terça-feira, 15 de outubro de 2013

Capitulo IV - Percy






NO CAMINHO PARA FORA DO ACAMPAMENTO, Hazel comprou um café expresso e um bolinho de cereja do vendedor de duas cabeças.
Percy devorou o bolinho. O café estava ótimo. Agora, pensou, se ele pudesse tomar um banho, trocar de roupa e dormir um pouco, estaria brilhando feito ouro. Talvez até Ouro Imperial.
Ele viu um grupo de crianças de trajes de banho e toalhas na cabeça em um prédio que tinha vapor saindo de uma carreira de chaminés. Risos e sons de água ecoavam de dentro, como uma piscina interna – o tipo de lugar que Percy adorava.
— Casa de Banho — Hazel disse. — Vamos te levar para lá depois do jantar, espero. Você não viveu até ter tido um banho romano.
Percy suspirou exasperado.
Enquanto se aproximavam do portão da frente, os quartéis ficavam maiores e mais bonitos. Até os fantasmas pareciam melhores – com armaduras mais extravagantes e auras mais brilhantes. Percy tentou decifrar os símbolos nos cartazes suspensos nas frentes dos prédios.
— Vocês são divididos em chalés diferentes? — ele perguntou.
— Mais ou menos — Hazel se abaixou para fugir de uma criança montada em uma águia gigante mergulhando. — Temos cinco Coortes de quarenta crianças cada. Cada Coorte é dividida em quartéis de dez... tipo colegas de quarto.
Percy nunca foi bom em matemática, mas tentou multiplicar.
— Está me dizendo que tem duzentas crianças nesse acampamento?
— Por aí.
— E todas elas são filhas de deuses? Os deuses têm estado ocupados.
Hazel riu.
— Nem todas elas são filhas de deuses maiores. Centenas são de deuses romanos menores. Além disso, muitos dos campistas são legados... segunda ou terceira geração. Talvez seus pais tenham sido semideuses. Ou seus avós.
Percy piscou.
— Filhos de semideuses?
— Por quê? Isso te deixa surpreso?
Percy não tinha certeza. Nas últimas semanas ele esteve tão preocupado com sobreviver dia a dia. A ideia de viver o bastante para ser um adulto e ter filhos – isso parecia um sonho impossível.
— Esses lega...
— Legados — Hazel falou.
— Eles têm poderes como um semideus?
— Às vezes sim, às vezes não. Mas podem ser treinados. Os maiores generais e imperadores romanos, sabe, todos eles foram reclamados como descendentes dos deuses. Na maior parte do tempo estavam falando a verdade. O adivinho do acampamento que vamos conhecer, Octavian, é um legado, descendente de Apolo. Ele tem o dom da profecia, supostamente.
— Supostamente?
Hazel fez uma cara azeda.
— Você verá.
Isso não fez Percy se sentir melhor, se esse Octavian tinha o destino de Percy nas mãos.
— Então, essas divisões — ele perguntou — as Coortes, sei lá o quê... vocês são divididos de acordo com seu parentesco divino?
Hazel o encarou.
— Que ideia terrível! Não, os oficiais decidem onde colocar os recrutas. Se fôssemos divididos de acordo com o deus, as Coortes seriam todas desiguais. Eu ficaria sozinha.
Percy sentiu uma pontada de tristeza, como se ele estivesse nessa situação.
— Por quê? Qual é seu ancestral?
Antes de poder responder, alguém atrás deles gritou:
— Espere!
Um fantasma correu na direção dela – um senhor com um medicamento no estômago e uma toga tão longa que ficava tropeçando nela. Ele os alcançou e recuperou o fôlego, sua aura roxa tremendo a seu redor.
— Quem é ele? — o fantasma apontou. — Um novo recruta para a Quinta, talvez?
— Vitellius — Hazel disse — estamos meio que com pressa.
O fantasma fez uma careta para Percy e caminhou ao redor dele, inspecionando-o como um carro usado.
— Não sei — ele grunhiu. — Só precisamos do melhor para a Coorte. Ele tem todos os dentes? Consegue lutar? Ele limpa os estábulos?
