terça-feira, 15 de outubro de 2013

Capitulo II - Percy






UMA ÚNICA DICA QUANDO ESTIVER DESPENCANDO a 80 km/h em uma bandeja de petiscos – se perceber que é uma má ideia quando se está na metade do caminho, já é tarde demais.
Percy por pouco não bateu em uma árvore, mas raspou numa pedra e girou trezentos e sessenta graus se atirando em direção à rodovia. A estúpida bandeja de petiscos não tinha direção hidráulica. Ele ouviu as irmãs górgonas gritando e teve um vislumbre do cabelo de coral de Euryale no topo da colina, mas não teve tempo para se preocupar com isso. O telhado do apartamento pairava abaixo dele como a proa de um navio de batalha.
Colisão frontal em dez, nove, oito...
Ele conseguiu girar para o lado para evitar quebrar as pernas no impacto. A bandeja deslizou pelo telhado e voou pelo ar. Ela foi para um lado e Percy foi para o outro.
Enquanto caía na direção da rodovia, uma cena horrível passou pela sua mente: seu corpo sendo esmagado contra o para-brisas de um carro esportivo, algum suburbano irritado tentando empurrá-lo com os limpadores.
Garoto idiota de dezesseis anos caído do céu! Estou atrasado!
Milagrosamente, uma rajada de vento soprou de um lado – o suficiente para tirá-lo da rodovia e fazê-lo cair em um amontoado de arbustos. Não foi uma aterrissagem suave, mas era melhor que o asfalto.
Percy grunhiu. Ele queria ficar ali e desmaiar, mas tinha que continuar em movimento. Lutou para ficar de pé. Suas mãos estavam arranhadas, mas nenhum osso parecia estar quebrado. Ele ainda tinha a mochila. Em algum lugar da viagem de trenó ele havia perdido a espada, mas Percy sabia que ela reapareceria a qualquer hora em seu bolso na forma de caneta. Era parte de sua magia.
Ele olhou para a colina. Era difícil de perder as górgonas de vista, principalmente com aqueles cabelos coloridos de cobra e as vestes verdes brilhantes do Mercado Bargain. Elas estavam descendo o declive, mais lentas que Percy, com um pouco mais de controle. Aqueles pés de galinha deviam ser bons em escalada.
Percy supôs que talvez tivesse cinco minutos antes de elas o alcançarem. Perto dele, uma alta cerca de arame separava a rodovia de uma vizinhança de ruas sinuosas, casas confortáveis e árvores de eucalipto. O arame provavelmente estava lá para impedir as pessoas de irem no meio da rodovia e fazerem coisas idiotas – como esquiar em uma bandeja pela pista – mas a cerca estava cheia de buracos. Percy podia facilmente entrar na vizinhança. Talvez pudesse encontrar um carro e dirigir para oeste, para o oceano. Ele não gostava de roubar carros, mas nas últimas semanas, em situações de vida e morte, ele havia “pegado vários emprestados”, inclusive uma viatura policial. Ele queria devolvê-los, mas os carros nunca duraram muito tempo.
Olhou para o leste. Bem como havia adivinhado, uma centena de metros da rodovia cortava a base do penhasco. Duas entradas de túneis, uma para cada direção do tráfego, o encaravam como duas órbitas de uma caveira gigante. No meio, onde estaria o nariz, uma parede de cimento se sobressaía da colina, com uma porta de metal, como a entrada de uma carvoeira.
Devia ser um túnel de manutenção. Isso é provavelmente o que os mortais pensariam se notassem a porta, de qualquer forma. Mas eles não podiam ver através da Névoa. Percy sabia que a porta era mais que isso.
Duas crianças de armadura flanqueavam a entrada. Elas vestiam uma mistura bizarra de elmos romanos, couraças, bainhas, jeans, camisetas roxas e tênis de atletismo branco. O guarda da direita parecia uma garota, era difícil de ter certeza com toda aquela armadura. O da esquerda era um cara baixo e forte com um arco e aljava nas costas. Os dois seguravam bastões de madeira com pontas de ferro, como arpões à moda antiga.
O radar interno de Percy silvava como louco. Depois de tantos dias horríveis, ele finalmente havia chegado à sua meta. Seus instintos diziam que se passasse pela porta, devia encontrar segurança pela primeira vez desde que os lobos que o tinham mandado para o sul.
Então por que sentia tanto medo?
Mais acima da colina, as górgonas estavam pulando sobre o telhado do apartamento. Três minutos de distância – talvez menos.
