quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Capitulo XXVIII - Percy






O VELHO ESTAVA BEM ONDE eles o haviam deixado, no meio do estacionamento de trailers-lanchonete. Ele estava sentado no banco de piquenique com suas pantufas de coelho, comendo um prato de espetinho de churrasco gorduroso. Seu cigarro estava de um lado. Seu roupão estava manchado com molho de churrasco.
— Bem vindos de volta! — ele gritou alegremente. — Ouvi asinhas nervosas batendo. Trouxeram minha harpia?
— Ela está aqui — Percy disse. — Mas não é sua.
Fineu chupou a gordura dos dedos. Seus olhos leitosos pareciam se fixar em um ponto bem acima da cabeça de Percy.
— Deixe-me ver... bem, na verdade, sou cego, então não posso ver. Vocês vieram para me matar, então? Se for, boa sorte para terminar sua jornada.
— Vim para fazer uma aposta.
A boca do velho se contraiu. Ele abaixou o espetinho e se inclinou na direção de Percy.
— Uma aposta... que interessante. Uma informação em troca da harpia? O vencedor leva tudo?
— Não — Percy disse. — A harpia não faz parte do acordo.
Fineu riu.
— Sério? Talvez você não entenda o valor que ela tem.
— Ela é uma pessoa — Percy disse. — Não está à venda.
— Ah, faça-me o favor! Você é do acampamento romano, não é? Roma foi construída pela escravidão. Não tente ser grande e poderoso comigo. Além disso, ela nem mesmo é humana. É um monstro. Um espírito do vento. Uma escrava de Júpiter.
Ella grasnou. Só para trazê-la ao estacionamento tinha sido um enorme desafio, mas agora ela começava a recuar, murmurando:
— “Júpiter. Hidrogênio e hélio. Sessenta e três satélites.” Sem escravos. Não.
Hazel colocou o braço em volta das asas de Ella. Ela parecia ser a única que podia tocar a harpia sem causar um monte de gritos e contorções. Frank ficou do lado de Percy. Ele tinha sua lança pronta, como se o velho pudesse atacá-los.
Percy mostrou os frascos de cerâmica.
— Tenho uma aposta diferente. Conseguimos duas garrafas de sangue de górgona, uma cura e a outra mata. Elas parecem exatamente iguais, e nem mesmo nós sabemos qual é qual. Se você escolher a certa, poderá curar sua cegueira.
Fineu ergueu a mão ansioso.
— Deixe-me senti-las, deixe-me cheirá-las!
— Não tão rápido — Percy disse. — Primeiro tem que concordar com nossos termos.
— Termos — Fineu respirava superficialmente. Percy percebia que ele estava morrendo de vontade de aceitar a oferta. — Profecia e visão, eu seria invencível! Poderia ser dono dessa cidade. Construiria meu palácio aqui, com trailers de comida por todos os lugares. Eu mesmo poderia capturar essa harpia!
— Nã-nããão — Ella disse nervosa. — Não, não, não.
É difícil rir como um vilão quando se está vestindo chinelos de coelhinhos cor-de-rosa, mas Fineu fez o melhor que pôde.
— Muito bem, semideus, quais são seus termos?
— Pode escolher o frasco — Percy disse. — Sem tirar a rolha, sem dar uma cheirada antes de decidir.
— Isso é injusto, sou cego!
— E eu não tenho sua sensibilidade com o olfato — Percy rebateu. — Pode segurar os frascos, e juro pelo Rio Estige que são idênticos. São exatamente como te disse: sangue de górgona, um frasco do lado esquerdo do monstro, um do direito. E juro que nenhum de nós sabe qual é qual.
Percy olhou para Hazel.
— Hã, você é nossa expert do Mundo Inferior. Com todas essas coisas estranhas saindo da morte, o juramento no Rio Estige ainda funciona? — Percy perguntou.
— Sim — ela respondeu, sem hesitar. — Para quebrar esse voto... Bem, melhor não fazer isso. Coisas piores que a morte acontecem.
Fineu coçou sua barba.
— Então devo escolher qual frasco tomar e você deve beber o outro. Juramos beber ao mesmo tempo?
— Tudo bem.
— O perdedor obviamente morre — Fineu disse. — Esse tipo de veneno me impediria de voltar à vida, por uma vez pelo menos. Minha essência seria dispersada e degradada. Então estou me arriscando muito.
— Mas se vencer, pode conseguir tudo — Percy falou. — Se eu morrer, meus amigos juram te deixar em paz e não se vingarem. A visão é algo que nem mesmo Gaia te daria.
