terça-feira, 24 de setembro de 2013

Em chamas - capitulo 17




O efeito sobre os Gamemakers é imediato e satisfatório. Alguns deixam escapar gritinhos. Outros soltam suas taças de vinho, que se quebram no chão. Dois parecem estar considerando desmaiar. O choque é unânime.
Agora eu tenho a atenção de Plutarco Heavensbee. Ele me encara enquanto o suco do pêssego que ele esmagou corre pelos seus dedos. Finalmente ele limpa sua garganta e diz:
— Você pode ir agora, senhorita Everdeen.
Dou um aceno respeitoso e me viro para ir embora, mas no último momento não posso resistir de jogar o recipiente de suco de frutas sobre meu ombro. Poço ouvir o conteúdo respingar contra o boneco enquanto mais duas taças de vinho se quebram. Quando as portas do elevador se fecham atrás de mim, vejo que ninguém se moveu.
Isso os surpreendeu, penso. Foi imprudente e perigoso e certamente vou pagar por isso dez vezes mais. Mas no momento, sinto algo próximo à sublimidade e deixo-me saboreá-la.
Quero encontrar Haymitch imediatamente e contar a ele como foi a sessão, mas ninguém está por perto. Acho que eles estão se aprontando para o jantar, e decido tomar um banho, visto que minhas mãos estão manchadas de suco.
Enquanto fico sob o chuveiro, começo a imaginar sobre o bom senso do meu último truque. A pergunta que agora deve sempre me guiar é “Isso vai ajudar Peeta a ficar vivo?”
Indiretamente, talvez não. O que acontece no treinamento é altamente confidencial, então não há sentido em tomar alguma medida sobre mim quando ninguém vai saber qual foi minha transgressão. Na verdade, no último ano fui recompensada pela minha ousadia. Isso é um tipo diferente de crime, entretanto. Se os Gamemakers estiverem com raiva de mim e decidirem me punir na arena, Peeta pode ser pego durante o ataque também. Talvez foi impulsivo demais. Ainda assim... Não posso dizer que esteja arrependida.
Quando todos se reúnem para o jantar, percebo que as mãos de Peeta estão levemente manchadas com uma variedade de cores, embora seu cabelo ainda esteja úmido do banho. Ele deve ter feito algum tipo de camuflagem, depois de tudo. Quando a sopa é servida, Haymitch vai direto ao assunto que todos têm em mente.
— Tudo bem, então, como suas sessões privadas foram?
Troco um olhar com Peeta. De alguma forma, não estou ansiosa para colocar o que eu fiz em palavras. No silêncio da sala de jantar, parece muito extremo.
— Você primeiro — digo a ele. — Deve ter sido algo realmente especial. Eu tive de esperar por quarenta minutos para entrar.
Peeta parece estar com a mesma relutância que estou sentindo.
— Bem, eu... eu fiz a coisa da camuflagem, como você sugeriu, Katniss — ele hesita. —Não exatamente camuflagem. Quero dizer, eu usei as tintas.
— Para fazer o quê? — pergunta Portia.
Penso em quão agitados estavam os Gamemakers quando eu entrei no ginásio para minha sessão. O cheiro de materiais de limpeza. O tapete puxado para o centro do ginásio. Era para ocultar algo que eles foram incapazes de limpar?
— Você pintou algo, não foi? Uma imagem.
— Você viu? — Peeta pergunta.
— Não. Mas eles realmente tentaram cobrir.
— Bem, esse seria o padrão. Eles não podem deixar um tributo saber o que o outro fez— diz Effie, sem interesse. — O que você pintou, Peeta? — Ela parece um pouco confusa. — Foi uma imagem da Katniss?
— Por que ele iria pintar uma imagem de mim, Effie? — pergunto, meio irritada.
— Para mostrar que ele vai fazer tudo que pode para te defender. Isso é o que toda Capital espera, de qualquer forma. Ele não se voluntariou para ir com você? — Effie diz, como se isso fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— Na verdade, eu pintei uma imagem de Rue — Peeta responde. — Como ela ficou depois que Katniss tinha a coberto de flores.