Parte dele queria correr para a porta da colina. Ele teria que entrar no meio da rodovia, mas então seria uma corrida curta. Ele podia fazer isso antes de as górgonas alcançarem-no.
Parte dele queria rumar a oeste para o oceano. Era onde ele estaria a salvo. Era onde seu poder seria maior. Aqueles guardas romanos na porta deixavam-no preocupado. Algo dentro dele dizia: Esse não é meu território. É perigoso.
— Você está certo, é claro — disse uma voz perto dele.
Percy pulou. Primeiro ele achou que Beano tinha se esgueirado sorrateiramente até ele, mas a senhora sentada nos arbustos era até mais repulsiva que a górgona. Ela parecia uma hippie que tinha sido chutada para o lado da estrada talvez há quarenta anos atrás, onde esteve colecionando lixo e trapos desde então. Ela usava um vestido feito de tecido tie-dye, mantas rasgadas e sacos de plástico de supermercado. Seus tufos de cabelo crespos eram castanhos-acinzentados, como espuma de root bear, amarrados para trás com uma faixa com o sinal da paz. Verrugas cobriam seu rosto. Quando ela sorriu, mostrou exatamente três dentes.
— Não é um túnel em manutenção — confessou. — É a entrada para o acampamento.
Um estremecimento subiu pela espinha de Percy. Acampamento. Sim, era de onde ele veio. Um acampamento. Talvez essa fosse sua casa. Talvez Annabeth estivesse por perto.
Mas algo parecia errado.
As górgonas ainda estavam no telhado do apartamento. Então Stheno gritou de alegria e apontou na direção de Percy.
A velha hippie ergueu as sobrancelhas.
— Não há muito tempo, criança. Você precisa fazer sua escolha.
— Quem é você? — Percy perguntou, pensando que não tinha certeza se queria saber. A última coisa que precisava era de outra imortal inofensiva que se transformava em um monstro.
— Ah, pode me chamar de Juno. — Os olhos da senhora cintilaram como se tivesse feito uma piada excelente. — Junho, sabe? Eles nomearam o mês por minha causa!
— Certo... Olha, tenho que ir. Duas górgonas estão vindo. Não quero que elas te machuquem.
Juno cruzou as mãos sobre o coração.
— Que fofo! Mas isso faz parte de sua escolha!
— Minha escolha...
Percy olhou nervoso na direção da colina. As górgonas tinham tirado as vestes verdes. Asas saíram de suas costas – pequenas asas de morcego, que brilhavam como bronze.
Desde quando elas tinham asas? Talvez fossem decorações. Talvez fossem muito pequenas para erguer uma górgona no ar. Então as duas irmãs saltaram do apartamento e dispararam na direção dele.
Legal. Muito legal.
— Sim, uma escolha — Juno repetiu, como se estivesse sem pressa. — Pode me deixar aqui à mercê das górgonas e ir para o oceano. Chegaria lá com segurança, eu garanto. As górgonas ficarão bem felizes de me atacar e te deixar ir. No mar, nenhum monstro vai incomodá-lo. Estará seguro no fundo do mar. Pode começar uma nova vida, viver até a maturidade e escapar de uma grande dose de dor e sofrimento que está em seu futuro.
Percy tinha certeza de que não iria gostar da segunda opção.
— Ou?
— Ou você pode fazer um favor para uma velha senhora. Carregue-me para o acampamento com você.
— Carregar você?
Percy esperava que ela estivesse brincando. Então Juno arrumou a saia e o mostrou o pé inchado e roxo.
— Não posso chegar lá sozinha. Me carregue para o acampamento do outro lado da rodovia, pelo túnel até o outro lado do rio.
Percy não sabia o que ela queria dizer com rio, mas isso não parecia ser fácil. Juno parecia ser muito pesada. As górgonas estavam a apenas 80 metros de distância agora, deslizando na direção dele porque sabiam que a caçada estava quase acabada.
— E eu teria que te carregar até esse acampamento por quê...?
— Porque seria uma gentileza! E se não fizer isso, os deuses morrerão, o mundo que conhecemos perecerá e todos de sua antiga vida serão destruídos. Claro, você não se lembraria deles, então suponho que isso não importa. Você estará seguro no fundo do mar...
Percy engoliu. As górgonas gritaram e mergulharam para atacar.
— Se eu for para o acampamento — ele disse — vou conseguir minha memória de volta?
