos CDs que eu tinha que minha mãe gostava. Ela falava que lembrava o Led Zeppelin. Pensar na minha mãe me deixou triste, porque não parecia que eu estaria em casa para o Natal. Talvez eu não vivesse tanto assim.

– Casaco legal – Thalia me disse.

Puxei o casacão para me cobrir, agradecido pelo aquecimento.

– É, mas o Leão de Neméia não era o monstro que estávamos procurando.

– Nem chegou perto. Temos um longo caminho a percorrer.

– O que quer que seja esse misterioso monstro, o General disse que virá atrás de você. Queriam isolar você do grupo. Aí o monstro apareceria e lutaria com você no mano a mano.

– Ele falou isso?

– Bem, alguma coisa assim. É.

– Isso é ótimo. Amo ser usada como isca.

– Nenhuma ideia do que o monstro pode ser?

Ela balançou a cabeça sombriamente.

– Mas você sabe para onde estamos indo, não sabe? São Francisco. Era para lá que Ártemis estava indo.

Lembrei de algo que Annabeth havia falado durante a dança: como seu pai estava se mudando para São Francisco e não tinha como ela ir. Meio-sangues não podiam viver lá.

– Por quê? – perguntei. – O que tem de tão ruim em São Francisco?

– A Névoa é realmente densa lá, pois é muito perto da Montanha do Desespero. Magia dos Titãs - o que restou dela - ainda resiste. Monstros são atraídos para aquela área de um jeito inacreditável.

– O que é a Montanha do Desespero?

Thalia levantou uma sobrancelha.

– Você realmente não sabe? Pergunte para a estúpida da Zöe. Ela é a especialista.

Ela olhou fixamente através do para-brisa. Queria perguntar sobre o que ela estava falando, mas também não queria soar como um idiota. Odiava a sensação de que Thalia sabia mais do que eu, então fiquei de boca fechada.

O sol da tarde brilhou através da malha de aço da lateral do vagão de carga, fazendo uma sombra no rosto de Thalia. Pensei no quanto ela era diferente de Zöe – Zöe toda formal e indiferente como uma princesa, Thalia com suas roupas maltrapilhas e comportamento rebelde. Mas havia algo similar entre elas, também. O mesmo tipo de tenacidade. Nesse momento, sentada nas sombras com uma expressão carregada, Thalia parecia uma das Caçadoras.

Então, de repente, eu me dei conta.

– É por isso que você não se entende com Zöe.

Thalia franziu a testa.

– O quê?

– As Caçadoras tentaram recrutar você – eu presumi.

Seus olhos ficaram perigosamente brilhantes. Achei que ela ia me atirar para fora da Mercedes, mas ela apenas suspirou.

– Eu quase me juntei a elas – ela admitiu. – Luke, Annabeth e eu encontramos com elas uma vez, e Zöe tentou me convencer. Ela quase conseguiu, mas...

– Mas?

Os dedos de Thalia agarraram o volante.

– Eu teria que abandonar Luke.

– Ah.

– Zöe e eu começamos uma briga. Ela disse que eu estava sendo estúpida. Afirmou que eu iria me arrepender da minha escolha. Disse que Luke ia me desapontar algum dia.

Observei o sol através da cortina de metal. Parecia que estávamos viajando mais rápido a cada segundo – sombras tremeluzindo como um velho projetor de filmes.

– Isso é desagradável – eu disse. – Difícil admitir que Zöe estava certa.

– Ela não estava certa! Luke nunca me desapontou. Nunca.

– Teremos que combatê-lo – falei. – Não há outro caminho.

Thalia não respondeu.

– Você não o viu ultimamente – avisei. – Sei que é difícil acreditar, mas –

– Farei o que tiver que fazer.

– Mesmo que isso signifique matá-lo?

– Faça-me um favor – ela disse. – Saia do meu carro.

Eu me senti tão mal por ela que nem reclamei.

No momento em que eu estava prestes a sair, ela falou:

– Percy.

Quando olhei para trás, seus olhos estavam vermelhos, mas eu não podia dizer se era de raiva ou tristeza.

