quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A esperança - capitulo 24







Um arrepio corre através de mim. Eu sou realmente tão fria e calculista? Gale não disse “Katniss escolherá quem quebraria o seu coração se desistisse”, ou mesmo “quem ela não possa viver sem”. Esses seriam subtendidos que eu estava motivada por alguma tipo de paixão. Mas meu melhor amigo disse que eu escolheria a pessoa que eu penso que “não posso sobreviver sem”. Não há a menor indicação de amor, ou desejo, ou mesmo que compatibilidade me move. Eu somente conduzo uma insensível avaliação do que meu companheiro poderia me ofertar. Como se, no fim, a questão será se um padeiro ou um caçador prolongará minha longevidade ao máximo.É uma coisa horrível para Gale dizer, para Peeta não contestar. Especialmente quando todo sentimento que eu tenho foi tomado e explorado pela Capital ou pelos rebeldes. No momento, a escolha seria simples. Eu posso sobreviver muito bem sem nenhum deles.De manhã, eu não tenho tempo ou energia para alimentar sentimentos feridos. Durante um café da manhã antes do alvorecer de patê de fígado e biscoitos de figo, nós nos reunimos em volta da televisão de Tigris para uma das interrupções de Beetee.Está acontecendo um novo desenvolvimento na guerra. Aparentemente inspirado pela onda negra, algum ousado comandante rebelde veio com a ideia de confiscar os automóveis abandonados das pessoas e enviá-los sem motorista pelas ruas. Os carros não dispararam todos os pods, mas eles certamente alcançaram a maioria. Por volta das quatro da manhã, os rebeldes começaram a entrincheirar três caminhos separados– simplesmente referidos como linhas A, B e C – para o centro da Capital. Como resultado, eles estão garantindo quadra depois de quadra com poucas perdas.— Isso não pode durar — diz Gale. — De fato, estou surpreso que eles mantiveram isso funcionando por tanto tempo. A Capital irá ajustar desativando pods específicos e então os engatilhando manualmente quando seus alvos estiverem no alcance.Minutos depois de sua predição, nós vemos essa exata coisa acontecer na tela. Uma esquadra envia um carro por um quarteirão, ativando quatro pods. Tudo parece bem. Três batedores seguem e fazem isso seguramente até o final da rua. Mas quando um grupo de vinte soldados rebeldes os segue, eles são explodidos em pedaços por uma fila de roseiras plantadas em frente de uma loja de flores.— Eu aposto que está matando Plutarco não estar na sala de controle — Peeta comenta.Beetee dá a transmissão de volta para a Capital, onde um repórter com uma cara horrível anuncia os quarteirões que os civis devem evacuar. Entre sua atualização e a história anterior, eu sou capaz de marcar o meu mapa de papel para mostrar as relativas posições dos exércitos opostos.Eu ouço tumulto fora na rua, movo-me para a janela e observo um estrondo na veneziana. Na precoce luz matinal, vejo um espetáculo estranho. Refugiados das quadras agora ocupadas estão afluindo para o centro da Capital. A maioria, em pânico, não está vestindo nada, exceto camisolas e chinelos, enquanto os mais preparados estão pesadamente embrulhados em camadas de roupas.Eles carregam tudo, de cachorros pequenos a caixas de joias e plantas em vasos. Um homem em um roupão peludo segura somente uma banana. Confusas, crianças sonolentas tropeçam para frente depois de seus pais, a maioria atordoada ou confusa demais para chorar. Bocados deles lampejam pela minha linha de visão. Um par de vastos olhos marrons. Um braço agarrando uma boneca favorita. Um par de pés descalços, azulados pelo frio, batendo sobre o irregular