sábado, 31 de agosto de 2013

O ultimo olimpiano - capitulo 1




                            Embarco em um cruzeiro explosivo

O fim do mundo começou quando um pégaso pousou no capô do meu carro.

Até então, minha tarde estava ótima. Tecnicamente, eu não deveria estar dirigindo, pois ainda faltava uma semana para completar dezesseis anos, mas minha mãe e meu padrasto, Paul, levaram a mim e a minha amiga Rachel para um trecho de estrada em uma praia particular em South Shore, e Paul nos emprestou seu Prius para uma voltinha.

Ora, eu sei que você está pensando: Puxa, isso é uma grande irresponsabilidade, blá-blá-blá, mas Paul me conhece muito bem. Ele já me viu fatiar demônios e saltar de janelas de escolas em chamas, então provavelmente concluiu que guiar um carro algumas centenas de metros não era exatamente a coisa mais perigosa que eu já havia feito.

Seja como for, Rachel e eu estávamos sozinhos no carro. Era um dia quente de agosto. O cabelo ruivo de Rachel estava preso em um rabo de cavalo e ela usava uma blusa branca sobre o maiô. Eu nunca a tinha visto com outra roupa que não camisetas velhas e jeans rabiscados, ela estava bonita como um milhão de dracmas de ouro.

– Ah, pare ali! – ela me disse.

Nós estacionamos em uma colina que dava para o Atlântico. O mar sempre é um dos meus lugares favoritos, e naquele dia estava especialmente bonito – de um verde resplandecente, e liso como vidro, como se meu pai o estivesse mantendo tranquilo apenas para nós.

Meu pai, falando nisso, é Poseidon. Ele pode fazer esse tipo de coisa.

– Então. – Rachel sorriu para mim. – Sobre aquele convite.

– Oh... Certo. – Eu tentei soar excitado.

Quer dizer, ela tinha me chamado para passar três dias na casa de praia de sua família na ilha de St. Thomas. Eu não recebia muitas ofertas assim. A ideia de férias bacanas para minha família era um fim de semana em um chalé velho em Long Island, alguns filmes alugados e algumas pizzas congeladas, e agora os pais de Rachel estavam dispostos a me levar com eles para o Caribe.

Além disso, eu realmente precisava de férias. Esse verão tinha sido o mais difícil da minha vida. A ideia de descansar mesmo que por poucos dias era realmente tentadora.

Ainda assim, alguma coisa grande estava para acontecer a qualquer dia. Agora eu estava esperando alguma missão. Pior ainda, semana que vem era meu aniversário. Tinha essa profecia que dizia que quando eu fizesse 16 anos, coisas ruins aconteceriam.

– Percy – ela disse – eu sei que o momento é ruim. Mas sempre é ruim para você, certo?

Ela tinha razão.

– Eu realmente quero ir – Eu afirmei. – É só...

– A guerra.

Eu assenti. Eu não gostava de falar sobre isso, mas Rachel sabia.

Diferentemente da maioria dos mortais, ela podia ver através da Névoa – o véu mágico que distorce a visão humana. Ela tinha visto monstros. Ela tinha conhecido alguns dos outros meio-sangues que estavam lutando contra os Titãs e seus aliados.

Ela até tinha estado lá no último verão quando o despedaçado Senhor Cronos saiu de seu caixão em uma forma nova e terrível, e ganhou meu respeito eterno por acertá-lo no olho com uma escova de cabelos de plástico azul.

Ela colocou a mão no meu braço.

– Só pense nisso, ok? Nós só vamos partir daqui dois dias. Meu pai... – A voz dela vacilou.

– Ele está complicando a sua vida?

Rachel sacudiu a cabeça, infeliz.

– Ele está tentando ser legal comigo, o que é quase pior. Ele quer que eu vá para a Academia de Moças de Clarion no outono.

– A escola onde sua mãe estudou?

– É uma escola idiota de boas maneiras para garotas de sociedade, lá em New Hampshire. Você consegue me ver em uma escola de boas maneiras?

Eu admiti que a ideia soava bem estúpida. Rachel gostava de projetos de arte urbana e alimentar os sem-teto e ir a comícios de protesto “Salvem os Pica Paus de barriga-amarela!” e coisas assim. Eu nunca a tinha visto usar um vestido. Era difícil imaginá-la aprendendo a ser uma socialite.

Ela suspirou.

– Ele acha que se fizer algumas coisas legais para mim, eu vou me sentir culpada e desistir.

– É por isso que ele concordou em me deixar ir com vocês nas suas férias?

– Sim... Mas Percy, você estaria me fazendo um grande favor. Seria muito melhor se você estivesse lá conosco. Além disso, tem um assunto que eu queria falar... – ela se deteve abruptamente.