– Annabeth também queria se juntar às Caçadoras. Talvez você devesse pensar por qual motivo.

Antes que eu pudesse responder, ela levantou os vidros elétricos e me trancou para fora. Sentei no banco do motorista da Lamborghini de Grover. Grover estava dormindo atrás. Ele finalmente havia desistido de tentar impressionar Zöe e Bianca com sua música de flauta depois que ele tocou ‘Hera Venenosa’ e fez essa mesma coisa brotar do ar condicionado do Lexus delas. Enquanto observava o sol se pôr, pensei em Annabeth. Estava com medo de dormir. Preocupado com o que poderia sonhar.

– Ah, não fique com medo dos sonhos – uma voz disse à minha direita.

Eu olhei para o lado. De algum modo, não estava surpreso em encontrar o sem-teto do pátio da ferrovia sentado no banco do carona. Seus jeans estavam tão desbotados que eram quase brancos. Seu casaco estava rasgado, com estofamento saindo. Ele parecia um tipo de ursinho de pelúcia que tinha sido atropelado por um caminhão.

– Se não fosse pelos sonhos – ele disse. – Eu não saberia metade das coisas que sei sobre o futuro. Eles são melhores que os tabloides do Olimpo. – Ele pigarreou, então levantou as mãos dramaticamente:


Sonhos como um podcast

Fazendo download pelos meus ouvidos

Eles me contam coisas legais.


– Apolo? – adivinhei, porque imaginei que ninguém mais poderia fazer um haicai tão ruim.

Ele colocou o dedo nos lábios.

– Estou incógnito. Pode me chamar de Fred.

– Um deus chamado Fred?

– Hã, bem... Zeus insiste em algumas regras. Sem interferências quando há uma missão humana. Mesmo quando algo realmente grande está errado. Mas ninguém mexe com a minha irmãzinha. Ninguém.

– Você pode nos ajudar, então?

– Shhh. Já estou ajudando. Você já olhou para fora?

– O trem. Quão rápido estamos indo?

Apolo abafou o riso.

– Rápido o suficiente. Infelizmente, estamos ficando sem tempo. É quase pôr do sol. Mas imagino que atravessaremos um grande pedaço dos Estados Unidos com vocês, pelo menos.

– Mas onde está Ártemis?

Seu rosto escureceu.

– Eu sei muita coisa, e vejo muito. Mas mesmo eu não sei isso. Ela está... nublada para mim. Não gosto disso.

– E Annabeth?

Ele franziu a testa.

– Ah, quer dizer aquela garota que você perdeu? Hum. Eu não sei.

Tentei não ficar com raiva. Sabia que os deuses tinham dificuldade em levar a sério os mortais, mesmo meio-sangues. Nós vivíamos vidas tão curtas, comparados aos deuses.

– E o monstro que Ártemis estava perseguindo? – perguntei. – Você sabe o que era?

– Não. – Apolo disse. – Mas tem um que deve saber. Se vocês ainda não tiverem achado o monstro quando chegarem a São Francisco, procurem por Nereu, o Velho Homem do Mar. Ele tem uma boa memória e um olho afiado. Ele tem o dom do conhecimento sobre coisas às vezes obscuras para o meu Oráculo.

– Mas é o seu Oráculo – protestei. – Não pode nos dizer o que significa a profecia?

Apolo suspirou.

– Você pode da mesma forma pedir a um artista para explicar sua arte, ou pedir a um poeta para explicar seu poema. Isso acaba com o propósito. O significado somente fica claro através da busca.

– Em outras palavras, você não sabe.

Apolo checou seu relógio.

– Ah, veja as horas! Tenho que correr. Duvido que possa me arriscar a ajudá-lo de novo, Percy, mas lembre do que eu disse! Durma um pouco! E quando retornar espero um bom haicai sobre sua jornada!

Queria protestar que não estava cansado e nunca tinha feito um haicai na minha vida, mas Apolo estalou os dedos, e a próxima coisa de que me lembro era estar fechando os olhos.

No meu sonho, eu era outra pessoa. Estava vestindo uma antiga túnica grega, que era arejada demais lá embaixo, e sandálias de couro laçadas. A pele do Leão da Neméia estava amarrada nas minhas costas como uma capa, e eu estava correndo para algum lugar, sendo puxado ao longo do caminho por uma garota que segurava firme minha mão.