pavimento de pedras da ruela. Fazendo-me recordar das crianças do 12 que morreram fugindo das bombas incendiárias. Eu deixo a janela.Tigris se oferece para ser nossa espiã pelo dia desde que ela é a única de nós sem uma recompensa pela sua cabeça. Depois de nos assegurar embaixo, ela vai para dentro da Capital descobrir qualquer informação útil.Embaixo, no porão, eu ando para trás e para frente, deixando os outros loucos. Alguma coisa me fala que não tomarmos vantagem da enchente de refugiados é um engano. Qual cobertura melhor nós poderíamos ter? Por outro lado, todas as pessoas refugiadas movendo-se sem destino nas ruas significam outros pares de olhos procurando pelos cinco rebeldes livres.Então novamente, o que nós ganhamos estando aqui? O que todos nós estamos realmente fazendo está esgotando nosso pequeno suprimento de comida e aguardando por... o quê? Os rebeldes pegarem a Capital? Poderiam ter semanas antes de isso acontecer, e eu não estou tão certa do que eu teria que fazer se eles conseguirem.Não correr para fora e cumprimentá-los. Coin teria me apanhado de volta para o 13 antes que eu pudesse dizer amora negra. Eu não vim por todo esse caminho e perdi todas essas pessoas, para me mover para lá por aquela mulher. Eu matarei Snow.Além disso, haveria uma terrível porção de coisas sobre os últimos poucos dias que eu não posso explicar facilmente. Algumas dos quais, se vierem à luz, provavelmente explodiriam meu acordo pela imunidade dos vitoriosos diretamente para baixo da água. E esquecendo de mim, tenho a sensação que alguns dos outros precisarão dela. Como Peeta. Que, não importa como você interprete isso, pode ser visto no vídeo arremessando Mitchell dentro daquele pod de rede. Eu posso imaginar o que o tribunal de guerra de Coin fará com isso.Pelo fim da tarde, nós estamos começando a ficar preocupados com a longa ausência de Tigris. Conversando em volta de possibilidades de ela ter sido percebida e presa, nos entregado voluntariamente ou simplesmente sido ferida pela onda de refugiados. Mas por volta das 6 horas nós a ouvimos retornar. Há algum arrastar de pés no andar superior, então ela abre o painel.Um maravilhoso cheiro de carne fritando enche o ar. Tigris nos preparou um prato de presunto e batatas cortadas. Essa é a primeira comida quente que nós temos em dias, e enquanto eu aguardo por ela para encher meu prato, estou arriscando verdadeiramente babar.Enquanto mastigo, tento dar atenção a Tigris nos falando como ela adquiriu isso, mas a principal coisa que eu absorvo é que roupas de baixo de pelica são um valioso item de comércio no momento. Especialmente para as pessoas que deixaram suas casas não vestidas adequadamente. Muitas estão ainda fora nas ruas, tentando encontrar abrigo para a noite. Aqueles que vivem em apartamentos finos da cidade interna não se aventuraram a abrir suas portas para abrigar os desabrigados. Ao contrário, a maioria deles trancou suas fechaduras, puxou suas venezianas, e fingem estar fora.Agora a Cidade Circular está lotada de refugiados, e os Pacificadores estão indo de porta em porta, rompendo dentro dos lugares se eles precisam, para nomear casas de hóspedes.Na televisão, nós assistimos um elegante líder Pacificador expondo regras específicas a respeito de quantas pessoas por metro quadrado cada residente será exigido que acolha. Ele relembra aos cidadãos da Capital que as temperaturas cairão abaixo do congelamento esta noite e previne-os que seu Presidente conta com eles para serem hospedeiros não somente dispostos, mas entusiasmados nesse momento de crise.Então eles mostram algumas reais imagens de cidadãos aflitos dando boas vindas a gratos refugiados dentro de suas casas. O líder Pacificador disse que o presidente dispôs parte de sua mansão pronta para receber cidadãos amanhã. Ele adiciona que lojistas devem também estar preparados para emprestarem seu espaço se requeridos.