– Algum assunto que você queria falar comigo? – eu perguntei. – Você quer dizer... tão sério que teríamos que ir a St. Thomas para falar sobre isso?

Ela franziu os lábios.

– Olhe, esqueça isso por ora. Vamos fingir que somos duas pessoas normais. Nós saímos para dar uma volta de carro, e estamos vendo o oceano, e é bom estarmos juntos.

Eu sabia que tinha alguma coisa a incomodando, mas ela sorriu bravamente. A luz do sol fazia o cabelo dela parecer fogo. Nós tínhamos passado bastante tempo juntos esse verão. Eu não tinha exatamente planejado isso, mas quanto mais sérias as coisas ficavam no campo, mais eu me via precisando ligar para Rachel e fugir, para ter espaço para respirar. Eu tinha que lembrar a mim mesmo que mundo mortal ainda estava lá, longe de todos os monstros que me usavam como saco de pancadas pessoal.

– Okay – eu disse. – Só uma tarde normal e duas pessoas normais.

Ela assentiu.

– E então... hipoteticamente, se essas duas pessoas gostassem uma da outra, o quanto custaria para o garoto estúpido beijar a garota, huh?

– Oh... – Eu me senti como uma das vacas sagradas de Apolo - lentas, burras e muito vermelhas. – Hum...

Eu não posso fingir que não havia pensado sobre Rachel. Ela era muito mais fácil de lidar do que... bem, do que algumas garotas que eu conhecia. Eu não precisava me esforçar muito, ou prestar atenção no que estava dizendo, ou torturar o meu cérebro para tentar entender o que ela estava tentando dizer. Rachel não escondia muita coisa. Ela deixava você saber como ela se sentia.

Eu não tenho certeza do que teria feito em seguida – mas eu estava tão distraído, que não notei a forma negra gigante descendo do céu até que quatro cascos pousaram no capô do Prius com um WUMP-WUM-CRUNCH!

Hey, chefe, disse uma voz em minha cabeça. Carro legal!

O pégaso Blackjack era um velho amigo meu, então eu tentei não ficar irritado pelas crateras que ele tinha acabado de fazer no capô, mas eu não achava que o meu padrasto fosse ficar muito alegre.

– Blackjack – eu suspirei. – O que você está...

Então eu vi quem estava cavalgando em suas costas, e soube que o meu dia estava para ficar muito mais complicado.

– E aí, Percy.

Charles Beckendorf, conselheiro sênior do chalé de Hefesto, faria a maior parte dos monstros chorarem pelas suas mães. Ele era enorme, com músculos definidos por trabalhar nas forjas durante todo verão, dois anos mais velho que eu, e um dos melhores ferreiros do acampamento. Ele fazia verdadeiras engenhocas mecânicas pra mim. Um mês antes, ele tinha colocado uma bomba de fogo grego no banheiro de um ônibus turístico que estava carregando monstros pelo país. A explosão tinha acabado com uma legião do mal de Cronos assim que a primeira Harpia deu descarga.

Beckendorf estava vestido para o combate. Ele usava uma couraça de bronze e elmo de guerra com calças de camuflagem pretas e uma espada atada a sua cintura. Seu saco de explosivos estava lançado sobre seu ombro.

– Está na hora? – Eu perguntei.

Ele assentiu austeramente.

Um amontoado se formou na minha garganta. Eu sabia que isso estava vindo. Estávamos planejando isso há semanas, mas eu meio que esperava que nunca acontecesse.

Rachel olhou para Beckendorf.

– Oi.

– Oh, hey. Eu sou Beckendorf. Você deve ser Rachel. Percy me contou... uh, quero dizer ele mencionou você.

Rachel ergueu uma sobrancelha.

– Sério? Isso é bom. – Ela olhou rapidamente para Blackjack, que estava batendo as patas contra o capô do Prius. – Então eu acho que vocês têm que ir salvar o mundo agora.

– Algo assim – Beckendorf concordou.

Eu olhei para Rachel desamparado.

– Você falaria para a minha mãe...

– Eu vou falar com ela. Tenho certeza que ela já está acostumada com isso. E explicarei a Paul sobre o capô.

Eu assenti, agradecendo. Eu achei que essa fosse provavelmente a última vez que Paul me emprestaria seu carro.

– Boa sorte. – Rachel me beijou antes mesmo que eu pudesse reagir. – Agora, vá indo, meio-sangue. Vá matar alguns monstros por mim.

Minha última visão foi dela sentada no banco do motorista do Prius, de braços cruzados, observando enquanto Blackjack fazia círculos mais e mais altos, carregando Beckendorf e eu para o céu. Eu me perguntei sobre o que Rachel queria falar comigo, e se viveria o suficiente para descobrir.

– Então – Beckendorf disse – eu acho que você não quer que eu mencione essa pequena cena a Annabeth.

