quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A Maldição do titã - capitulo 18



                                      Uma amiga diz adeus

Nós pousamos no Campo Crissy depois de anoitecer. Assim que o Dr. Chase desceu de seu Sopwith Camel, Annabeth correu para ele e lhe deu um enorme abraço.

– Pai! Você voou... você atirou!... ah, meus deuses! Isso foi a coisa mais legal que eu já vi!

O pai dela corou.

– Bem, nada mal para um mortal de meia-idade, eu acho.

– Mas balas de bronze celestial! Como você conseguiu aquelas?

– Ah, bem. Você deixou umas armas de meio-sangue no seu quarto na Virginia, da última vez que você... foi embora.

Annabeth abaixou a cabeça, embaraçada. Eu percebi que o Dr. Chase teve muito cuidado para não dizer fugiu.

– Eu decidi derreter algumas para fazer cápsulas – ele continuou. – Apenas um pequeno experimento.

Ele disse isso como se não fosse nada, mas tinha um brilho no olhar. Subitamente, eu entendi por que Atena, Deusa da Sabedoria e da Tecelagem, gostara dele. No fundo ele era um excelente cientista maluco.

– Pai... – Annabeth hesitou.

– Annabeth, Percy – Thalia interrompeu. Sua voz era urgente. Ela e Ártemis estavam ajoelhadas ao lado de Zöe, colocando ataduras nos ferimentos da Caçadora. 

Annabeth e eu corremos para ajudar, mas não havia muito que pudéssemos fazer. Nós não tínhamos ambrosia nem néctar. Nenhuma medicina usual ajudaria. Estava escuro, mas eu podia ver que Zöe não parecia bem. Ela estava tremendo, e o fraco brilho que geralmente a rodeava estava se apagando.

– Você não pode curá-la com magia? – perguntei a Ártemis. – Quero dizer... você é uma deusa.

Ártemis pareceu abalada.

– A vida é algo frágil, Percy. Se as Parcas decidem cortar a linha, há pouco que eu possa fazer. Mas eu posso tentar.

Ela tentou pôr a mão na lateral do corpo de Zöe, mas Zöe segurou seu pulso. Ela olhou fundo nos olhos da deusa, e uma espécie de entendimento se passou entre elas.

– Eu... servi bem a ti? – Zöe sussurrou.

– Com grande honra – Ártemis disse suavemente. – A melhor de minhas ajudantes.

O rosto de Zöe relaxou.

– Descanso. Afinal.

– Eu posso tentar eliminar o veneno, minha corajosa.

Mas naquele momento, eu soube que não era apenas o veneno que a estava matando. Era o golpe final de seu pai. Zöe soubera o tempo inteiro que a profecia do Oráculo era sobre ela: que ela morreria pelas mãos de um parente. E mesmo assim aceitou a jornada.

Ela escolheu me salvar, e a fúria de Atlas a quebrou por dentro.

Ela olhou para Thalia, e pegou sua mão.

– Desculpe-me por termos brigado – Zöe disse. – Nós poderíamos ter sido irmãs.

– É minha culpa – Thalia falou, piscando muito. – Você estava certa sobre Luke, sobre heróis, homens - sobre tudo.

– Talvez não sobre todos os homens – Zöe murmurou. Ela sorriu fracamente para mim.

– Ainda tens aquela espada, Percy?

Eu não conseguia falar, mas tirei Contracorrente do bolso e coloquei a caneta em sua mão. Ela a pegou, satisfeita.

– Disseste a verdade, Percy Jackson. Tu não és como... como Hércules. Sinto-me honrada por carregares esta espada.

Um tremor correu pelo seu corpo.

– Zöe – eu disse.

– Estrelas – ela sussurrou. – Posso ver as estrelas novamente, minha senhora.

Uma lágrima rolou pela face de Ártemis.

– Sim, minha corajosa. Elas estão lindas esta noite.

– Estrelas – Zöe repetiu. Seus olhos se fixaram no céu noturno. E ela não se mexeu mais.

Thalia abaixou a cabeça. Annabeth reprimiu um soluço, e seu pai colocou as mãos sobre seus ombros. Eu observei conforme Ártemis pôs suas mãos em concha sobre os lábios de Zöe e pronunciou algumas palavras em grego antigo. Uma fina linha de fumaça prateada exalou dos lábios abertos de Zöe e foi parar nas mãos da deusa. O corpo de Zöe cintilou e desapareceu.