— Possivelmente — disse Juno. — Mas atenção, você vai se sacrificar muito! Vai perder a maldição de Aquiles. Vai sentir dor, sofrimento e perder tudo o que já conheceu. Mas pode ter uma chance de salvar seus velhos amigos e recuperar sua antiga vida.
As górgonas estavam circulando no ar, provavelmente estudando a velha, imaginando quem seria o novo jogador antes de atacar.
— E os guardas na porta? — perguntou Percy.
Juno sorriu.
— Ah, eles vão deixar você entrar, querido. Pode confiar naqueles dois. Então, o que me diz? Vai ajudar uma senhora indefesa?
Percy duvidava de que Juno fosse indefesa. No pior dos casos, se tratava de uma armadilha. Na melhor das hipóteses, este era uma espécie de teste. Percy odiava testes. Desde que perdeu sua memória, sua vida era um grande preencha-o-vazio. Ele era __________, de __________. Se sentia ____________ e se os monstros o pegassem, ele seria ___________.
Então pensou em Annabeth, a única parte da sua antiga vida que ele se lembrava, que tinha certeza. Ele tinha que encontrá-la.
— Eu vou te carregar.
Percy pegou a velha.
Ela era mais leve do que ele esperava. Percy tentou ignorar seu hálito azedo e as mãos calejadas que agarraram o seu pescoço. Ele atravessou o trânsito. O motorista buzinou, outro gritou algo que foi se perdendo no vento. A maioria apenas desviou e olhou irritado, como se tivessem que lidar todos os dias com crianças carregando velhas hippies por toda a rodovia em Berkeley.
Uma sombra pairou sobre ele. Stheno gritou alegremente:
— Garoto esperto! Achou uma deusa para carregar, não é?
Uma deusa?
Juno gargalhou com prazer, murmurando Oooopa , com um carro quase os matando.
Em algum lugar à esquerda, Euryale gritou:
— Pegue-os! Dois prêmios são melhores que um!
Percy fugiu para o outro lado da pista. De algum jeito, chegou vivo. Ele viu as górgonas descendo, carros desviando enquanto os monstros passavam. Ele se perguntou o que os mortais viam através da Névoa – pelicanos gigantes? Alguém de asa delta fora de curso? A loba Lupa disse a ele que as mentes mortais conseguiam acreditar em tudo – exceto na verdade.
Percy correu para a porta da colina. Juno ficava mais pesada a cada passo. O coração de Percy deu um pulo. Suas costelas doeram. Um dos guardas gritou. O cara com o arco tirou uma flecha. Percy gritou:
— Esperem!
Mas o garoto não estava mirando nele. A flecha passou perto da cabeça de Percy. Uma górgona gemeu de dor. O segundo guarda preparou a lança, gesticulando freneticamente para Percy se apressar.
Oitenta metros da porta. Quarenta.
— Te peguei! — Berrou Euryale.
Percy virou enquanto uma flecha batia na testa dela. Euryale rolou pela pista. Um caminhão a acertou e a empurrou por algumas centenas de metros, mas ela apenas escalou a cabine, tirou a flecha da cabeça e voltou ao ar.
Percy chegou à porta.
— Valeu — ele disse aos guardas. — Bom tiro.
— Isso devia tê-la matado! — o arqueiro protestou.
— Bem-vindo ao meu mundo — Percy murmurou.
— Frank — a garota disse. — Traga-os para dentro, rápido! Aquelas são górgonas.
— Górgonas? — A voz do arqueiro fraquejou. Era difícil falar muito sobre ele, por baixo do elmo, mas ele parecia forte como um lutador, talvez com catorze ou quinze anos. — A porta vai segurá-las?
Nos braços de Percy, Juno gargalhou.
— Não, não vai. Adiante, Percy Jackson! Atravesse o túnel, o rio!
— Percy Jackson?
A guarda tinha pele escura, com cabelo encaracolado por baixo do elmo. Ela parecia mais nova que Frank – talvez treze anos. Sua espada embainhada descia quase até o tornozelo. Mesmo assim, ela soava como a encarregada.
— Certo, você obviamente é um semideus. Mas quem é a... — Ela olhou para Juno. — Não importa. Apenas entrem. Vou dar cobertura.
— Hazel — o garoto disse. — Não banque a maluca.
— Vai! — ela exigiu.
Frank amaldiçoou em outra língua – era latim? – e abriu a porta.
— Vamos!

Percy seguiu, cambaleando com o peso da senhora, que estava definitivamente ficando mais pesada. Ele não sabia como aquela Hazel seguraria as górgonas sozinha, mas estava muito cansado para discutir.