A expressão do velho azedou. Percy achou que acertou em cheio. Fineu queria ver. Por mais que Gaia o tivesse dado coisas, ele se ressentia por ainda ser cego.
— Se eu perder, estarei morto — disse o velho — incapaz de te dar a informação. Como isso vai ajudá-lo?
Percy ficou aliviado de ter falado sobre isso com seus amigos antes. Frank tinha sugerido a solução.
— Você vai escrever a localização do esconderijo de Alcioneu antes de bebermos — Percy disse. — Deixe com você, mas jure pelo Rio Estige que será específico e preciso. Também tem que jurar que, se morrer, as harpias vão estar livres da maldição.
— Esses são riscos altos — Fineu grunhiu. — Está diante da morte, Percy Jackson. Não seria mais fácil você simplesmente me passar a harpia?
— Não é uma opção.
Fineu sorriu lentamente.
— Então está começando a entender seu valor. Assim que tiver minha visão, vou capturá-la eu mesmo, sabe. Seja lá quem controla essa harpia... bem, já fui um rei. Esse acordo pode me fazer rei novamente.
— Está sendo confiante demais — Percy disse. — Temos um acordo?
Fineu tocou seu nariz pensativo.
— Não posso prever o desfecho, é irritante como isso funciona. Um risco completamente inesperado. Faz o futuro ficar nebuloso. Mas posso te dizer isso, Percy Jackson: se sobreviver hoje, não vai gostar do seu futuro. Um grande sacrifício está por vir e você não terá coragem para enfrentá-lo. Isso vai te custar caro, vai custar caro ao mundo todo. Será bem mais fácil se você escolher o veneno.
A boca de Percy azedou como o gosto de chá verde. Ele queria pensar que o velho só estava brincando com a mente dele, mas algo na predição era verdade. Ele se lembrou do aviso de Juno quando tinha escolhido ir para o Acampamento Júpiter: Você vai sentir dor, miséria e perder tudo o que já conheceu. Mas terá uma chance de salvar seus velhos amigos e sua família.
Nas árvores ao redor do estacionamento, as harpias se reuniram para assistir como se sentissem o que estava em jogo.
Frank e Hazel estudaram o rosto de Percy com preocupação. Ele assegurou-os que a probabilidade não era pior que 50 em 50. Ele tinha um plano. Mas é claro que o plano podia sair pela culatra. Sua chance de sobrevivência podia ser de cem por cento – ou zero. Ele não havia mencionado isso.
— Temos um acordo? — Percy repetiu.
Fineu sorriu.
— Juro pelo Rio Estige que concordo com seus termos. Bem como os descreveu. Encontre algo em que eu possa escrever. Frank Zhang, você é descendente de um Argonauta. Acredito na sua palavra. Se eu vencer, você e sua amiga Hazel juram me deixar em paz, e não tentar a vingança?
As mãos de Frank estavam tão cerradas que Percy achou que ele quebraria sua lança de ouro, mas murmurou mesmo assim:
— Juro pelo Rio Estige.
— Também juro — Hazel confirmou.
— Juro — Ella murmurou. — Juro não pela lua, mas pela lua inconstante.
Fineu riu.
— Nesse caso, encontre algo no qual eu possa escrever. Vamos começar.

Frank pegou emprestado um guardanapo e uma caneta de um vendedor do trailer. Fineu rabiscou alguma coisa no guardanapo e o colocou no bolso do roupão.
— Juro que essa é a localização da toca de Alcioneu. Não que vá viver o bastante para ler isso.
Percy tirou sua espada e toda a comida da mesa. Fineu sentou de um lado e Percy do outro. Fineu levantou as mãos.
— Deixe-me sentir os frascos.
Percy olhou para as colinas distantes. Ele imaginou o rosto sombrio de uma mulher dorminhoca. Jogou os pensamentos para longe e esperou que a deusa estivesse ouvindo.
— Certo, Gaia, estou provando seu blefe. Você disse que sou um peão valioso. Disse que vai me poupar até chegar ao norte. Quem é mais valioso para você, eu ou esse velho? Porque um de nós está prestes a morrer.
Fineu ergueu as mãos em um movimento apreensivo.
— Perdendo sua coragem, Percy Jackson? Dê-me os frascos.
Percy passou os frascos ao velho.