— Tigris, poderia ser você — diz Peeta.Eu percebo que ele está certo. Que mesmo sua apertada entrada da loja poderia ser apropriada enquanto os números aumentam. Então nós estaremos realmente presos no porão, em constante perigo de descoberta. Quantos dias nós temos? Um? Talvez dois?O Pacificador Chefe volta com mais instruções para a população. Parece que nesse anoitecer houve um infeliz incidente em que uma multidão espancou até matar um jovem que era parecido com Peeta. Daqui em diante, todos os rebeldes descobertos serão relatados imediatamente para autoridades, que se ocupará com a identificação e detenção do suspeito. Eles mostram uma foto da vítima. À parte dos óbvios cachos descorados, ele parece quase tanto com Peeta quanto eu.— As pessoas ficaram selvagens — Cressida murmura.Nós assistimos um resumo da atualização rebelde na qual nós descobrimos que mais algumas quadras foram pegas hoje. Eu faço nota dos cruzamentos no meu mapa e estudo.— Linha C está somente há quatro quarteirões daqui — eu anuncio.De algum modo isso me enche com mais ansiedade do que a ideia dos Pacificadores procurando por alojamentos.— Deixe-me lavar os pratos.— Eu te darei uma mão — Gale junta os pratos.Eu sinto os olhos de Peeta nos seguindo para fora da sala. Na apertada cozinha atrás da loja de Tigris, eu encho a pia com água quente e faço espuma.— Você acha que isso é verdade? — pergunto. — Que Snow permitirá refugiados dentro da sua mansão?— Eu acho que agora ele precisa, pelo menos para as câmeras.— Eu partirei de manhã.— Eu irei com você — Gale diz. — O que nós devemos fazer com os outros?— Pollux e Cressida poderiam ser úteis. Eles são bons guias — Pollux e Cressida não são verdadeiramente o problema. — Mas Peeta é tão...— Imprevisível — termina Gale. — Você acha que ele nos deixaria abandoná-lo?— Nós podemos usar o argumento que ele nos colocará em perigo. Ele pode ficar, se formos convincentes.Peeta é razoavelmente racional sobre a nossa sugestão. Ele prontamente concorda que sua companhia poderia colocar os outros em risco. Eu estou pensando se é possível todos falarem mais, para que ele possa somente sentar fora da guerra no porão de Tigris, quando ele anuncia que está indo por si mesmo.— Para fazer o quê? — Cressida pergunta.— Eu não tenho certeza exatamente. A única coisa que eu posso mesmo ser útil é causando uma diversão. Você viu o que aconteceu com aquele homem parecido comigo.— E se você... perder o controle?— Você quis dizer... virar mutação? Bem, se eu sentir que está vindo, eu tentarei chegar aqui de volta — ele me assegura.— E se Snow pegar você novamente? — pergunta Gale. — Você nem mesmo tem uma arma.— Eu justamente terei que apostar nas minhas chances — Peeta responde. — Como o resto de vocês.Os dois trocam um longo olhar, e então Gale alcança dentro de seu bolso do peito. Ele coloca seu comprimido amora negra na mão de Peeta. Peeta o deixa ficar em sua palma aberta, nem rejeitando nem aceitando.— O que há com você?— Não se preocupe. Beetee me mostrou como detonar minhas flechas explosivas manualmente. Se isso falhar, eu alcanço minha faca. E terei Katniss — Gale diz com um sorriso. — Ela não daria a eles a satisfação de me pegar vivo.O pensamento dos Pacificadores arrastando Gale longe começa a tocar a canção em minha cabeça novamente...