O túnel atravessava a rocha sólida, com a largura e altura de um corredor de escola. Primeiro parecia um típico túnel de manutenção, com cabos elétricos, sinais de perigo e caixas de fusão nas paredes, lâmpadas em gaiolas de fio ao longo do teto. Enquanto corria para o fundo da colina, o chão de cimento mudava para azulejos de mosaico. As luzes mudaram para tochas, que queimavam, mas não soltavam fumaça. Alguns metros à frente, Percy viu um retângulo de luz do dia.
A senhora estava agora mais pesada que uma pilha de sacos de areia. Os braços de Percy sacudiram a tensão. Juno murmurou uma música em latim, como uma canção de ninar, o que não ajudou Percy a se concentrar.
Atrás dele, as vozes das górgonas ecoaram no túnel. Hazel gritou. Percy ficou tentado a largar Juno e voltar para ajudar, mas então o túnel inteiro sacudiu com o rugido de pedras caindo. Houve um som de grito, como as górgonas tinham feito quando Percy derrubou bolas de boliche encaixotadas nelas em Napa. Ele olhou para trás. O fim oeste do túnel agora estava cheio de poeira.
— Não deveríamos ver se Hazel está bem? — perguntou.
— Ela vai ficar bem... espero — Frank disse. — Ela é boa no subterrâneo. Continue correndo! Estamos quase lá.
— Quase onde?
Juno riu.
— Todas as estradas o levam aqui, criança. Devia saber disso.
— Detenção? — Percy perguntou.
— Roma, criança. — A senhora disse. — Roma.
Percy não tinha certeza que havia ouvido certo. Verdade, sua memória se fora. Seu cérebro não se sentia bem desde que havia acordado na Casa do Lobo. Mas ele tinha certeza absoluta que Roma não ficava na Califórnia.
Eles continuaram correndo. A luz no fim do túnel ficou mais brilhante, e finalmente saíram à luz do sol.
Percy congelou. Sobre seus pés estava um vale em forma de tigela de vários metros de largura. O chão do vale estava repleto de pequenas colinas, planícies douradas e trechos de floresta. Um pequeno rio claro desaguava em um lago no centro e ao redor do perímetro.
Devia ser em algum lugar ao norte da Califórnia – carvalhos vivos e árvores de eucalipto, colinas douradas e céu azul. Aquela montanha grande do interior – como era chamada, Monte Diablo? – ascendia à distância, bem aonde devia estar.
Mas Percy sentiu como se tivesse entrado em um mundo secreto. No centro do vale, abrigado pelo lago, estava uma cidadezinha com edifícios de mármore branco com telhados vermelhos. Alguns tinham abóbadas e arcadas de colunas, como monumentos nacionais. Outros pareciam palácios, com portas douradas e jardins largos. Ele podia ver uma praça com colunas independentes, fontes e estátuas. Um coliseu romano de cinco andares brilhava ao sol, perto de uma longa arena oval como uma pista de corrida.
Do lado sul, outra colina estava dotada com mais prédios impressionantes – templos, Percy adivinhou. Várias pontes de pedra atravessavam o rio como se atravessassem o vale, e no norte uma longa linha de arcos estendidos nas colinas seguia rumo à cidade. Percy achou que parecia um trilho de trem elevado. Então percebeu que devia ser um aqueduto.
A parte mais estranha do vale estava logo abaixo dele. A cerca de trezentos e cinquenta metros, do outro lado do rio, estava um tipo de acampamento militar. Tinha cerca de um quilômetro quadrado, cercado por muralhas de todos os lados, os topos alinhados com espigões afiados. Do lado de fora das paredes corria um fosso, também repleto de espigões. Torres de vigia de madeira ascendiam de cada canto, tripuladas por sentinelas com bestas enormes. Faixas roxas estavam penduradas nas torres.
Um portão aberto no lado distante do acampamento, levando na direção da cidade. Uma porta mais estreita estava fechada à margem do rio. Dentro, a fortaleza fervilhava de atividades: dúzias de crianças indo e voltando de quartéis, carregando armas, polindo armaduras. Percy ouviu o barulho de martelos na forja e cheiro de carne cozinhando na fogueira. Algo naquele lugar parecia muito familiar, mas nem tanto.
— Acampamento Júpiter — Frank disse. — Estaremos a salvo assim que...