— Sim, sim e não — Percy disse. — Quem é você?
— Percy, esse é Vitellius — a expressão de Hazel disse: Somente concorde com ele. — Ele é um de nossos lares, tem um certo interesse em novos recrutas.
Na varanda próxima, outros fantasmas riram enquanto Vitellius ia e vinha, tropeçava na toga e passava por cima do cinto da espada.
— É — Vitellius disse — nos dias de César... Júlio César, lembre-se, a Quinta Coorte tinha alguma coisa! Vigésima Legião Fulminata, orgulho de Roma! Mas nesses dias? A vergonha veio a nós. Olhe para Hazel, usando uma spatha. Arma ridícula para uma legionária romana... é para cavalaria! E você, garoto... você cheira como um cano de esgoto grego. Não tem tomado banho?
— Estive meio ocupado lutando com górgonas — Percy respondeu.
— Vitellius — Hazel interrompeu — temos que ler os agouros de Percy antes que ele possa entrar. Por que não vai ver Frank? Ele está no arsenal checando o inventário. Sabe o quanto ele valoriza sua ajuda.
As sobrancelhas peludas e roxas do fantasma se ergueram.
— Marte Todo-Poderoso! Eles deixaram o probatio checar o armamento? Seremos arruinados!
Ele saiu cambaleando pela rua, parando sempre a alguns metros para pegar sua espada ou arrumar sua toga.
— Ceeeeerto — Percy disse.
— Desculpe — Hazel falou. — Ele é excêntrico, mas é um dos lares mais velhos. Está por aqui desde que a legião foi fundada.
— Ele chamou a legião de... Fulminata? — Percy disse.
— Armada do Relâmpago — Hazel traduziu. — É nosso lema. A Vigésima Legião participou do Império Romano inteiro. Quando Roma caiu, várias legiões desapareceram. Fomos para o subterrâneo, agindo sob ordens secretas do próprio Júpiter: ainda vivo, recrutando semideuses e seus filhos, mantendo Roma. E foi assim desde então, se mudando para onde quer que a influência romana estivesse mais forte. Nos últimos séculos, estivemos na América.
Mesmo soando bizarro, Percy não teve problemas em acreditar. De fato, soou familiar, como algo que ele sempre soube.
— E você é da Quinta Coorte — ele adivinhou — que talvez não seja a mais popular?
Hazel fez uma careta.
— Sim. Entrei em setembro.
— Então... algumas semanas antes desse Jason desaparecer.
Percy sabia que tinha acertado o ponto sensível. Hazel olhou para baixo. Ela ficou em silêncio o bastante para contar cada pedra do pavimento.
— Vamos lá — ela disse finalmente. — Vou te mostrar minha vista favorita.
Eles pararam do lado de fora das portas principais. A fortaleza estava localizada no ponto mais alto do vale, então podiam ver tudo muito bem.
A rua ia até o rio e se dividia. Uma levava para o sul atravessando uma ponte que corria até a colina com todos os templos. A outra levava ao norte para uma cidade em versão miniatura da Roma Antiga.
Diferente do acampamento militar, a cidade parecia caótica e colorida, com prédios abarrotados de ângulos casuais. Mesmo daquela distância Percy podia ver as pessoas reunidas na praça, compradores circulando pelo mercado ao ar livre, pais com crianças nos parques.
— Vocês têm famílias aqui? — ele perguntou.
— Na cidade, é claro que sim. Quando se é aceito na legião, você tem dez anos de serviço para prestar. Depois disso, pode ir para onde quiser. A maioria dos semideuses vai para o mundo mortal. Mas para alguns... bem, é muito perigoso sair daqui. O vale é um santuário. Você pode ir ao colégio na cidade, se casar, ter filhos, se aposentar quando ficar velho. É o único lugar seguro na Terra para pessoas como nós. Então, sim, vários veteranos fazem suas casas ali, sob a proteção da legião.
Semideuses adultos. Semideuses que podem viver sem medo, se casar, montar uma família. A mente de Percy não conseguia acreditar nisso. Parecia bom demais pra ser verdade.