Você vem, você vempara a árvore
— Pegue isso, Peeta — eu digo em uma voz forçada. Eu o alcanço e fecho seus dedos sobre o comprimido. — Ninguém estará lá para ajudar você.Nós gastamos uma indecisa noite, acordados por outro pesadelo, mentes zumbindo com os planos do próximo dia. Eu estou aliviada quando cinco horas desliza para perto e nós podemos começar o que quer que esse dia segure para nós. Comemos uma mistura de nossas comidas restantes – pêssegos enlatados, biscoitos e escargot – deixando uma lata de salmão para Tigris como um parco agradecimento por tudo que ela fez.O gesto parece tocá-la de alguma forma. Sua face se contorce em uma estranha expressão e ela se lança na ação. Gasta a próxima hora refazendo os cinco de nós. Ela repara nossas vestes tão comuns ocultando nossos uniformes antes mesmo de vestirmos os sobretudos e capotes. Cobrindo nossas botas militares com alguma espécie de chinelo de pele. Firmando nossas perucas com broches. Limpando os extravagantes restos de tinta que nós tão apressadamente aplicamos em nossas faces e nos maquiando novamente. Dispondo nossas roupas exteriores para esconder nossas armas. Então nos dá uma maleta e um pacote de bugigangas para carregar. No fim, nós parecemos exatamente como os refugiados.— Nunca subestime o poder de um estilista brilhante — diz Peeta.É difícil de dizer, mas acho que Tigris pôde corar debaixo de suas tiras.Não há atualizações úteis na televisão, mas a ruela parece tão cheia de refugiados quanto na manhã anterior. Nosso plano é escorregar dentro da multidão em três grupos. Primeiro Cressida e Pollux, que agirão como guias enquanto mantém uma vanguarda segura para nós. Então Gale e eu, que pretendemos nos posicionar no meio dos refugiados designados para a mansão hoje. Então Peeta, que seguirá atrás de nós, pronto para criar um tumulto quando precisar.Tigris vigia através das venezianas pelo momento certo, abre a porta, e acena para Cressida e Pollux.— Tomem cuidado — Cressida diz, e eles estão fora.Nós estaremos seguindo em um minuto. Eu apanho a chave, destranco as algemas de Peeta, e empurro-as no meu bolso. Ele esfrega seus pulsos. Dobra-os. Eu sinto um tipo de desespero subindo em mim. É como se eu estivesse de volta no Massacre Quaternário, com Beetee dando a Johanna e a mim aquele rolo de fio.— Escute — eu digo. — Não faça qualquer coisa idiota.— Não. Essa é a coisa de último recurso. Completamente.Eu envolvo meus braços em volta de seu pescoço, sinto seus braços hesitando antes de me abraçar. Não tão firme como uma vez foi. Mil momentos passam por mim. Em todos os momentos, esses braços foram meu único refúgio no mundo. Talvez não completamente apreciando naquele tempo, mas tão doce em minha memória, e agora se foi para sempre.— Tudo certo, então.Eu o solto.— Está na hora — Tigris avisa.Eu beijo sua bochecha, seguro minha capa vermelha com capuz, puxo meu lenço sobre o nariz e sigo Gale para fora no ar gelado.Cortantes flocos de neve gelados perfuram minha pele exposta. O nascer do sol está tentando quebrar através da escuridão sem muito sucesso. Há luz o suficiente para ver um grupo de formas perto de você e um pouco mais. Condições perfeitas, realmente, exceto que eu não posso localizar Cressida e Pollux. Gale e eu abaixamos nossas cabeças e nos arrastamos junto com os refugiados. Eu posso ouvir o que perdi espiando através das venezianas ontem. Choro, queixas, respiração difícil. E, não muito longe no caminho, tiros.— Onde nós estamos indo, tio? — um trêmulo pequeno garoto pergunta a um homem deprimido com a pequena salvação.— Para a mansão do presidente. Eles irão nos designar um novo lugar para viver — o homem responde.Nós deixamos a ruela e caímos em uma das avenidas principais.