Há uma longa pausa à mesa enquanto todos absorvem isso.
— E o que exatamente você estava tentando fazer? — Haymitch pergunta numa voz bem comedida.
— Não tenho certeza. Eu só queria responsabilizá-los, mesmo que só por um momento— Peeta responde. — Por matar aquela garotinha.
— Isso é terrível — Effie soa como se fosse chorar. — Esse tipo de pensamento... é proibido, Peeta. Absolutamente. Você vai apenas trazer mais problemas para você e para Katniss.
— Eu tenho de concordar com Effie dessa vez — diz Haymitch.
Portia e Cinna permanecem em silêncio, mas seus rostos estão sérios. É claro, eles estão certos. Mas embora isso me preocupe, acho que o que ele fez foi incrível.
— Acho que essa é uma má hora para mencionar que eu pendurei um boneco e pintei o nome de Seneca Crane nele — digo.
Isso tem o efeito desejado. Depois de um momento de descrença, toda a desaprovação do aposento é direcionada a mim como toneladas de tijolos.
— Você... pendurou... Seneca Crane? — Cinna repete.
— Sim. Eu estava mostrando minhas novas habilidades com nós, e ele de alguma forma acabou no final do laço.
— Ah, Katniss — diz Effie numa voz abafada. — Como você sabia sobre isso?
— É um segredo? Presidente Snow não agiu como se fosse. Na verdade, ele parecia ansioso para que eu soubesse.
Effie deixa a mesa com um guardanapo pressionado no seu rosto.
— Acho eu preocupei a Effie. Devia ter mentido e dito que eu tinha atirado algumas flechas.
— Você teria pensado que nós planejamos — diz Peeta, dando-me um quase sorriso.
— Não planejaram? — pergunta Portia.
Seus dedos pressionam suas pálpebras fechadas como se ela tivesse evitando uma luz muito brilhante.
— Não — respondo, olhando para Peeta com um novo senso de apreciação. —Nenhum de nós nem sabia o que iríamos fazer antes de entrarmos.
— E... Haymitch? — diz Peeta. — Decidimos que não queremos outros aliados na arena.
— Bom. Então não vou me responsabilizar por vocês serem mortos por qualquer um dos meus amigos com a sua estupidez.
— É isso que estamos pensando — digo a ele.
Terminamos nossa janta em silêncio, mas quando nos levantamos para ir à sala de estar, Cinna põe seus braços ao meu redor e me dá um abraço.
— Vamos ver as pontuações dos treinamentos.
Juntamo-nos ao redor da televisão e Effie, com olhos vermelhos, se reúne a nós. Os rostos dos tributos aparecem, distrito por distrito, e suas pontuações brilham debaixo de suas fotos. Um até doze. Como era esperado, altas pontuações para Cashmere, Gloss, Brutus, Enobaria e Finnick. De baixa a média para o resto.
— Eles alguma vez já deram um zero? — pergunto.
— Não, mas há uma primeira vez para tudo — Cinna responde.
E parece que ele está certo. Porque quando Peeta e eu conseguimos um doze, fazemos história nos Jogos Vorazes. Ninguém quer celebrar, porém.
— Por que eles fizeram isso? — pergunto.
— Para que os outros não tenham escolha além de mirarem vocês — Haymitch responde sem rodeios. — Vão para a cama. Não posso suportar olhar para nenhum de vocês.
Peeta caminha comigo até meu quarto em silêncio, mas antes que ele possa dizer boa noite, eu passo meus braços ao redor dele e deixo minha cabeça contra seu peito. Suas mãos deslizam nas minhas costas e sua bochecha se inclina contra meu cabelo.
— Desculpe-me se fiz as coisas piores — digo.
— Não piores do que fiz. Por que você fez aquilo, de qualquer maneira?
— Não sei. Para mostrar a eles que somos mais do que uma peça nos seus Jogos? —digo.
Ele ri um pouco, sem dúvida se lembrando da noite antes do último Jogo. Estávamos no terraço, nenhum de nós capaz de dormir. Peeta tinha dito algo do tipo então, mas eu não tinha entendido o que ele queria dizer. Agora eu entendo.