– Oh, deuses – eu murmurei. – Nem mesmo pense nisso.

Beckendorf riu, e juntos atravessamos o atlântico.



Já era quase noite quando descobrimos nosso alvo. O Princesa Andrômeda brilhava no horizonte – um enorme cruzeiro iluminado de amarelo e branco. De longe, você acharia que era apenas um navio de festas, não o quartel-general do Senhor Titã.

Então enquanto se aproxima você poderia notar a gigante figura na proa – uma donzela de cabelos negros em uma túnica grega, amarrada com correntes com um olhar de horror em sua cara, como se pudesse sentir o fedor de todos os monstros que estava sendo forçada a carregar.

Ver o navio de novo fez meu intestino se retorcer. Por duas vezes eu quase morri no Princesa Andrômeda. Agora ele estava indo direto para Nova York.

– Você sabe o que fazer? – Beckendorf gritou acima do vento.

Eu assenti. Tínhamos feito testes nos estaleiros de Nova York com navios abandonados. Eu sabia o quão pouco tempo teríamos. Mas também sabia que nossa melhor chance de acabar com a invasão de Cronos, era antes mesmo dela começar.

– Blackjack – eu disse – nos deixe no pavimento mais baixo da popa.

Certo, chefe, ele disse. Cara, eu odeio ver esse barco.

Três anos atrás, Blackjack tinha sido escravizado no Princesa Andrômeda até conseguir escapar com uma pequena ajuda dos meus amigos e eu. Eu achei que ele preferiria ter seu rabo trançado como o My Little Ponei do que voltar para cá novamente.

– Não nos espere – eu disse a ele.

Mas, chefe...

– Confie em mim – eu disse. – Nós sairemos daqui sozinhos.

Blackjack dobrou suas asas e mergulhou em direção ao barco como um cometa negro. O vento assoviava em meus ouvidos. Eu vi monstros patrulhando os níveis superiores do navio – dracaenae, cães infernais, gigantes, e os leões-marinhos humanoides conhecidos como telquines – mas nós passamos por eles tão rápido que nenhum soou o alarme. Nós estávamos na popa do navio, e Blackjack abriu suas asas, pousando suavemente no deque inferior. Eu desmontei, enjoado.

Boa sorte, chefe, disse Blackjack. Não deixe eles o transformarem em comida de cavalo!

Com isso, meu velho amigo voou para noite. Eu tirei minha caneta do bolso e tirei a tampa, e Contracorrente se expandiu ao seu tamanho máximo – noventa centímetros de bronze celestial brilhando nas sombras.

Beckendorf puxou um pedaço de papel de seu bolso. Eu pensei que fosse um mapa ou algo assim. Então eu percebi que era uma fotografia. Ele olhava para ela na luz fraca – o rosto sorridente de Silena Beauregard, filha de Afrodite. Eles começaram a sair no último verão, depois de anos do resto de nós dizendo “Duh, vocês gostam um do outro!” Mesmo com todas as missões perigosas, Beckendorf esteve mais feliz esse verão do que eu já o havia visto até então.

– Nós vamos conseguir voltar para o acampamento – eu prometi.

Por um segundo eu vi preocupação em seus olhos. Depois ele colocou seu velho sorriso confiante.

– Pode apostar – ele disse. – Vamos explodir Cronos em um milhão de pedaços de novo.



Beckendorf ia a frente. Nós seguimos por um corredor estreito até a escada de serviço, como tínhamos praticado, mas congelamos quando ouvimos barulho acima de nós.

– Eu não me importo com que o seu nariz diz! – Disparou uma voz meio humana, meio canina de um telquine. – A última vez que você cheirou um meio-sangue, acabou sendo um sanduíche de carne com pão!

– Sanduíches de carne com pão são bons! – disse uma segunda voz. – Mas isso é cheiro de meio-sangue, juro. Eles estão a bordo!

– Bah, o seu cérebro não está a bordo!

Eles continuaram a discutir, mas Beckendorf apontou para as escadas. Nós descemos o mais silenciosamente possível. Dois andares abaixo, as vozes dos telquines começaram a sumir.

Finalmente nós chegamos a uma escotilha de metal. Beckendorf balbuciou: “casa das máquinas.”

Estava trancada, mas Beckendorf tirou da bolsa alguns cortadores da mochila e quebrou o ferrolho como se fosse feito de manteiga.