Passos ecoaram no túnel atrás deles. Hazel saiu na luz. Ela estava coberta com poeira de pedra e ofegando. Tinha perdido o elmo, então seu cabelo encaracolado caía pelos ombros. Sua armadura tinha longas marcas de corte na frente pelas garras de uma górgona. Um dos monstros tinha marcado-a com uma etiqueta de 50% de desconto.
— Eu as atrasei um pouco — ela disse. — Mas estarão aqui em segundos.
Frank amaldiçoou.
— Temos que atravessar o rio.
Juno apertou o pescoço de Percy com mais força.
— Ah, sim, obrigada. Não posso molhar meu vestido.
Percy mordeu a língua. Se essa senhora era mesmo uma deusa, ela devia ser a deusa do mau cheiro, do peso ou dos hippies inúteis. Mas ele já tinha chegado tão longe. Seria melhor mantê-la por perto.
É uma gentileza , ela havia dito . E se não fizer isso, os deuses morrerão, o mundo que conhecemos perecerá, e todos de sua antiga vida serão destruídos.
Se fosse um teste, ele não podia tirar um zero.
Cambaleou algumas vezes enquanto corria para o rio. Frank e Hazel o seguiram. Eles chegaram à margem do rio e Percy parou para recuperar o fôlego. A correnteza era rápida, mas o rio não era muito profundo. Só uma rocha estava atravessando na direção dos portões da fortaleza.
— Vai, Hazel — Frank tirou duas flechas de uma vez. — Escolte Percy para a entrada em segurança. É minha vez de segurar esses caras.
Hazel assentiu e foi para a margem. Percy começou a seguir, mas algo o fez hesitar. Geralmente ele adorava a água, mas esse rio parecia... Poderoso, e não necessariamente amigável.
— O Pequeno Tibre — disse Juno simpática. — Flui com o poder do Tibre original, rio do império. É sua última chance de voltar, criança. A maldição de Aquiles é uma benção grega. Não pode mantê-la se entrar no território romano. O Tibre vai lavá-lo.
Percy estava muito exausto para entender tudo aquilo, mas pegou o ponto principal.
— Se eu atravessar, não vou mais ter a pele de ferro?
Juno sorriu.
— Então o que vai ser? Segurança, ou um futuro de dor, possivelmente?
Atrás dele, as górgonas gritaram enquanto voavam do túnel. Frank deixou as flechas voarem.
Do meio do rio Hazel gritou:
— Percy, vem logo!
No topo das Torres de vigia, trompas soaram. As sentinelas tiraram e miraram os arcos na direção das górgonas.
Annabeth, Percy pensou. Ele entrou no rio.
Era gelado, muito mais que imaginava, mas não importava para ele. Uma nova força surgiu por seus membros. Seus sentidos formigaram como se tivesse sido injetada cafeína nele. Ele chegou ao outro lado e colocou a mulher no chão enquanto os portões do acampamento se abriam. Dúzias de crianças de armadura saíram. Hazel deu um sorriso aliviado. Então olhou por cima do ombro de Percy, e sua expressão mudou para horror.
— Frank!
Frank estava no meio do caminho pelo rio quando as górgonas o pegaram. Elas desceram do céu e o agarraram em cada braço. Ele gritou de dor enquanto as garras arranhavam sua pele.
As sentinelas gritaram, mas Percy sabia que eles não podiam atirar livremente. Acabariam matando Frank. As outras crianças desembainharam as espadas e estavam prontas para entrar na água, mas estavam atrasadas.
Só havia um jeito.
Percy impulsionou as mãos. Uma sensação intensa e desagradável preencheu seu intestino, e o curso do rio Tibre obedeceu seu comando. O rio se elevou de cada lado de Frank. Mãos gigantes de água surgiram do córrego, copiando os movimentos de Percy. As mãos gigantes agarraram as górgonas, que derrubaram Frank, surpresas. Então as mãos levantaram os monstros que gritavam com seus punhos líquidos. Percy ouviu as outras crianças gritarem e recuarem, mas continuou focado em sua tarefa. Fez um gesto esmagador com seus pulsos, e as mãos gigantes afundaram as górgonas no Tibre. Os monstros chegaram ao fundo e viraram pó. Nuvens brilhantes da essência das górgonas lutavam para se refazer, mas o rio as separava como um liquidificador. Logo, todo o resto das górgonas tinham descido rio abaixo. Os redemoinhos sumiram, e a correnteza voltou ao normal.
Percy ficou na margem. Suas roupas e pele soltavam vapor como se as águas do Tibre o tivessem dado um banho de ácido. Ele se sentiu exposto, sensível... vulnerável.