— Eu também — ele me confidencia. — E não estou dizendo que não vou tentar. Levar você para casa, quero dizer. Mas se eu for perfeitamente honesto sobre isso...
— Se você for perfeitamente honesto sobre isso, você acha que Presidente Snow provavelmente deu ordens diretas para que nós morramos na arena — interrompo.
— Isso passou pela minha mente — Peeta concorda.
Passou pela minha mente, também. Repetidamente. Mas enquanto sei que nunca vou deixar a arena viva, eu ainda tenho esperanças de que Peeta vá. Depois de tudo, ele não imaginou a ideia das frutas, eu sim. Ninguém nunca duvidou que o desacato de Peeta fosse motivado por amor. Então talvez Presidente Snow vá preferir mantê-lo vivo, acabado e com coração partido, como uma alerta vivo para os outros.
— Mas mesmo se isso acontecer, todos vão saber que nós lutamos, certo? — Peeta pergunta.
— Todos — respondo.
E pela primeira vez, eu me distancio da tragédia pessoal que me consumiu desde quando eles anunciaram o Massacre Quaternário. Eu me lembro do velho em quem eles atiraram no Distrito 11, de Bonnie e Twill, dos rumores de revoltas. Sim, todos nos distritos vão estar me assistindo para ver como lido com a sentença de morte, esse ato final da dominância de Presidente Snow. Eles vão procurar por algum sinal de que suas lutas não foram em vão. Se eu pudesse deixar claro que estou desafiando a Capital logo no final, e a Capital tiver de me matar... mas não meu espírito. Que forma melhor de dar esperança aos rebeldes?
A beleza dessa ideia é que minha decisão de manter Peeta vivo à custa da minha própria vida é por si só um ato de desafio. Uma recusa a jogar os Jogos Vorazes pelas regras da Capital. Minha agenda privada se encaixa perfeitamente com a do meu público. E se eu realmente puder salvar Peeta... em termos de uma revolução, seria o ideal. Porque eu serei mais valiosa morta. Eles podem me transformar em algum tipo de mártir para a causa e pintar meu rosto em bandeiras, e isso serviria mais para reunir pessoas que qualquer coisa que eu pudesse fazer se estivesse viva. Mas Peeta seria mais valioso vivo, e trágico, porque ele seria capaz de tornar sua dor em palavras que vão transformar pessoas.
Peeta iria colocar tudo a perder se soubesse o que estou pensando, então apenas falo:
— Então o que deveríamos fazer com os nossos últimos dias?
— Eu só queria passar cada minuto possível do resto da minha vida com você — Peeta responde.
— Vamos, então — digo, puxando-o para o meu quarto.
Parece um luxo, dormir com Peeta novamente. Eu não percebi até agora como eu precisava de proximidade humana. Senti-lo ao meu lado na escuridão. Eu queria que não tivesse perdido as últimas duas noites deixando-o de fora. Eu durmo, envolvida no seu calor, e quando abro meus olhos novamente, a luz do dia passa através das janelas.
— Sem pesadelos — ele diz.
— Sem pesadelos — confirmo. — Você?
— Nenhum. Eu tinha esquecido como era uma noite de sono de verdade.
Nós ficamos deitamos por um tempo, sem pressa para começar o dia. A noite de amanhã será a entrevista na televisão, então hoje Effie e Haymitch devem nos treinar.
Salto alto e comentários sarcásticos, penso. Mas então a Avox ruiva entra com uma nota da Effie dizendo que, dado o nosso recente tour, ela e Haymitch concordaram que nós podemos nos virar sozinhos adequadamente em público. As sessões de treinamento foram canceladas.
— Verdade? — diz Peeta, tomando a nota da minha mão e a examinando. — Você sabe o que isso significa? Vamos ter o dia todo para nós.
— Pena que não podemos ir para canto nenhum — digo tristemente.
— Quem disse que não podemos? — pergunta ele.
O terraço. Pedimos um pacote de comida, pegamos alguns cobertores e subimos para o terraço para um piquenique. Um piquenique o dia todo no jardim de flores que tocam com o vento. Comemos. Deitamos ao sol. Penduro-me em vinhas e uso meu novo conhecimento do treinamento para praticar nós e fazer redes. Peeta me desenha. Fazemos um jogo com o campo de força que rodeia o terraço – um atira uma maçã nele e o outro tem de pegá-la.