— Fiquem à direita! — uma voz ordena, e eu vejo os Pacificadores se espalhando por toda a multidão, direcionando o fluxo de trafego humano.Rostos assustados aparecem nas janelas de vidro das lojas, que já estão se tornando transbordantes com refugiados. Se assim for, Tigris poderá ter novos hóspedes no almoço. Foi bom para todos que nós saímos enquanto pudemos.Está claro agora, mesmo com a neve se acumulando. Eu pego um vislumbre de Cressida e Pollux quase trinta metros à nossa frente, arrastando-se com a multidão. Eu viro a cabeça em volta para ver se eu posso localizar Peeta. Eu não posso, mas pego o olhar de uma garota parecendo curiosa em um sobretudo amarelo limão. Eu cutuco Gale e diminuo meu passo muito levemente, para permitir que uma parede de pessoas se forme entre nós.— Nós podemos precisar nos separar — eu digo sob a respiração. — Há uma garota...Tiros rasgam através da multidão, e várias pessoas se aproximam, me derrubando no chão. Gritos penetram o ar enquanto uma segunda rodada mata uma grande quantidade de pessoas de um grupo atrás de nós. Gale e eu descemos para a rua, correndo dez metros para as lojas, e pegamos abrigo atrás de um mostrador de botas de calcanhar de pontas de ferro na parte de fora de um vendedor de sapatos.Uma fileira de calçados emplumados bloqueia a visão de Gale.— O que é isso? Você pode ver? — ele me pergunta.O que eu posso ver, entre alternados pares de botas de couro lavanda e menta verde, é uma rua cheia de corpos. A pequena garota que estava me observando se ajoelha junto a uma mulher imóvel, gritando e tentando despertá-la. Outra onda de balas corta através do peito de seu sobretudo amarelo, tingindo-o de vermelho, derrubando a garota. Por um momento, olhando para sua minúscula forma amassada, eu perco minha habilidade de formar palavras.Gale me cutuca com seu cotovelo.— Katniss?— Eles estão atirando do telhado sobre nós — eu falo para Gale. Eu observo mais algumas rodadas, vejo os uniformes brancos escoando pelas ruas com neve. — Tentando pegar os Pacificadores, mas eles não estão exatamente dando tiros. Devem ser os rebeldes.Eu não sinto um ímpeto de alegria, apesar de teoricamente meus aliados terem invadido. Eu estou paralisada por aquele sobretudo amarelo limão.— Se nós começarmos a atirar, é isso — Gale fala. — Todo mundo saberia que somos nós.Isso é verdade. Nós estamos armados somente com nossos fabulosos arcos. Liberar uma flecha seria como anunciar para ambos os lados que nós estamos aqui.— Não — respondo violentamente. — Nós temos que pegar Snow.— Então nós faríamos melhor começando a nos mover antes de todo o bloco subir — diz Gale.Grudados às paredes, nós continuamos ao longo da rua. Só que a parede é na maioria vitrines. Um molde de palmas suadas e faces boquiabertas se apertam contra o vidro. Eu puxo meu lenço muito acima do meu osso malar enquanto nos lançamos entre mostradores de rua. Atrás de um balcão composto de fotos de Snow, encontramos um Pacificador ferido escorado contra a tira de paredes de tijolos. Ele nos pede ajuda. Gale ajoelha do lado de sua cabeça e pega sua arma. No cruzamento, ele atira em um segundo Pacificador e ambos temos armas de fogo.— Então, quem é que vamos ser agora? — pergunto.