— Mas e se o vale for atacado?
Hazel apertou os lábios.
— Temos defesas. As fronteiras são mágicas. Mas nossa força não é o que costumava ser. Recentemente, os ataques de monstros vêm aumentando. O que você disse sobre as górgonas não morrerem... percebemos isso também, com outros monstros.
— Sabe o que está causando isso?
Hazel olhou ao longe. Percy sabia que ela estava escondendo algo – algo que não era para ela dizer.
— É... é complicado — ela disse. — Meu irmão disse que a Morte não é...
Ela foi interrompida por um elefante.
Alguém atrás dele gritou:
— Abram caminho!
Hazel arrastou Percy para fora da estrada enquanto um semideus passava montado em um paquiderme adulto coberto em armadura Kevlar preta. A palavra elefante estava gravada do lado da armadura, o que parecia meio óbvio para Percy.
O elefante estrondeou na estrada e se virou para o norte, indo em direção a um grande campo aberto onde algumas fortificações estavam sob construção.
Percy cuspiu o pó da boca.
— O que...?
— Elefante — Hazel explicou.
— Sim, eu li a placa. Por que vocês têm um elefante em um colete à prova de balas?
— Jogos de guerra hoje à noite. Esse é Hannibal. Se não o incluir, ele fica triste.
— O que não podemos permitir.
Hazel riu. Era difícil acreditar que ela estava tão melancólica há pouco tempo Percy se perguntou sobre o quê ela estava prestes a falar. Ela tinha um irmão. Mesmo assim havia dito que estaria sozinha se o acampamento a classificasse por seu parente divino. Percy não conseguia imaginar. Ela parecia uma pessoa boa e legal, madura para alguém que não podia ter mais que treze anos. Mas  também parecia estar escondendo uma tristeza profunda, como se sentisse culpada por alguma coisa.
Hazel apontou para o sul, do outro lado do rio. Nuvens escuras estavam se juntando no Templo da Colina. Clarões vermelhos de relâmpago lavavam os monumentos em luz cor de sangue.
— Octavian está ocupado — Hazel disse. — É melhor irmos logo para lá.
No caminho eles passaram por alguns caras com pernas de bode perambulando do lado da estrada.
— Hazel! — um deles gritou.
Ele trotou com um sorriso largo no rosto. Vestia uma camisa havaiana desbotada e nada de calças exceto o pelo amarronzado de bode. Seu enorme cabelo afro balançava. Seus olhos estavam escondidos por baixo dos óculos cor de arco-íris. Ele segurava um cartaz de papelão que dizia VOU TRABALHAR CAMINHANDO E CANTANDO, embora por denários.
— Oi, Don — Hazel disse. — Desculpa, não temos tempo...
— Ah, que legal! Que legal! — Don trotou junto deles. — Ei, esse cara é novato! — Ele apontou para Percy. — Você tem três denários para o ônibus? Porque deixei minha carteira em casa, tenho que trabalhar, e...
— Don — Hazel censurou. — Faunos não têm carteiras. Ou trabalhos. Ou casas. E nós não temos ônibus.
— Tá legal — ele disse alegremente — mas você tem denários?
— Seu nome é Don, o Fauno? — Percy perguntou.
— É. Então?
— Nada — Percy tentou manter a cara de sério. — Por que faunos não têm trabalho? Eles não deviam trabalhar para o acampamento?
Don bufou.
— Faunos! Trabalharem para o acampamento! Hilário!
— Faunos são, hum, espíritos livres — Hazel explicou. — Eles aparecem por aqui porque, bem, é um lugar seguro para aparecer e mendigar.
— Ah, a Hazel é incrível! — Don disse. — Ela é tão legal! Todos os outros campistas são tipo, “vá embora, Don”. Mas ela é tipo “por favor vá embora, Don”. Eu adoro ela!
O fauno pareceu contente, mas Percy ainda o achava fora de lugar. Não pôde tirar a impressão de que faunos deviam ser mais que mendigos pedindo denários.
Don olhou para o chão na frente deles e engasgou.
— Ahá!
Ele estendeu a mão para alguma coisa, mas Hazel gritou:
— Don, não!