Ninguém nos incomoda. No final da tarde, deito minha cabeça no colo de Peeta, fazendo uma coroa de flores enquanto ele se ocupa com meu cabelo, afirmando que está praticando fazer nós. Depois de um tempo, suas mãos param.
— O quê? — pergunto.
— Queria que eu pudesse congelar esse momento, bem aqui, bem agora, e viver isso para sempre.
Geralmente esse tipo de comentário, o tipo que lembra seu eterno amor por mim, me faz sentir culpada e horrível. Mas eu me sinto tão aquecida e relaxada e além de preocupação sobre o futuro que nunca terei, que solto a palavra.
— Ok.
Posso ouvir o sorriso na sua voz.
— Então você vai permitir?
— Vou permitir — respondo.
Seus dedos voltam para meu cabelo e eu durmo, mas ele me acorda para ver o pôr-do-sol. É uma chama de um espetacular amarelo e laranja atrás do horizonte da Capital.
— Eu achei que você não iria querer perder — ele diz.
— Obrigada.
Porque posso contar com meus dedos o número de pôr-do-sol que vi, e não quero perdê-los.
Não nos reunimos com os outros para o jantar, e ninguém nos chama.
— Estou satisfeito. Estou cansado de deixar todos ao meu redor tão miseráveis — diz Peeta. — Todo mundo chorando. Ou Haymitch...
Ele não precisa continuar.
Nós ficamos no telhado até a hora de dormir e então, silenciosamente, descemos até meu quarto sem encontrar ninguém.
Na manhã seguinte, somos acordados pela nossa equipe preparatória. Ver Peeta e eu dormindo juntos é demais para Octavia, porque ela explode em lágrimas na mesma hora.
— Lembre-se do que Cinna nos disse — Venia diz ferozmente.
Octavia assente e sai soluçando.
Peeta tem de voltar para seu quarto para a preparação, e sou deixada sozinha com Venia e Flavius. A conversa usual acabou. Na verdade, não há nenhuma conversa, além de pedir para eu levantar meu queixo ou comentar alguma técnica de maquiagem. É quase hora do almoço quando sinto o pingos no meu ombro e me viro para encontrar Flavius, que está cortando meu cabelo com lágrimas escorrendo no seu rosto. Venia lança um olhar para ele, e ele gentilmente coloca as tesouras na mesa e sai.
Então é só Venia, cuja pele está tão pálida que suas tatuagens parecem estar saltando dela. Quase com rígida determinação, ela faz meu cabelo, unhas e maquiagem, os dedos se movendo rapidamente para compensar a ausência de seus companheiros. Durante todo o tempo, ela evita meu olhar.
Apenas quando Cinna aparece para me aprovar e a dispensa que ela toma minhas mãos, olha direito no meu olho, e diz:
— Todos nós gostaríamos que você soubesse que privilégio tem sido fazer com que você fique o mais bonita possível.
Então ela corre para fora do quarto.
Meu time preparatório. Meus bichinhos bobos, superficiais e carinhosos, com suas obsessões por penas e festas, quase quebram meu coração com essa despedida. É certo pelas últimas palavras de Venia que todos nós sabemos que eu não vou voltar.
Todo o mundo sabe? Imagino. Olho para Cinna. Ele sabe, certamente. Mas como ele prometeu, não há risco de lágrimas nele.
— Então, o que vou usar hoje à noite? — pergunto, olhando para a bolsa que tem meu vestido.
— Presidente Snow escolheu ele mesmo o vestido — diz Cinna.
Ele abre o zíper da bolsa, relevando um dos vestidos de noiva que usei para a sessão de fotos. Seda branca e pesada com um decote baixo e cintura justa, e mangas que caem dos meus pulsos até o chão. E pérolas. Em todos os cantos há pérolas. Costuradas ao vestido e em cordas no meu pescoço, e formando uma grinalda para o véu.