— Desesperados cidadãos da Capital. Os Pacificadores irão pensar que nós estamos de seu lado, e esperançosamente os rebeldes terão alvos mais interessantes.Eu estou ponderando sobre a sabedoria desse último papel enquanto corremos através do cruzamento, mas no momento que alcançamos o próximo quarteirão, não importa mais quem somos. Quem qualquer um é. Porque ninguém está olhando para os rostos. Os rebeldes estão aqui, tudo bem. Vertendo para a avenida, tendo cobertura nas entradas, atrás dos veículos, armas em punho, vozes roucas gritando comandos que se preparam para atender a um exército de Pacificadores marchando em nossa direção. Apanhados no fogo cruzado estão os refugiados, desarmados, desorientados, muitos feridos.Um pod está se ativando acima de nós, liberando um jorro de vapor que escalda todos em seu caminho, deixando as vítimas cor-de-rosa e bem mortas. Depois disso, o pouco de senso de ordem que havia desaparece. Quando o restante do vapor arabesco se entrelaça com a neve, a visibilidade se estende apenas até o fim de meu cano de espingarda.Pacificadores, cidadãos rebeldes, quem sabe? Tudo que se move é um alvo. Pessoas atiram reflexivamente, e eu não sou exceção. Coração batendo, queimando a adrenalina através de mim, todos são meus inimigos. Exceto Gale. Meu parceiro de caça, a única pessoa que está à minha volta.Não há nada a fazer, exceto mover-se para frente, matando quem entrar em nosso caminho. Pessoas gritando, pessoas sangrando, mortos por toda parte. À medida que alcançamos a próxima esquina, todo o quarteirão à frente de nós se acende com um rico brilho roxo.Nós paramos, acocorados em uma escada, e piscamos para a luz. Algo está acontecendo para iluminar o local. Eles estão atacando com... o quê? Um som? Uma onda? Um laser? Armas caem de suas mãos, dedos agarram seus rostos, enquanto sangue jorra de todos os orifícios visíveis – olhos, narizes, bocas, orelhas. Em menos de um minuto, todos estão mortos e o brilho desaparece.Eu cerro os dentes e corro, saltando sobre os corpos, pés escorregando no sangue. O vento sopra a neve ofuscante em redemoinhos, mas não bloqueia o som de outra onda de botas a caminho.— Abaixe! — eu assobio para Gale.Nós nos deixamos cair onde estamos. Enterro meu rosto em uma piscina ainda quente do sangue de alguém, mas me finjo de morta, permanecendo imóvel enquanto as botas marcham sobre nós. Alguns evitam os corpos. Outros pisoteiam minha mão, costas, chutam a cabeça na passagem. Quando diminuem as botas, eu abro meus olhos e aceno para Gale.No quarteirão seguinte, encontramos mais refugiados aterrorizados, mas poucos soldados. Justamente quando parece que poderíamos ter pegado uma pausa, há um estalo, como um ovo batendo ao lado de uma tigela, mas ampliado mil vezes. Nós paramos, procuramos ao redor pelo pod. Não há nada. Então eu sinto as pontas das minhas botas começando a inclinar levemente.— Corra! — eu grito para Gale.Não há tempo para explicação, mas em poucos segundos a natureza do pod começa a se revelar para todos. Uma fenda se abre abaixo do centro do quarteirão. Os dois lados da rua de azulejos estão dobrando como abas, lentamente, esvaziando as pessoas para o que se encontra abaixo.Estou indecisa entre fazer um caminho mais curto para o próximo cruzamento e tentar chegar às portas que alinham a rua e interromper o meu caminho em um edifício. Como resultado, acabo me movendo ligeiramente para a diagonal. Como as abas continuam a cair, encontro meus pés disputando, cada vez mais dificilmente, encontrar apoio sobre os azulejos escorregadios.É como correr ao longo da lateral de uma montanha de gelo que fica mais íngreme a cada passo. Ambos os meus destinos – o cruzamento e o edifício – estão poucos metros longe quando eu sinto a aba ir. Não há nada a fazer exceto usar meus últimos segundos de conexão com os azulejos para me empurrar para fora do cruzamento.Enquanto minhas mãos se agarram, percebo que as abas oscilaram para baixo. Meus pés pendurados no ar, sem base em qualquer lugar. Quinze metros abaixo, um fedor vil bate no meu nariz, como cadáveres apodrecendo no calor do verão. Formas negras rastejam nas sombras, silenciando quem sobrevive à queda.Um grito estrangulado começa de minha garganta. Ninguém está vindo me ajudar. Eu estou perdendo meu aperto na borda gelada, quando vejo que estou somente a dois metros da extremidade do pod. Eu avanço minhas mãos ao longo da borda, tentando bloquear os terríveis sons de baixo. Quando minhas mãos transpõem a extremidade, eu balanço minha bota direita por cima do lado. Ela pega em algo e eu me arrasto penosamente até ao nível da rua. Ofegante, trêmula, eu rastejo para fora e envolvo meus braços em torno de um poste de luz para me firmar, embora o terreno seja totalmente plano.