Ela o tirou do caminho e pegou um pequeno objeto reluzente. Percy o viu de relance antes de Hazel o jogar no bolso. Ele podia jurar que era um diamante.
— Qual é, Hazel — Don reclamou. — Eu poderia comprar rosquinhas por um ano com isso!
— Don, por favor — Hazel disse. — Vá embora.
Ela soou abalada, como se tivesse acabado de salvar Don do peso de um elefante à prova de balas.
O fauno suspirou.
— Ah, não consigo ficar bravo com você. Mas eu juro, é como se você desse boa sorte. Toda vez que você caminha por...
— Até logo, Don — Hazel disse rapidamente. — Vamos, Percy.
Ela começou a correr. Percy teve de correr para acompanhá-la.
— O que foi aquilo? — Percy perguntou. — O diamante na estrada...
— Por favor. Não pergunte.
Eles andaram em silêncio pelo resto do caminho para o Templo da Colina. Um caminho de pedra torto levava a uma variedade maluca de pequenos altares e grandes abóbadas. As estátuas dos deuses pareciam seguir Percy com os olhos. Hazel apontou para o Templo de Belona.
— Deusa da guerra — ela disse. — É a mãe de Reyna.
Então eles passaram por uma cripta vermelha maciça decorada com caveiras humanas e estacas de ferro.
— Por favor, não me diga que vamos entrar aí — Percy disse.
Hazel balançou a cabeça.
— Esse é o Templo de Marte Ultor.
— Marte... Ares, o deus da guerra?
— Esse é seu nome grego — Hazel disse. — Mas é, o mesmo cara. Ultor significa o Vingador . Ele é o segundo deus mais importante de Roma.
Percy não ficou empolgado em ouvir isso. Por alguma razão, só de olhar para aquele prédio vermelho feio o fazia ficar furioso.
Ele apontou para o topo. Nuvens giravam em volta do templo maior, um pavilhão redondo com um anel de colunas brancas suportando um telhado.
— Esse deve ser de Zeus... hã, quer dizer, de Júpiter? É para onde estamos indo?
— É — Hazel soou irritada. — Octavian lê os agouros ali, o Templo de Júpiter, o Optimus Maximus.
Percy teve que pensar nisso, mas as palavras em latim trincaram no inglês.
— Júpiter... o melhor e maior?
— Correto.
— Qual o título de Netuno? — Percy perguntou. — O mais legal e mais incrível?
— Hã, nem tanto — Hazel apontou para um prediozinho azul do tamanho de um barracão de ferramentas. Um tridente coberto de teia de aranha pendia acima da porta.
Percy espiou lá dentro. Em um pequeno altar estava uma tigela com três maçãs secas mofadas.
Seu coração afundou.
— Lugar popular.
— Me desculpe, Percy — Hazel disse — É que... os romanos sempre tiveram medo do mar. Só usavam navios quando precisavam mesmo. Mesmo nos tempos modernos, ter um filho de Netuno por aí quase sempre é um mau presságio. Na última vez que um se juntou à legião... bem isso foi em 1906 quando o Acampamento Júpiter era localizado do outro lado da Baía de São Francisco. Houve esse enorme terremoto...
— Está me dizendo que um filho de Netuno causou isso?
— É o que dizem — Hazel olhou se desculpando. — De qualquer jeito... Os romanos respeitam Netuno, mas não o adoram tanto.
Percy olhou para as teias no tridente. Ótimo, ele pensou. Mesmo se ele entrasse para o acampamento, nunca seria amado. A melhor esperança era assustar seus novos colegas de acampamento. Talvez se ele os assustasse bem, eles lhe dessem algumas maçãs mofadas.
Mesmo assim... de pé no altar de Netuno, ele sentiu alguma coisa agitando dentro dele, como ondas ondulando por suas veias. Ele tirou o último pedaço de comida de seu passeio da mochila – uma rosquinha velha. Não era muito, mas colocou-a no altar.
— Ei... hã, pai — ele se sentiu bem idiota falando com uma tigela de frutas. — Se puder me ouvir, me ajude, está bem? Devolva minha memória. Me diga... me diga o que fazer.