Dentro, umas filas de turbinas amarelas do tamanho de silos se agitavam e zuniam. Manômetros de pressão e terminais de computadores revestiam a parede oposta. Um telquine estava debruçado sobre o console, mas estava tão envolvido em seu trabalho, que não nos notou. Ele tinha aproximadamente 2 metros de altura, o pelo preto marcado e ensebado e pés pequenos e atarracados. Ele rosnava e murmurava enquanto digitava no teclado. Talvez estivesse passando mensagens para seus amigos no carafeia.com

Eu dei um passo à frente, e ele ficou tenso, provavelmente cheirando alguma coisa errada. Ele saltou para o lado em direção a um grande e vermelho botão de alarme, mas eu bloqueei seu caminho. Ele me bateu e lutou, mas com um corte de Contracorrente e ele explodiu em pó.

– Um a menos – disse Beckendorf. – Agora faltam mais uns 500.

Ele me jogou uma jarra de um espesso líquido verde – fogo grego, uma das mais perigosas substâncias mágicas no mundo.Depois ele me jogou outra ferramenta essencial de heróis meio-sangues – fita adesiva.

– Jogue esse no console – ele disse. – Eu cuidarei das turbinas.

Nós começamos o trabalho. A sala estava quente e úmida, e em pouco tempo estávamos encharcados de suor.

O barco continuava andando. Sendo o filho de Poseidon e tudo mais, eu tenho ótima orientação no oceano. Não me pergunte como, mas eu sabia que estávamos 40,19º Norte, 71,90ºOeste, andando a 18 nós, o que significava que o barco chegaria ao porto de Nova York ao amanhecer. Essa seria nossa única chance de pará-lo.

Eu tinha acabado de amarrar uma segunda jarra de fogo grego no painel do console quando ouvi o som de passos no metal – tantas criaturas descendo as escadas que eu podia ouvi-las acima das máquinas. Não era um bom sinal. Eu troquei um olhar com Beckendorf.

– Quanto tempo?

– Tempo demais. – Ele bateu no próprio relógio, que era o nosso detonador manual. – Eu ainda tenho que conectar o fio do receptor e carregar as cargas. Mais dez minutos no mínimo.

Julgando pelo som dos passos, nós tínhamos uns dez segundos.

– Eu vou distraí-los – eu disse. – Te vejo no ponto de encontro

– Percy...

– Me deseje sorte.

Ele parecia que queria discutir. A ideia toda era entrar e sair sem sermos vistos. Mas nós teríamos que improvisar.

– Boa sorte – ele disse.

Abri a porta e saí.



Meia dúzia de telquines estava descendo rapidamente as escadas. Eu os cortei com Contracorrente mais rápido do que eles poderiam gritar. Eu continuei subindo – passei por outro telquine, que estava tão assustado que derrubou sua lancheira Lil’Demons. Eu o deixei vivo – em parte porque eu achei sua lancheira legal, em parte para que ele pudesse tocar o alarme e esperava que seus amigos me seguissem ao invés de ir para a sala de máquinas.

Eu passei irrompendo por uma porta no convés 6 e continuei correndo. Tenho certeza de que o corredor acarpetado um dia deve ter sido muito bonito, mas com os últimos três anos de ocupação de monstros o papel de parede, carpete, e as portas duplas haviam sido estragadas e arrebentadas, parecia agora mais como a garganta de um dragão (e sim, infelizmente, falo por experiência própria).

Em minha primeira visita ao Princesa Andrômeda, meu velho inimigo Luke, para manter as aparências, tinha mantido alguns turistas a bordo, envoltos pela Névoa, desse modo eles não percebiam que estavam em um navio infestado de monstros. Agora eu não via sinal algum de turistas. Eu odiava pensar no que tinha acontecido com eles, mas eu meio que duvidava que eles tiveram permissão para ir para casa com seus prêmios do bingo.

Eu alcancei a área externa, um grande shopping aberto que ocupava todo o meio do navio, e eu congelei. No meio do pátio havia uma fonte. E a fonte estava ocupada por um caranguejo gigante.

Eu não estou falando “gigante” como uma oferta especial na Lanchonete Rei dos Caranguejos. Eu estou falando gigante porque era maior que a fonte. O monstro erguia-se 3 metros fora d’água. Sua carapaça estava manchada de azul e verde e suas pinças eram maiores do que meu corpo.

Se você já viu a boca de um caranguejo, toda espumosa e nojenta com bigodes, você pode imaginar que este não parecia muito melhor expandido para o tamanho de um outdoor. Seus olhos negros me encararam, e eu pude ver inteligência neles – e ódio. O fato de eu ser filho do deus do mar não iria me fazer ganhar pontos com o Sr. Caranguejo.

– FFFFfffffff – ele sibilou, a espuma marítima gotejando de sua boca. O cheiro que emanava dele era o de uma lata de lixo cheia de peixe que tinha sido deixada ao sol por uma semana.

Alarmes soaram. Logo eu teria muita companhia e eu tinha que continuar andando.

– Hey, zangado. – Eu fui andando pela borda do pátio. – Eu só vou dar a volta e...