— Gale?Apelo para o abismo sem me importar em ser reconhecida.— Gale?— Por aqui!Eu olho perplexa à minha esquerda. A aba se deteve toda na própria base dos edifícios. Uma dúzia ou mais de pessoas foram tão longe quanto possível e agora se penduram em qualquer coisa que proporcione um apoio. Maçanetas, aldravas, aberturas para correio. A três portas de mim, Gale se agarra à grade de ferro decorativa em torno de uma porta do apartamento. Ele poderia facilmente entrar se estivesse aberta. Mas, apesar dos repetidos chutes na porta, ninguém vem em seu auxílio.— Cubra-se!Eu ergo minha arma. Ele se afasta e eu furo a fechadura até que a porta vai para dentro. Gale oscila na porta, pousando em uma pilha no chão. Por um momento, senti a emoção de seu resgate. Em seguida, mãos de luvas brancas lutam contra ele.Gale encontra meus olhos, esboça alguma coisa para mim eu não posso entender. Eu não sei o que fazer. Eu não posso deixá-lo, mas não posso alcançá-lo também. Seus lábios se movem novamente. Eu balanço minha cabeça para indicar a minha confusão.A qualquer hora, eles vão perceber quem capturaram. Os Pacificadores estão transportando-o para dentro agora.— Vá! — ouço-o gritar.Viro-me e fujo do pod. Completamente sozinha agora. Gale um prisioneiro. Cressida e Polux poderiam estar dez vezes mais mortos. E Peeta? Eu não coloquei os olhos sobre ele desde que deixamos Tigris. Agarro-me à ideia de que ele pode ter ido para trás. Sentiu um ataque vindo e se retirou para o porão, enquanto ele ainda tinha o controle. Percebeu que não havia necessidade de uma distração quando a Capital providenciou tantas. Não há necessidade de ser isca e ter que tomar a amora negra – a amora negra! Gale não tem um. E, toda aquela conversa de detonar suas flechas com a mão, ele nunca terá a chance. A primeira coisa que os Pacificadores vão fazer é tirar suas armas.Eu caio em uma porta, lágrimas pungem meus olhos. Atire em mim. Isso é o que ele estava murmurando. Era para eu matá-lo! Esse era meu trabalho. Essa foi a nossa promessa não dita, todos nós, uns aos outros. E eu não fiz isso e agora a Capital vai matá-lo, torturá-lo, sequestrá-lo ou... as rachaduras começam a se abrir dentro de mim, ameaçando me quebrar em pedaços.Tenho apenas uma esperança. Que a Capital caia, abaixe suas armas e desista de seus prisioneiros antes de Gale se machucar. Mas eu não consigo ver isso acontecendo enquanto Snow estiver vivo.Um par de Pacificadores corre, mal olhando para a menina da Capital choramingando amontoada em uma porta. Eu engulo minhas lágrimas, limpo as existentes na minha face antes que elas possam congelar e me puxar de volta. Ok, eu ainda sou uma refugiada anônima. Ou será que os soldados que pegaram Gale obtiveram um vislumbre de mim quando eu fugi? Eu removo o meu sobretudo e viro-o de dentro para fora, deixando à mostra o forro preto em vez do exterior vermelho. Arrumo capa de modo que ela esconda o rosto. Segurando a arma perto do meu peito, eu me levanto do bloco.Há apenas um punhado de pessoas errantes parecendo atordoadas. Eu ando por trás de um par de velhos que não olham para mim. Ninguém espera que eu esteja com os homens de idade. Quando