Sua voz vacilou. Ele não queria ser emocional, mas estava exausto e assustado, e esteve perdido por tanto tempo, ele daria qualquer coisa para alguma orientação. Queria saber algo sobre sua vida, sem agarrar memórias ausentes.
Hazel colocou a mão em seu ombro.
— Vai ficar tudo bem. Está aqui agora. Você é um de nós.
Ele se sentiu estranho, dependendo de uma garota da oitava série que ele mal conhecia para se consolar, mas estava feliz que ela estivesse ali.
Acima deles, um trovão retumbou. Uma luz avermelhada preencheu a colina.
— Octavian está quase acabando — Hazel disse. — Vamos lá.

Comparado ao galpão de ferramentas de Netuno, o templo de Júpiter era definitivamente optimus e maximus.
O chão de mármore era repleto de mosaicos extravagantes e inscrições em latim. Com cento e dez metros de altura, as paredes brilhavam em ouro. O templo inteiro era ao ar livre. No centro ficava um altar de mármore, onde um garoto em uma toga estava fazendo algum tipo de ritual na frente de uma estátua gigante do próprio grandalhão: Júpiter, o deus do céu, vestido em uma toga púrpura tamanho GG, segurando um raio.
— Não parece ele — Percy murmurou.
— O quê? — Hazel perguntou.
— O raio-mestre — Percy disse.
— Do que você tá falando?
— Eu... — Percy franziu o cenho. Por um segundo achou ter lembrado de alguma coisa. Depois se foi. — Nada, eu acho.
O garoto no altar ergueu os braços. Mais luz avermelhada iluminou o céu, sacudindo o templo. Então abaixou os braços, e as trovoadas pararam. As nuvens mudaram para cinza, depois branco e então se desfizeram.
Um truque muito impressionante, considerando que o garoto não parecia tão impressionante. Ele era alto e magro, com cabelo cor de palha, jeans maior que o seu tamanho, uma camiseta larga e toga caindo. Ele parecia um espantalho vestindo um lençol.
— O que ele está fazendo? — Percy murmurou.
O cara na toga se virou. Ele tinha um sorriso torto e um brilho maluco nos olhos, como se estivesse jogando videogame intensamente. Em uma mão segurava uma faca. Na outra alguma coisa parecida com um animal morto. O que não o fazia parecer menos maluco.
— Percy — Hazel apresentou — esse é Octavian.
— O graecus! — Octavian anunciou. — Que interessante.
— Hã, oi — Percy disse. — Você está matando animaizinhos?
Octavian olhou para a coisa fuzilada na mão e riu.
— Não, não. Nos tempos antigos, sim. Costumávamos ler a vontade dos deuses examinando as tripas do animal... galinhas, bodes, esse tipo de coisa. Hoje em dia, usamos isso.
Ele passou a coisa mutilada para Percy. Era um ursinho de pelúcia destripado. Então Percy notou que havia uma pilha de animais de pelúcia mutilados no pé da estátua de Júpiter.
— Sério? — Percy perguntou.
Octavian desceu da plataforma. Ele provavelmente tinha dezoito anos, mas era tão magro e doentiamente pálido, poderia se passar por mais novo. Primeiro pareceu inofensivo, mas quando chegou mais perto, Percy não teve tanta certeza. Os olhos de Octavian brilhavam com uma curiosidade chocante, como se pudesse destripar Percy tão facilmente quanto um ursinho e a ainda aprender algo com isso.
Octavian estreitou os olhos.
— Você parece nervoso.
— Você me lembra alguém — Percy disse. — Não lembro quem.
— Provavelmente meu homônimo, Octavian: Augusto César. Todos dizem que tenho uma notável semelhança.
Percy não achava que fosse isso, mas não pôde achar a memória.
— Você me chamou de o grego?
— Vi isso nos agouros — Octavian apontou a faca para a pilha de estofados no altar. — A mensagem dizia O grego voltou. Ou talvez o ganso chorou. Acho que a primeira interpretação é a correta. Quer entrar na legião?