— Embora eles tenham anunciado o Massacre Quaternário na noite da sessão de fotos, as pessoas ainda votaram pelo seu vestido favorito, e esse foi o vencedor. O presidente diz que você tem de usá-lo hoje à noite. Nossos protestos foram ignorados.
Eu esfrego um pedaço de seda entre meus dedos, tentando imaginar o motivo do Presidente Snow. Suponho que desde que eu era a maior criminosa, minha dor, perda e humilhação deveria estar sob o refletor mais brilhante.
O vestido, ele pensa, vai deixar isso claro. É tão bárbaro, o presidente transformar meu vestido de noiva na minha mortalha, que o golpe funciona, deixando-me com uma dor por dentro.
— Bem, seria uma pena desperdiçar um vestido tão bonito — é tudo que eu digo.
Cinna me ajuda a cuidadosamente colocar o vestido. Quando ele fica pendurado nos meus ombros, eles não podem evitar encolher em reclamação.
— É sempre tão pesado? — pergunto.
Eu me lembro de alguns vestidos pesarem um pouco, mas esse parece pesar uma tonelada.
— Eu tive de fazer algumas pequenas alterações por causa da iluminação — diz Cinna.
Assinto, mas não posso ver o que isso tem a ver. Ele coloca meus sapatos e a grinalda pérola e véu. Toca minha maquiagem. Faz-me andar.
— Você está arrebatadora — ele diz. — Agora, Katniss, como esse corpete é tão justo, eu não quero que você levante seus braços acima da sua cabeça. Bem, então até que você dê voltas, de qualquer forma.
— Eu vou dar voltas de novo? — pergunto, pensando no meu vestido no ano passado.
— Tenho certeza de que Caesar vai te pedir isso. E se ele não pedir, sugira você mesma. Não no início. Deixe para seu grande final — Cinna me instrui.
— Dê-me um sinal para eu saber quando.
— Tudo bem. Algum plano para sua entrevista? Sei que Haymitch deixou vocês decidirem isso.
— Não, nesse ano vou só improvisar. O engraçado é que eu não estou nem um pouco nervosa.
E não estou. Seja como for que o Presente Snow me odeie, a audiência da Capital é minha.
Nós nos encontramos com Effie, Haymitch, Portia e Peeta no elevador. Peeta está usando um elegante smoking e luvas brancas. Do tipo que noivos usam quando se casam aqui na Capital.
Em casa tudo é mais simples. Uma mulher geralmente aluga um vestido branco que já foi usado centenas de vezes. O homem usa algo limpo que não seja roupas de mineiro. Eles preenchem alguns formulários no Edifício da Justiça e são designados a uma casa. Família e amigos se reúnem para uma refeição e um pedaço de bolo, se eles podem se dar a esse luxo. Mesmo se não puderem, sempre há a tradicional música que cantamos quando um novo casal atravessa o solado da porta de sua casa. E temos nossa pequena cerimônia, na qual eles acendem o fogo pela primeira vez, torram um pedaço de pão e compartilham. Talvez isso seja antiquado, mas ninguém realmente se sente casado no Distrito 12 até torrar o pão.
Os outros tributos se reuniram atrás dos bastidores e estão conversando suavemente, mas quando Peeta e eu chegamos, eles caem em silêncio. Percebo que todos estão encarando meu vestido de casamento. Eles estão com ciúmes de sua beleza? O poder que ele tem para manipular a multidão?
Finalmente Finnick diz:
— Não posso acreditar que Cinna pôs isso em você.
— Ele não teve escolha. Presidente Snow o obrigou — respondo, meio ofendida.
Eu não vou deixar ninguém criticar Cinna.
Cashmere joga seus cabelos loiros e enrolados para trás e cospe:
— Bem, você parece ridícula!
Ela agarra a mão do seu irmão e o puxa para o primeiro lugar na nossa fila para entrada no palco. Os outros tributos começam a se alinhar também. Estou confusa porque, enquanto todos eles estão zangados, alguns estão nos dando tapinhas simpáticos no ombro, e Johanna Mason na verdade para para endireitar meu colar de pérolas.
— Faça-o pagar, ok? — diz.