O caranguejo se moveu com uma velocidade absurda. Ele saiu da fonte e veio direto para mim, com as pinças estalando. Eu entrei em uma loja de presentes, destroçando algumas camisas. Uma pinça esmagou as paredes de vidro e atravessou a sala. Eu voltei para o lado de fora, respirando pesadamente, mas o Sr. Caranguejo se virou e me seguiu.

– Ali! – Disse uma voz na bancada acima de mim. – Intruso!

Se eu quisesse criar uma distração, teria sido bem sucedido, mas não era ali que eu queria lutar. Se eu fosse apanhado no centro do navio, eu viraria comida de caranguejo.

O crustáceo demoníaco me atacou. Eu o cortei com contracorrente, arrancando a ponta de sua garra. Ele se remexeu e espumou, mas não pareceu muito machucado.

Eu tentei me lembrar alguma coisa das histórias antigas que pudessem me ajudar com essa coisa. Annabeth tinha me dito alguma coisa sobre um caranguejo monstro – algo sobre Hércules tê-lo esmagado sob seu pé? Isso não ia funcionar aqui. Esse caranguejo era ligeiramente maior do que meus tênis.

Então um pensamento estranho me ocorreu. No natal passado, minha mãe e eu tínhamos trazido Paul Blofis para nosso velho chalé em Montauk, onde íamos desde sempre. Paul tinha me levado para pescar caranguejos, e quando ele conseguiu uma rede cheia dessas coisas, ele me mostrou como os caranguejos têm uma fissura em seu casco, bem no meio de suas barrigas feias.

O único problema era chegar à barriga feia.

Eu olhei para a fonte, depois para o chão de mármore, já escorregadio por causa do rastro do caranguejo. Eu estendi minha mão, me concentrando na água, e a fonte explodiu. Água foi borrifada para todos os lugares, até três andares acima, encharcando os balcões, os elevadores e as janelas das lojas. O caranguejo não se importou. Ele amava a água. Ele veio de lado até mim, espumando e sibilando, e eu corri direto para ele, gritando:

– AHHHHHHHH!

Logo antes de colidirmos, eu me joguei no chão ao estilo dos jogadores baseball e escorreguei no chão molhado direto para debaixo da criatura. Foi tipo escorregar sob um veículo armado de sete toneladas. Tudo que o caranguejo tinha que fazer era sentar e me esmagar, mas antes que ele entendesse o que estava acontecendo, eu atingi a fissura com Contracorrente, soltei o punho, e empurrei a mim mesmo para o lado de trás.

O monstro estremeceu e sibilou. Seus olhos se dissolveram. Sua concha se tornou vermelho vivo enquanto seu interior se evaporava. A concha vazia caiu no chão com um estrondo e se amontoou pesadamente.

Eu não tive tempo para admirar meu trabalho. Eu corri para as escadas mais próximas enquanto a minha volta monstros e meio-sangues gritavam ordens e desembainhavam suas armas. Eu estava de mãos vazias. Contracorrente, sendo mágica, reapareceria no meu bolso mais cedo ou mais tarde, mas por enquanto estava presa em algum lugar nos destroços do caranguejo, e eu não tinha tempo de reavê-la.

No hall dos elevadores do convés 8 duas dracaenae se arrastavam no meio do meu caminho. Da cintura para cima, elas eram mulheres com pele verde e escamosa, olhos amarelos e línguas bifurcadas. Da cintura para baixo tinham dois troncos de cobras ao invés de pernas. Elas seguravam arpões de pesca e redes, e eu sabia por experiência, que elas poderiam usá-las.

– Oooo queeee é isssso? – Disse uma delas. – Um prêmio para Cronosss!

Eu não estava com vontade de brincar de quebre-a-cobra, mas na minha frente estava um modelo do navio, do tipo VOCÊ ESTÁ AQUI. Eu arranquei o guia do pedestal arremessou na primeira dracaenae. O barco bateu na cara dela e ela caiu com o navio. Eu passei por cima dela agarrei o arpão de sua amiga, e girei com ela. Ela bateu no elevador e eu continuei correndo em direção a frente do navio.

– Peguem-no – ela gritou.

Cães infernais latiram. Uma flecha veio de algum lugar, passando assoviando pelo meu rosto e ficou empalada nos painéis de mogno da parede da escada. Eu não me importei – desde que os monstros ficassem longe da sala de máquinas e dessem mais tempo a Beckendorf.

Enquanto eu subia a escada correndo, uma criança me atacou descendo. Ele parecia que tinha acabado de acordar de uma soneca. Sua armadura estava vestida pela metade. Ele puxou sua espada e gritou, “Cronos!” mas ele pareceu mais assustado do que com raiva. Ele não poderia ter mais do que doze anos – mais ou menos a mesma idade que eu tinha quando cheguei pela primeira vez ao acampamento meio-sangue.