Ártemis se levantou, proferiu algum tipo de bênção, soprou em suas mãos unidas e liberou a poeira prateada para o céu. A poeira flutuou, reluzindo, e sumiu.

Por um momento eu não vi nada diferente. Então Annabeth engasgou. Olhando acima para o céu, eu vi que as estrelas estavam mais brilhantes agora. Elas formavam um padrão que eu nunca tinha percebido antes – uma constelação brilhante que parecia muito a figura de uma garota – uma garota com um arco, correndo através do céu.

– Deixe o mundo honrá-la, minha Caçadora – Ártemis disse. – Viva para sempre nas estrelas.

Não foi fácil para nós dizer adeus. Os raios e trovões ainda estavam se agitando sobre o Monte Tamalpais ao norte. Ártemis estava tão transtornada que tremeluzia numa luz prateada. Isso me deixou nervoso, porque se ela de repente perdesse o controle e aparecesse em sua plena forma divina, nós iríamos nos desintegrar ao olhar para ela.

– Eu preciso ir ao Olimpo imediatamente – disse Ártemis. – Não serei capaz de levá-los, mas mandarei ajuda.

A deusa pôs a mão no ombro de Annabeth.

– Você foi valente além dos limites, minha garota. Você fará o que é certo.

Então ela olhou interrogativamente para Thalia, como se ela não estivesse certa sobre o que fazer com essa filha mais nova de Zeus. Thalia parecia relutante em olhar para cima, mas algo a compeliu, e ela sustentou o olhar da deusa. Não sei ao certo o que se passou entre elas, mas o olhar de Ártemis se suavizou com simpatia. Então ela se voltou para mim.

– Você foi bem – ela disse. – Para um homem.

Eu quis protestar. Mas então percebi que era a primeira vez que ela não me chamava de garoto.

Ela subiu em sua carruagem, que começou a brilhar. Nós desviamos os olhos. Houve um lampejo prateado, e a deusa se foi.

– Bem – Dr. Chase suspirou. – Ela era impressionante; embora eu deva assinalar que ainda prefiro Atena.

Annabeth se voltou para ele.

– Pai, eu... eu sinto muito que –

– Shh. – Ele a abraçou. – Faça o que for preciso, minha querida. Eu sei que isso não é fácil pra você.

Sua voz estava um pouco falha, mas ele deu a Annabeth um corajoso sorriso.

Então eu ouvi o barulho de grandes asas. Três pégasos desceram através da neblina: dois cavalos brancos alados e um puramente preto.

– Blackjack! – chamei.

E aí, chefe! Ele saudou. Conseguiu ficar vivo e bem sem mim?

– Foi difícil – eu admiti.

Eu trouxe Guido e Porkpie comigo.

E aí?Beleza?

Os outros dois pégasos disseram em minha mente.

Blackjack me olhou com preocupação, e então examinou Dr. Chase, Thalia e Annabeth.

Quer que a gente coloque algum desses manés pra correr?

– Nah – eu disse em voz alta. – Esses são meus amigos. Nós precisamos chegar ao Olimpo bem rápido.

Sem problemas, Blackjack falou. Exceto pelo mortal ali. Espero que ele não vá.

Assegurei a ele que o Dr. Chase não iria. O professor estava encarando boquiaberto os pégasos.

– Fascinante – ele disse. – Mas que maneabilidade! Como a envergadura das asas compensa o peso do corpo do cavalo, eu pergunto?

Blackjack ergueu sua cabeça.

Heeeein?

– Porque, se os ingleses tivessem esses pégasos nos ataques da cavalaria na Crimeia – Dr. Chase falou, – o ataque da brigada da luz...

– Pai! – Annabeth interrompeu.

Dr. Chase piscou. Ele olhou para sua filha e sorriu.

– Desculpe, querida, eu sei que você deve ir.

Ele lhe deu um último abraço desajeitado e bem-intencionado. Quando ela se virou para montar no pégaso Guido, Dr. Chase a chamou:

– Annabeth. Eu sei... eu sei que São Francisco é um lugar perigoso para você. Mas, por favor, lembre-se que você sempre terá um lar conosco. Nós a manteremos segura.