O velho comparou o peso. Correu os dedos pela superfície de cerâmica. Então as colocou gentilmente na mesa com uma mão em cada. Um terremoto suave sacudiu o chão. Uma sacudida suficiente para fazer os dentes de Percy baterem. O frasco da esquerda pareceu tremer mais levemente que o da direita. Fineu sorriu maliciosamente e passou a mão ao redor do frasco da esquerda.
— Você é um tolo, Percy Jackson. Eu escolho este aqui. Agora vamos tomar.
Percy pegou o frasco da direita, seus dentes batendo. O velho levantou seu frasco.
— Um brinde aos filhos de Netuno.
Os dois destamparam e esvaziaram os frascos. Imediatamente Percy sentiu um gosto parecido com gasolina.
— Oh, deuses! — Hazel exclamou atrás dele.
— Não! — Ella disse. — Não, não, não!
A visão de Percy ficou turva, mas ele pôde ver Fineu sorrindo de triunfo. Sentou-se reto piscando os olhos de expectativa.
— Sim! — ele gritou. — A qualquer segundo minha visão voltará.
Percy tinha escolhido errado. Se sentiu idiota de ter tomado tanto risco. Sentiu como se cacos de vidro tivessem ido parar no seu estômago e estavam passando pelo intestino.
— Percy! — Frank segurou seus ombros. — Percy, você não pode morrer!
Ele recuperou o fôlego... e de repente sua visão clareou. Na mesma hora Fineu se curvou como se tivesse levado um soco.
— Você... você não pode! — o velho gemeu. — Gaia, você... você... — Ele cambaleou e tropeçou para longe da mesa segurando o estômago. — Sou muito valioso! — Vapor saiu de sua boca. Um fraco vapor amarelado saiu das orelhas. — Injustiça! — ele gritou. — Você trapaceou!
Ele tentou pegar o papel do bolso de seu manto. Seus dedos viraram areia.
Percy se levantou cambaleando. Ele não se sentia curado ou algo do tipo. Sua memória não tinha voltado, mas a dor tinha parado.
— Ninguém trapaceou — Percy disse. — Você fez sua escolha por si mesmo. E mantive meu juramento.
O rei cego gemeu de agonia. Ele lentamente se desfez em um círculo, até que tudo o que havia sobrado era seu roupão de banho manchado e um par de pantufas de coelho.
— Esses — Frank disse — são os despojos de guerra mais nojentos que já vi.
Uma voz de mulher falou na mente de Percy.
Uma troca, Percy Jackson. Era um sussurro sonolento, com uma pitada de admiração. Você me forçou a escolher, e você é mais importante para meus planos do que o velho vidente. Mas não pressione sua sorte. Quando sua morte chegar, prometo que vai ser bem mais dolorosa do que sangue de górgona.
Hazel cutucou o roupão com sua espada. Não havia nada lá – nenhum sinal de que Fineu estivesse tentando se regenerar. Ela olhou para Percy com admiração.
— Essa foi a coisa mais corajosa que já vi, ou a mais estúpida.
Frank balançou a cabeça em descrença.
— Percy, como você soube? Tinha quase certeza que você tinha escolhido o veneno.
— Gaia — Percy disse. — Ela me quer vivo para fazer isso no Alasca. Ela acha... não tenho certeza. Acha que pode me usar como parte de seu plano. Influenciou Fineu a escolher o frasco errado.
Frank encarou com horror os restos do velho.
— Gaia preferiu matar seu próprio criado a você? É isso o que está dizendo?
— Planos — Ella murmurou. — Planos e tramas. A dama no chão. Grandes planos para Percy. Carne em conserva macrobiótica para Ella.
Percy entregou o saco de carne em conserva para ela, que grasnou de alegria.
— Não, não, não — ela murmurou, meio cantando. — Fineu, não. Comida e palavras para Ella, sim.
Percy se agachou sobre o roupão e puxou a anotação do bolso do velho. Lia-se: GELEIRA HUBBARD. Todo aquele risco por duas palavras. Ele passou a anotação para Hazel.
— Sei onde é — ela disse. — É bem famoso. Mas temos um longo caminho pela frente.
Nas árvores ao redor do estacionamento, as outras harpias finalmente superaram o choque. Grasnaram com animação e voaram na direção dos trailers de comida, mergulharam pelas janelas de serviço e invadiram as cozinhas. Os cozinheiros gritaram em várias línguas. Os trailers balançaram para frente e para trás. Penas e caixas de comida voaram para todo lugar.
— É melhor voltarmos para o barco — Percy disse. — Estamos correndo contra o tempo.






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