Esse pensamento me deprimiu. Essa criança estava passando por uma lavagem cerebral – treinada para odiar os deuses e insulta-los por ter nascido meio olimpiano. Cronos o estava usando, e ainda assim o garoto pensava que eu era seu inimigo.

Eu não o machucaria, de maneira alguma. Não precisava de uma arma para isso. Desviei-me do golpe dele, agarrei seu pulso e o bati contra a parede. Sua espada caiu com ruído de sua mão.

Então eu fiz uma coisa que não tinha planejado. Provavelmente era idiota. Definitivamente comprometeria a missão, mas eu não pude evitar.

– Se você quiser viver – eu disse a ele, – saia desse navio agora. Avise aos outros meio-sangues. – Então eu o empurrei pelas escadas e ele desceu dando cambalhotas até o próximo andar.

Eu continuei subindo.

Más memórias: um corredor passava pela cafeteria. Annabeth, meu meio irmão Tyson, e eu nos esgueiramos por aqui três anos atrás na minha primeira visita. Eu irrompi para fora do convés principal. Acima da proa o céu estava escurecendo. Uma piscina brilhava entre duas torres de vidro com balcões e deques de restaurante. Toda a parte superior do navio parecia deserta.

Tudo que eu tinha que fazer era chegar ao outro lado. Daí eu poderia pegar as escadas e descer até o heliporto – nosso ponto de encontro de emergências. Com alguma sorte, Beckendorf me encontraria lá. Nós pularíamos para o mar. Meus poderes aquáticos nos protegeriam, e nós detonaríamos os explosivos a um quilometro e meio de distância.

Eu estava na metade do caminho quando uma voz me fez congelar.

– Você está atrasado, Percy.

Luke estava num balcão acima de mim, com um sorriso no rosto e uma cicatriz. Ele usava calças jeans, uma camisa branca e chinelos de dedos, como se ele fosse apenas um cara normal na época da faculdade, mas seus olhos falavam a verdade. Eles eram como ouro sólido.

– Nós o estivemos esperando por dias.

No começo ele parecia normal, como o Luke. Mas então sua cara mudou. Um tremor passou por seu corpo como se ele tivesse acabado de beber alguma coisa realmente nojenta. Sua voz se tornou mais pesada, e poderosa – a voz do Titã Cronos. As palavras passaram raspando pela minha coluna como a lâmina de uma faca.

– Agora, se curve diante de mim.

– Yeah, como se isso fosse acontecer – eu murmurei.

Lestrigões gigantes estavam enfileirados de cada lado da piscina como se estivessem esperando por um sinal. Cada um tinha dois metros e meio de altura com braços tatuados e armaduras de couro. Arqueiros meio-sangues apareceram no telhado acima de Luke. Dois cães infernais saltaram do balcão oposto e rosnaram para mim. Dentro de segundos eu estava cercado. Uma armadilha: não havia como eles terem assumido posição tão rápido, a menos que soubessem que eu estava vindo.

Eu olhei para Luke, e a raiva ferveu dentro de mim. Eu nem sabia se a consciência de Luke estava ao menos viva dentro daquele corpo. Talvez, o modo como sua voz mudou... Ou talvez seja apenas Cronos se adaptando a sua nova forma. Eu disse a mim mesmo que isso não importava. Luke já era distorcido e mal desde antes de Cronos o possuir.

Uma voz em minha mente disse: Eu vou ter que lutar contra ele eventualmente. Por que não agora?

De acordo com a grande profecia, eu deveria fazer uma escolha que salvaria ou destruiria o mundo quando eu fizesse dezesseis anos. Isso aconteceria em apenas sete dias. Por que não agora? Se eu realmente tivesse o poder, qual diferença que uma semana faria? Eu podia terminar essa ameaça agora mesmo se destruísse Cronos. Hey, eu já tinha lutado contra monstros e deuses antes.

Como se estivesse lendo meus pensamentos, Luke sorriu. Não, ele era Cronos. Eu tinha que me lembrar disso.

– Avance – ele disse – se você ousar.

A multidão de monstros se dividiu. Eu subi as escadas, meu coração batendo forte. Eu tinha certeza que alguém me apunhalaria pelas costas, mas eles me deixaram passar. Eu procurei no meu bolso e achei minha caneta esperando. Eu tirei a tampa, e Contracorrente se transformou em uma espada.

A arma de Cronos apareceu em suas mãos – uma foice de dois metros de altura, metade bronze celestial, metade aço mortal. Só olhar para aquela coisa fez os meus joelhos virarem gelatina. Mas antes que eu pudesse mudar de ideia, ataquei.