Hazel falou por ele. Ela disse a Octavian tudo o que tinha acontecido desde quando se conheceram no túnel – as górgonas, a luta no rio, o aparecimento de Juno, a conversa com Reyna.
Quando ela mencionou Juno, Octavian pareceu surpreso.
— Juno — ele refletiu. — A chamamos de Juno Moneta. Juno, a Informadora. Ela aparece em tempos de crise, para aconselhar Roma sobre grandes ameaças.
Ele olhou para Percy, como se dissesse: como gregos misteriosos, por exemplo.
— Ouvi que a Festa da Fortuna é nessa semana — Percy disse. — As górgonas avisaram que haveria uma invasão nesse dia. Você viu isso no seu estofamento?
— Infelizmente não — Octavian suspirou. — A vontade dos deuses está difícil de discernir. E nesses dias, minha visão está realmente escura.
— Vocês não têm... sei lá — Percy disse — um oráculo ou algo do tipo?
— Um oráculo! — Octavian sorriu. — Que ideia fofinha. Não, receio que estamos com oráculos em falta. Agora, se formos questionar os livros sibilinos, como recomendei...
— Os livros sibioquê? — Percy perguntou.
— Livros de profecia — Hazel disse — que Octavian é obcecado por eles. Os romanos costumavam consultá-los quando desastres aconteciam. A maioria acredita que eles foram queimados quando Roma caiu.
— Alguns acreditam nisso — Octavian corrigiu. — Infelizmente nossa liderança atual não vai autorizar uma busca para procurar por eles...
— Porque Reyna não é idiota — Hazel interrompeu.
— ...então só temos alguns trechos que restaram dos livros — Octavian continuou. — Algumas predições misteriosas, como essa.
Ele apontou com o queixo para as inscrições no chão de mármore. Percy encarou as linhas de palavras, esperando não entendê-las. Ele quase ficou chocado.
— Essa. — Ele apontou, traduzindo enquanto lia em voz alta:
Sete meios-sangues responderão ao chamado.
Em tempestade ou fogo, o mundo terá acabado...
— Sim, sim — Octavian terminou sem olhar:
Um juramento a manter com um alento final,
E inimigos com armas às Portas da Morte afinal.
— Eu... eu conheço essa. — Percy pensou que o trovão estava sacudindo o templo de novo. Então percebeu que seu corpo inteiro estava tremendo. — É importante.
Octavian arqueou a sobrancelha.
— Claro que é importante. Nós a chamamos de Profecia dos Sete, mas tem milhares de anos. Não sabemos o que significa. Toda vez que alguém tenta interpretá-la... Bem, Hazel pode te contar. Coisas ruins acontecem.
Hazel olhou para ele.
— Só leia o agouro para Percy. Ele pode entrar para a legião ou não?
Percy quase podia ver a mente de Octavian trabalhando, calculando ou não se Percy seria útil. Ele ergueu a mão para a mochila de Percy.
— Que espécime bonito. Posso?
Percy não entendeu o que ele quis dizer, mas Octavian arrancou o travesseiro de panda do Mercado Bargain que estava no topo da bolsa. Tinha uma bela afeição por ele. Octavian se virou na direção do altar e ergueu a faca.
— Ei! — Percy protestou.
Octavian cortou a barriga do panda e derramou a espuma no altar. Ele atirou a carcaça do panda para o lado, murmurou algumas palavras sobre a espuma e se virou com um grande sorriso no rosto.
— Boas notícias! — ele disse. — Percy pode entrar para a legião. Vamos nomeá-lo em uma Coorte no jantar de hoje à noite. Diga a Reyna que eu aprovo.
Os ombros de Hazel relaxaram.
— Hã... ótimo. Vamos, Percy.
— Ah, e Hazel — Octavian disse. — Estou feliz em dar as boas-vindas a Percy na legião. Mas quando as eleições para pretor chegarem, espero que se lembre...
— Jason não está morto — Hazel respondeu. — Você é o agoureiro. Era para estar procurando por ele!