– Depressa! – ela disse. Estava muito escuro para ver o rosto dela claramente, mas podia ouvir o medo em sua voz. – Ele vai nos encontrar!

Era noite. Um milhão de estrelas resplandeciam no alto. Estávamos correndo pelo meio da grama alta, e o aroma de mil diferentes flores intoxicava o ar. Era um bonito jardim, ainda assim a garota me guiava através dele como se estivéssemos prestes a morrer.

– Não tenho medo – tentei falar para ela.

– Devia ter! – ela disse, puxando-me para perto. Ela tinha longos cabelos negros trançados até as costas. Suas roupas de seda brilhavam fracamente à luz das estrelas.

Corremos pelo lado da colina. Ela me puxou para trás de um arbusto com espinhos e nós caímos, os dois respirando pesadamente. Não sabia por que a garota estava com medo. O jardim parecia tão pacífico. E eu me sentia forte. Mais forte do que jamais havia me sentido.

– Não há necessidade de correr – falei para ela. Minha voz soou mais grave, muito mais confiante. – Já superei centenas de monstros com as mãos nuas.

– Não esse aqui – a garota disse. – Ladon é muito forte. Você deve dar a volta, subir a montanha até o meu pai. É o único jeito.

A dor na voz dela me surpreendeu. Ela estava realmente preocupada, quase como se ela se importasse comigo

– Não confio no seu pai – eu disse.

– Não deveria – a garota concordou. – Você terá que enganá-lo. Mas não pode pegar o prêmio diretamente. Você morrerá.

Eu abafei um riso.

– Então por que você não me ajuda?

– Eu... eu tenho medo. Ladon irá me parar. Minhas irmãs, se elas descobrirem... vão me renegar.

– Então nada pode ser feito sobre isso. – Levantei, esfregando minhas mãos.

– Espere – a garota disse.

Ela parecia estar agonizando sobre uma decisão. Então, com seus dedos tremendo, levou as mãos acima da cabeça e arrancou um longo broche branco do seu cabelo.

– Se você deve lutar, leve isto. Minha mãe, Pleione, deu para mim. Ela era filha do oceano, e o poder do oceano está dentro disto. Meu poder imortal.

A garota soprou o alfinete e ele brilhou fracamente. Resplandecia a luz das estrelas como uma concha polida.

– Pegue – ela me falou. – E faça disto uma arma.

Eu ri.

– Um alfinete de cabelo? Como isso vai destruir Ladon?

– Talvez não – ela admitiu. – Mas é tudo que posso oferecer, se você insiste em ser teimoso.

A voz da garota amoleceu meu coração. Abaixei e peguei o broche, e quando o fiz, ele cresceu longo e pesado em minha mão, até que segurei uma espada de bronze familiar.

– Bem equilibrada – eu disse. – Ainda que eu prefira usar apenas as mãos. Como devo chamar essa lâmina?

– Anaklusmos – a garota falou, triste. – A corrente que pega de surpresa. E antes que você saiba, foi varrido para o mar.

Antes que eu pudesse agradecê-la, houve um som de passos na grama, um sibilo como ar saindo de um pneu, e a garota disse:

– Tarde demais! Ele está aqui!


Eu me levantei ereto no banco do motorista da Lamborghini de Grover. Grover estava balançando o meu braço.

– Percy – ele disse. – É de manhã. O trem parou. Vamos!

Tentei mandar embora minha sonolência. Thalia, Zöe e Bianca já haviam enrolado para cima as cortinas de metal. Lá fora havia montanhas cheias de neve salpicadas de pinheiros, o sol nascendo vermelho entre dois picos.

Pesquei minha caneta de dentro do bolso e prestei atenção nela. Anaklusmos, o nome em grego antigo para Contracorrente. Um modelo diferente, mas eu tinha certeza que era a mesma lâmina que tinha visto em meu sonho.

E tinha certeza de outra coisa também. A garota que eu tinha visto era Zöe Doce-Amarga.

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