O tempo diminuiu sua velocidade. Quero dizer literalmente diminuiu a velocidade, porque Cronos tinha esse poder. Eu senti como se estivesse me movendo através de um xarope. Meus braços estavam tão pesados, que eu mal podia erguer minha espada. Cronos sorriu, agitando sua foice na velocidade normal e esperando que eu me arrastasse em direção a minha morte.

Eu tentei lutar contra sua magia. Me concentrei no mar a minha volta – a fonte do meu poder. Eu tinha ficado melhor em canalizá-lo através dos anos, mas agora nada parecia acontecer.

Eu dei mais um passo lento à frente. Gigantes zombaram. Dracaenae chiaram com seu riso.

Hey, oceano, eu invoquei. Agora seria uma boa hora.

De repente eu senti um puxão no meu intestino. O barco inteiro deu uma guinada lateral, fazendo monstros caírem. Quatrocentos galões de água salgada saíram de dentro da piscina, encharcando a mim, Cronos e todo mundo no deque. A água me revitalizou, quebrando o feitiço do tempo, e eu ataquei diretamente.

Eu assolei Cronos, mas eu ainda era lento demais. Eu cometi o erro de olhar para o rosto dele – o rosto de Luke – um cara que uma vez foi meu amigo. Por mais que eu o odiasse, era difícil mata-lo.

Cronos não tinha essa hesitação. Ele cortou para baixo com sua foice. Eu saltei para trás, e a lâmina do mal errou por um centímetro, cortando um talho fundo no deque entre meus pés.

Eu chutei Cronos no peito. Ele tropeçou para trás, mas era mais pesado do que Luke deveria ser. Era como chutar uma geladeira.

Cronos girou sua foice novamente. Eu a interceptei com Contracorrente, mas seu golpe era tão poderoso, minha lâmina só pode desviá-lo. A ponta da foice arrancou fora a manga da minha camisa e arranhou meu braço. Não deve ter sido um corte sério, mas todo o lado do meu corpo explodiu em dor. Eu me lembrei do que um demônio marinho uma vez tinha dito sobre a foice de Cronos: Cuidado, tolo. Um toque, e a lâmina vai separar sua alma de seu corpo. Agora eu entendi o que ele quis dizer. Eu não estava apenas perdendo sangue. Eu podia sentir minha força, minha vontade, minha identidade indo embora.

Eu tropecei para trás, mudei a espada para minha mão esquerda, e ataquei desesperadamente. Minha lâmina deveria tê-lo atravessado, mas foi desviada do seu estômago como se eu estivesse atacando mármore sólido. De jeito nenhum que ele deveria ter sobrevivido aquilo.

Cronos riu.

– Uma performance pobre, Percy Jackson. Luke me disse que você nunca chegou a ser adversário no esgrima.

Minha visão começou a embaçar. Eu sabia que não tinha muito tempo.

– Luke deixava que qualquer vitoriazinha lhe subisse à cabeça – eu disse. – Mas pelo menos era a cabeça dele.

– É uma pena mata-lo agora – lamentou Cronos, – antes que o plano final se revele. Eu adoraria ver o terror em seus olhos quando você entendesse como eu vou destruir o Olimpo.

– Você nunca vai fazer esse barco chegar a Manhattan.

Meu braço estava latejando. Pontos negros dançavam diante de meus olhos.

– E por que isso não? – Os olhos dourados de Cronos brilharam. O rosto dele - o rosto de Luke - parecia uma máscara, não natural e acesa por algum poder maligno. – Talvez você esteja contando com seu amigo com os explosivos?

Ele olhou para a piscina e chamou:

– Nakamura!

Um adolescente em armadura completa atravessou a multidão. Seu olho esquerdo estava coberto por um tapa-olho preto. Eu o conhecia, é claro: Ethan Nakamura, o filho de Nêmesis. Eu tinha salvado sua vida no labirinto no verão passado, e em troca, o pequeno delinquente tinha ajudado Cronos a voltar à vida.

– Sucesso, meu senhor – disse Ethan. – Nós o encontramos, assim como nos foi indicado.

Ele bateu palmas e dois gigantes foram para frente, arrastando Charles Beckendorf entre eles. Meu coração quase parou. Beckendorf tinha um olho inchado e cortes em todo seu rosto e braços. Sua armadura tinha ido embora e sua camisa estava quase rasgada.

– Não! – Eu gritei.

Beckendorf encontrou me encarou. Ele olhou para a própria mão como se estivesse tentando me dizer alguma coisa. O relógio. Eles ainda não o tinham tirado, e ele era o detonador. Seria possível que os explosivos estivessem armados? Com certeza os monstros os teriam desabilitado imediatamente.

– Nós o encontramos a meia-nau – disse um dos gigantes – tentando entrar na sala de máquinas. Podemos comê-lo agora?