Annabeth não respondeu, mas seus olhos estavam vermelhos quando ela se virou. Dr. Chase começou a dizer mais, mas pareceu pensar melhor sobre isso. Ele levantou sua mão em um aceno triste e caminhou pesadamente através do campo escuro.

Thalia e Annabeth e eu montamos em nossos pégasos. Juntos nós sobrevoamos a baía e fomos rumo às colinas orientais. Logo, São Francisco era apenas um brilho crescente atrás de nós, com um ocasional raio lampejando ao Norte.

Thalia estava tão exausta que caiu no sono nas costas de Porpkie. Eu sabia que ela devia estar realmente cansada para dormir em pleno ar, apesar do seu medo de altura, mas ela não tinha muito com o que se preocupar. O seu pégaso voava suavemente, ajustando-se de vez em quando para que Thalia ficasse segura em suas costas.

Annabeth e eu voávamos juntos, lado a lado.

– Seu pai parece ser legal – eu disse a ela.

Estava escuro demais para ver sua expressão. Ela olhou para trás, mesmo que a Califórnia estivesse bem atrás de nós agora.

– Eu acho que sim – ela falou. – Nós discutimos por tantos anos.

– É, você disse.

– Você acha que eu estava mentindo sobre isso? – Isso soou como um desafio, mas feito sem força, como se ela estivesse perguntando a si mesma.

– Eu não disse que você estava mentindo. É só que... ele parece ser legal. E sua madrasta também. Talvez eles tenham, hum, ficado mais simpáticos desde a última vez em que você os viu.

Ela hesitou.

– Eles ainda estão em São Francisco, Percy. Eu não posso viver tão longe do acampamento.

Eu não queria fazer minha próxima pergunta. Estava com medo da resposta. Mas eu perguntei de qualquer jeito.

– Então o que você vai fazer agora?

Nós voávamos sobre uma cidade, uma ilha de luzes no meio da escuridão. Ela passou por nós tão rápido que podíamos estar em um avião.

– Eu não sei – ela admitiu. – Mas obrigada por me resgatar.

– Ei, não foi nada. Nós somos amigos.

– Você não acreditou que eu estava morta?

– Nunca.

Ela hesitou.

– Nem Luke, sabe. Quero dizer... ele não está morto.

Eu a encarei. Não sabia se ela estava desmoronando por causa do estresse ou o quê.

– Annabeth, aquela queda foi bem feia. Não há como...

– Ele não está morto – ela insistiu. – Eu sei disso. Do mesmo jeito que você sabia sobre mim.

Essa comparação não me fez muito feliz.

As cidades estavam passando rapidamente agora, ilhas de luz bem juntas, até que toda a paisagem abaixo era um carpete brilhante. A alvorada estava próxima. O céu oriental estava se tornando cinza. E um pouco acima, um imenso brilho branco e amarelo se estendia à nossa frente – as luzes de Nova York.

E quanto à velocidade, chefe? Blackjack se vangloriou. Ganhamos feno extra no café da manhã ou o quê?

– Você é o cara, Blackjack – eu disse. – Er, o cavalo, quero dizer.

– Você não acredita em mim sobre Luke – Annabeth falou, – mas nós o veremos de novo. Ele está com problemas, Percy. Ele está sob o feitiço de Cronos.

Não me senti com humor para discutir, apesar disso ter me deixado zangado. Como ela ainda podia ter sentimentos por aquele canalha? Como ela podia arranjar desculpas para ele? Ele mereceu aquela queda. Ele mereceu... ok, eu vou dizer, ele mereceu morrer. Diferente de Bianca. Diferente de Zöe. Luke não podia estar vivo. Não seria justo.

– Ali está. – A voz de Thalia; ela havia acordado. Ela estava apontando na direção de Manhattan, que estava aparecendo rapidamente. – Começou.

– O que começou? – perguntei.

Então eu olhei para onde ela estava apontando. Bem acima do edifício Empire State, o Olimpo era sua própria ilha de luz, uma montanha flutuante brilhando com tochas e braseiros, palácios de mármore branco reluzindo no céu matinal.

– O solstício de inverno – disse Thalia. – O Conselho dos Deuses.

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