Eu assinto, mas não sei o que ela quer dizer. Não até que todos estamos sentados no palco e Caesar Flickerman, cabelos e rosto com tons em lavanda nesse ano, tem feito seu discurso de abertura e os tributos começam suas entrevistas.
Essa é a primeira vez que percebo a profundidade da traição sentida entre os vencedores e a fúria que a acompanha. Mas eles são tão espertos, tão incrivelmente espertos em suas atuações, porque tudo volta a refletir no governo e no Presidente Snow, em particular.
Não todos.
Há os antigos obstáculos, como Brutus e Enobaria, que estão aqui apenas para outros Jogos, e aqueles que estão muito confusos ou drogados ou perdidos para participar do ataque. Mas há vencedores suficientes que ainda têm sanidade e coragem para lutar.
Cashmere começa o giro com um discurso sobre como ela não consegue parar de chorar quando ela pensa no quanto as pessoas na Capital devem estar sofrendo porque vão nos perder. Gloss relembra a gentileza mostrada aqui para ele e sua irmã. Beetee questiona a legalidade do Massacre do seu modo nervoso e agitado, perguntando-se se isso foi examinado completamente por peritos, ultimamente. Finnick recita um poema que ele escreveu para seu verdadeiro amor na Capital, e cerca de cem pessoas desmaiam porque têm certeza de que ele está se referindo a eles.
Claramente, os criadores do Massacre Quaternário nunca anteciparam tal amor se formando entre os vencedores e a Capital. Ninguém poderia ser tão cruel para destruir um laço tão profundo.
Seeder calmamente reflete sobre como, no Distrito 11, todos assumem que Presidente Snow é o todo-poderoso. Então se ele é todo-poderoso, por que ele não muda o Massacre? E Chaff, que vem logo depois dela, insiste que o presidente poderia mudar o Massacre se ele quisesse, mas ele deve achar que isso não importa muito para alguém.
Quando eu sou introduzida, a audiência fica em ruínas. As pessoas estavam chorando e desmaiando e até pedindo mudanças. Ver-me no meu vestido de noiva de seda branca praticamente causa um tumulto. Não mais eu, não mais os namorados vivendo um felizes para sempre, não mais casamento. Posso ver até o profissionalismo de Caesar mostrando algumas rachaduras quando ele tenta acalmar o público para que eu possa falar, mas meus três minutos estão rapidamente indo embora.
Finalmente há uma trégua e ele solta:
— Então, Katniss, obviamente essa vai ser uma noite muito emocionante para todo mundo. Há algo que você gostaria de dizer?
Minha voz treme quando falo.
— Apenas que eu sinto muito por vocês não poderem participar do meu casamento... mas estou satisfeita por vocês pelo menos poderem me ver no meu vestido. Não é... a coisa mais linda?
Eu não tenho de olhar para Cinna pelo sinal. Sei que essa é a hora certa. Começo a dar voltas lentamente, levantando as mangas do meu pesado vestido acima da minha cabeça.
Quando ouço os gritos da multidão, penso que é porque eu devo estar estonteante. Então noto que algo está subindo ao meu redor. Fumaça. De fogo. Não a coisa brilhante que eu usei no ano passado na carruagem, mas algo muito mais real que devora meu vestido. Começo a entrar em pânico quando a fumaça aumenta. Pedaços queimados de seda negra giram no ar, e as pérolas se espalham no chão.
De alguma forma, tenho medo de parar porque minha carne não parece estar queimando e sei que Cinna deve estar por trás do que quer que esteja acontecendo. Então eu continuo girando e girando. Por um segundo estou tossindo, completamente engolida pelas estranhas chamas.
Então de uma vez, o fogo se vai. Lentamente paro, perguntando-me se estou nua e por que Cinna planejou queimar meu vestido de casamento.
Mas eu não estou nua. Estou num vestido com o exato desenho do meu vestido de noiva, apenas na cor de carvão e feito de pequenas penas. Assombrosamente, levanto minhas mangas longas no ar, e é quando me vejo na tela da televisão. Vestida de preto exceto pelos remendos brancos nas minhas mangas. Ou eu deveria dizer, minhas asas. Porque Cinna me transformou num mockingjay.

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