– Logo. – Cronos encarou Ethan. – Você tem certeza que ele não colocou os explosivos?

– Ele estava indo para a sala de máquinas, meu senhor.

– Como você sabe disso

– Hãã... – Ethan se mexeu desconfortavelmente. – Ele estava indo naquela direção. E ele nos disse. A bolsa dele ainda está cheia de explosivos.

Devagar, eu comecei a entender. Beckendorf os tinha enganado. Quando ele percebeu que seria capturado, ele virou para fazer parecer que estava indo para o outro lado. Ele os convenceu de que ainda não tinha alcançado a sala de máquinas. O fogo grego ainda poderia estar armado! Mas isso não tinha muita utilidade a menos que nós pudéssemos sair do navio e detona-lo.

Cronos hesitou.

Engula a história, eu rezei. A dor no meu braço era tão grande agora que eu mal podia ficar de pé.

– Abram sua mochila – Ordenou Cronos

Um dos gigantes arrancou o saco de explosivos dos ombros de Beckendorf.

Ele espiou lá dentro grunhiu, e o virou de cabeça para baixo. Monstros em pânico se afastaram. Se a bolsa realmente estivesse cheia de fogo grego, todos nós teríamos explodido. Mas o que caiu foi uma dúzia de latas de pêssego.

Eu podia ouvir a respiração de Cronos, tentando controlar a própria raiva.

– Você, por acaso – ele disse – capturou esse semideus perto da cozinha?

Ethan empalideceu.

– Hã...

– E você, por acaso, enviou alguém para realmente CHECAR A SALA DE MÁQUINAS?

Ethan deu um passo para trás em terror, depois se virou nos calcanhares e correu. Eu amaldiçoei silenciosamente. Agora nós tínhamos apenas minutos antes que as bombas fossem desarmadas. Eu olhei para Beckendorf e fiz uma pergunta silenciosa: Quanto tempo?

Ele fechou seus dedos e polegar fazendo um círculo. Nenhum. Não havia atraso algum no timer. Se ele conseguisse apertar o botão do detonador, o navio ia explodir na hora. Nós nunca conseguiríamos ir para longe o suficiente antes de usá-lo. Os monstros nos matariam primeiro, ou desarmariam os explosivos, ou os dois. Cronos se virou para mim com um sorriso torto.

– Você terá que desculpar meus ajudantes incompetentes, Percy Jackson. Mas isso não importa. Nós temos você agora. Nós sabíamos que viria a semanas.

Ele estendeu a mão e balançou um pequeno bracelete de prata com um desenho de uma foice – o símbolo do Senhor dos Titãs.

A ferida em meu braço estava enfraquecendo a minha habilidade de pensar, mas eu murmurei:

– Aparelho de comunicação... espião no acampamento.

Cronos riu entre os dentes.

– Você não pode contar com seus amigos. Eles sempre vão deixar você na mão. Luke aprendeu essa lição do modo mais duro. Agora largue a espada e se renda a mim, ou seu amigo morre.

Eu engoli. Um dos gigantes tinha sua mão ao redor do pescoço de Beckendorf. Eu não tinha como resgata-lo, e mesmo se eu tentasse, ele morreria antes que eu pudesse chegar lá. Ambos morreríamos.

Beckendorf falou sem som algum uma palavra: Vá.

Eu balancei minha cabeça. Não podia abandoná-lo.

O segundo gigante ainda estava mexendo nas latas de pêssego, o que significava que o braço esquerdo de Beckendorf estava livre. Ele o levantou devagar – em direção ao relógio em seu pulso direito.

Eu queria gritar, NÃO!

Então perto da piscina uma dracaenae sibilou:

– O que ele esssstá fazzzzendo? O que é issssso no pulssssssso dele?

Beckendorf fechou os olhos e levou sua mão em direção a seu relógio. Eu não tinha escolha. Eu joguei minha espada como uma lança em direção a Cronos. Ela bateu sem machucá-lo em seu pulso, mas o assustou. Eu me espremi por uma multidão de monstros e pulei pela borda do navio – em direção à água trinta metros abaixo.

Eu ouvi barulho no navio. Monstros gritavam comigo lá de cima. Uma lança passou perto do meu ouvido. Uma flecha perfurou minha coxa, mas eu não tive tempo de registrar a dor. Eu mergulhei no mar e ordenei as correntes que me levassem para longe, muito longe – cem metros, duzentos metros. Mesmo daquela distância, a explosão sacudiu o mundo. O calor ressecou a parte de trás da minha cabeça. O Princesa Andrômeda explodiu em seus dois lados, uma bola de fogo verde massiva turvando o céu negro, consumindo tudo.

Beckendorf, eu pensei.

Depois eu apaguei e afundei como uma âncora em direção ao fundo do mar.

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