No meio do Tibre, Frank tropeçou, parecendo aturdido, mas perfeitamente bem. Hazel nadou até ele e o ajudou a chegar até a margem.
Só então Percy percebeu que as outras crianças haviam ficado quietas. Todos estavam olhando para ele. Só a senhora, Juno, parecia não estar abalada.
— Bem, foi um passeio adorável — ela disse. — Obrigada, Percy Jackson, por me trazer ao Acampamento Júpiter.
Uma das garotas pareceu chocada.
— Percy... Jackson?
Soou como se ela reconhecesse seu nome. Percy focou nela, esperando ver um rosto familiar.
Ela era obviamente uma líder. Vestia um manto roxo majestoso debaixo da armadura. Seu busto estava decorado com medalhas. Devia ter a idade de Percy, com olhos escuros perfurantes. E cabelo preto longo. Percy não a reconheceu, mas a garota o encarou como se o tivesse visto em seus pesadelos.
Juno riu com prazer.
— Ah, sim! Vocês vão se divertir muito juntos!
Então, como se o dia já não tivesse sido estranho o suficiente, a senhora começou a brilhar e mudar de forma. Ela cresceu até virar uma deusa de dois metros de altura em um vestido azul, com um manto que parecia pele de bode sobre seus ombros. Seu rosto era severo e espantoso. Em sua mão estava um cajado com uma flor de lótus no topo.
Se fosse possível os campistas parecerem mais pasmos, eles conseguiram. A garota de manto roxo se ajoelhou. Os outros seguiram a líder. Uma criança caiu tão rápido que quase se cortou com a espada.
Hazel foi a primeira a falar.
— Juno.
Ela e Frank também caíram de tornozelos, deixando Percy, o único de pé. Ele sabia que provavelmente devia se ajoelhar também, mas depois de ter carregado a senhora para tão longe, não sentiu que deveria dar-lhe muito respeito.
— Juno, hein? — ele disse. — Se passei no seu teste, posso ter minha memória e minha vida de volta?
A deusa sorriu.
— Na hora certa, Percy Jackson, se obter sucesso neste acampamento. Você foi bem hoje, o que é um bom começo. Talvez ainda haja esperança para você.
Ela se virou para as outras crianças.
— Romanos, apresento-lhes o filho de Netuno. Por meses ele esteve adormecido, mas agora está despertado. O destino dele está em suas mãos. A Roda da Fortuna se aproxima rapidamente, e a Morte deve ser libertada se quiserem ter qualquer esperança em batalha. Não falhem comigo!
Juno tremeluziu e desapareceu. Percy olhou para Hazel e Frank pedindo algum tipo de explicação, mas eles pareciam tão confusos quanto ele. Frank estava segurando algo que Percy não havia notado antes – dois frasquinhos de argila com rolhas, como poções, um em cada mão. Percy não tinha ideia de onde vieram, mas viu Frank guardá-los no bolso. Frank deu um olhar a ele do tipo Vamos falar sobre isso depois.
A garota de manto roxo deu um passo à frente. Ela examinou Percy cautelosamente e Percy não pôde afastar a impressão de que ela queria correr até ele e atravessá-lo com a adaga.
— Então — disse friamente — um filho de Netuno, que veio até nós com a benção de Juno.
— Olhe — ele disse — minha memória está um pouco estranha. Hã, desapareceu na verdade. Eu te conheço?
A garota hesitou.
— Sou Reyna, pretora da Vigésima Legião. E não, eu não te conheço.
Essa última parte era mentira. Percy podia dizer pelos olhos dela. Mas ele também entendeu que se discutisse com ela sobre isso ali, na frente dos soldados, ela poderia não gostar.
— Hazel — disse Reyna — traga-o para dentro. Quero questioná-lo na principia. Então o mandaremos para Octavian. Devemos consultar os agouros antes de decidir o que fazer com ele.
— O que quer dizer — Percy perguntou — com “decidir o que fazer comigo”?
As mãos de Reyna tocaram a adaga. Obviamente ela não estava acostumada a ter suas ordens questionadas.
— Antes de aceitar qualquer um no acampamento, devemos interrogá-lo e ler os agouros. Juno disse que seu destino está em nossas mãos. Temos que saber se Juno nos trouxe um novo recruta... — Reyna estudou Percy como se achasse um problema. — Ou — ela disse mais esperançosamente — se nos trouxe um inimigo para matar.

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