— Ah, eu estou! — Octavian apontou para a pilha de animais de pelúcia destripados. — Consulto os deuses todo dia! Ai de mim, depois de oito meses não achei nada. Claro, ainda estou procurando. Mas se Jason não voltar até a Festa da Fortuna, precisamos agir. Não podemos ter um vazio no poder por muito tempo. Espero que você me apoie como pretor. Significaria muito para mim.
Hazel cerrou os punhos.
— Eu. Apoiar. Você?
Octavian tirou a toga, colocando ela e a faca no altar. Percy notou sete linhas no braço de Octavian – sete anos de acampamento, Percy adivinhou. A marca de Octavian era uma harpa, o símbolo de Apolo.
— Afinal de contas — Octavian disse a Hazel — devo conseguir te ajudar. Seria um desperdício se aqueles rumores terríveis sobre você ficassem circulando... ou, que os deuses proíbam, se eles virassem realidade.
Percy colocou a mão no bolso e agarrou a caneta. O cara estava chantageando Hazel. Estava na cara. Um sinal de Hazel, e Percy estava pronto para acionar Contracorrente e ver como Octavian gostaria de estar do outro lado de uma lâmina.
Hazel respirou profundamente. Seus dedos estavam brancos.
— Vou pensar sobre isso.
— Excelente — Octavian respondeu. — Falando nisso, seu irmão está aqui.
Hazel enrijeceu.
— Meu irmão? Por quê?
Octavian encolheu os ombros.
— Por que seu irmão faz alguma coisa? Ele está te esperando no santuário do seu pai. Só... ah, não o convide para ficar por muito tempo. Ele tem um efeito perturbador nos outros. Agora, se me der licença, tenho que continuar procurando pelo nosso pobre amigo perdido, Jason. Prazer em conhecê-lo, Percy.
Hazel saiu correndo do pavilhão, e Percy a seguiu. Ele tinha certeza que nunca esteve tão satisfeito em sair de um templo em toda sua vida.

Enquanto Hazel descia a colina, ela amaldiçoava em latim. Percy não entendeu tudo, mas conseguiu entender “filho de uma górgona”, “cobra sedenta de poder” e algumas sugestões de onde Octavian podia enfiar sua faca.
— Odeio esse cara — ela murmurou em inglês. — Se tivesse um jeito...
— Ele não vai se eleger para pretor mesmo, vai? — Percy perguntou.
— Queria poder ter certeza. Octavian tem um monte de amigos, a maioria deles comprados. O resto dos campistas tem medo dele.
— Tem medo de um carinha magrelo?
— Não o subestime. Reyna não é tão ruim, mas se Octavian compartilhar seu poder... — Hazel tremeu. — Vamos ver meu irmão. Ele vai querer te conhecer.
Percy não discutiu. Ele queria conhecer esse irmão misterioso, talvez descobrir algo sobre Hazel – quem era seu pai, que segredo ela estava escondendo. Percy não podia acreditar que ela tinha feito alguma coisa para ser culpada. Ela parecia tão legal. Mas Octavian tinha agido como se soubesse de alguma coisa de primeira sobre ela.
Hazel levou Percy para dentro de uma cripta negra ao lado da colina. De pé na frente dela estava um adolescente em jeans preto e jaqueta de aviador.
— Ei — Hazel chamou. — Te trouxe um amigo.
O garoto se virou. Percy teve outro daqueles flashes estranhos: como se fosse alguém que ele devesse conhecer. O garoto era quase tão pálido quanto Octavian, mas com olhos escuros e cabelo preto bagunçado. Ele não se parecia com Hazel. Usava um anel de caveira de prata, um cinto de corrente e uma camisa preta com desenho de caveira. Do seu lado pendia uma espada preta.
Por um microssegundo, quando viu Percy, o garoto pareceu chocado – em pânico, como se tivesse sido pego por um holofote.
— Esse é Percy Jackson — Hazel apresentou. — Ele é um cara legal. Percy, esse é meu irmão, o filho de Plutão.
O garoto recuperou a compostura e levantou a mão.
— Prazer em conhecê-lo — ele disse. — Sou Nico di Angelo.






Nenhum comentário:

Postar um comentário