chegamos ao final do próximo cruzamento, eles param e eu quase esbarro neles. É a Cidade Circular. Em toda a vasta extensão cercada por grandes edifícios, fica a mansão do presidente.O Círculo está cheio de pessoas se movendo sem destino, lamentando, ou apenas sentando e deixando que a neve se acumule ao redor deles.Eu entro na multidão. Começo a tecer o meu caminho em toda a mansão, tropeçando em tesouros abandonados e membros congelados pela neve. Em cerca de metade do caminho, me torno ciente da barricada de concreto. Tem cerca de quatro metros de altura e se estende em um retângulo grande na frente da mansão. Você poderia pensar que estaria vazio, mas está repleto de refugiados. Talvez seja esse o grupo que foi escolhido para ser abrigado na mansão?Mas, quando me aproximo, percebo outra coisa. Todos dentro da barricada são crianças. Crianças a adolescentes. Assustadas e congeladas. Encolhidas em grupos ou balançando entorpecidas no chão. Elas não estão sendo levadas para a mansão. Estão confinadas dentro, guardadas por todos os lados por Pacificadores. E logo sei que não é para sua proteção. Se a Capital queria protegê-las, elas estariam embaixo em um abrigo em algum lugar. Isto é para proteção de Snow. As crianças formam o seu escudo humano.Há uma comoção e a multidão oscila para a esquerda. Estou presa por corpos maiores, levada lateralmente, carregada fora do curso. Ouço gritos de “Os rebeldes! Os rebeldes!” e sei que devem ter rompido.A força viva me bate em um poste e me agarro a ele. Usando a corda que pende do alto, eu me puxo para fora do amontoado de corpos. Sim, eu posso ver o exército rebelde vertendo para o Círculo, dirigindo os refugiados de volta para as avenidas. Eu faço a varredura da área para os pods que certamente serão detonados. Mas isso não acontece. Isto é o que acontece:Um aerobarco marcado com o selo da Capital se materializa diretamente sobre as crianças barricadas. Dezenas de paraquedas de prata caem sobre elas. Mesmo nesse caos, as crianças sabem o que os paraquedas de prata contêm. Alimentos. Remédios. Presentes. Elas ansiosamente os pegam, os dedos congelados lutando com as cordas. O aerobarco desaparece, cinco segundos passam e, em seguida, cerca de vinte paraquedas simultaneamente explodem.Um gemido se eleva da multidão. A neve está vermelha e cheia de pequenas partes de corpo. Muitas das crianças morrem imediatamente, mas outras estão em agonia no chão. Algumas tropeçam em volta mudas, olhando para os paraquedas de prata remanescentes em suas mãos, como se eles ainda pudessem ter dentro de algo precioso. Eu posso dizer que os Pacificadores não sabiam que isso iria acontecer pela forma como estão arrancando para longe das barricadas, fazendo um caminho para as crianças.Outro bando de uniformes brancos se impulsiona na abertura. Mas estes não são Pacificadores. Eles são médicos. Médicos rebeldes. Eu conheceria esses uniformes em qualquer lugar. Eles fervilham entre as crianças, empunhando kits médicos.Primeiro eu obtenho um vislumbre da trança loira nas costas. Então, quando ela puxa o casaco para cobrir uma criança chorando, eu observo o rabo de pato formado por sua camisa fora da calça. Tenho a mesma reação que tive no dia que Effie Trinket chamou o seu nome na colheita. Pelo menos, eu devo ter ficado mole, eu me encontro na base do mastro, incapaz de explicar os últimos segundos. Então estou atravessando a multidão, assim como fiz antes. Tentando gritar seu nome acima do rugido. Eu estou quase lá, quase na barricada, quando penso que ela me ouviu. Porque só por um momento, ela me avista, seus lábios formam o meu nome.E aí é quando o resto dos paraquedas dispara.

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