terça-feira, 15 de outubro de 2013

Capitulo V - Hazel






HAZEL SE SENTIU COMO SE TIVESSEM ACABADO DE PLANTAR duas bombas nucleares. Agora estava esperando para ver qual delas explodiria primeiro.
Até aquela manhã, seu irmão Nico tinha sido o semideus mais poderoso que ela havia conhecido. Os outros no Acampamento Júpiter o viam como um viajante excêntrico, tão inofensivo quanto os faunos. Hazel sabia melhor. Não tinha crescido com Nico, sequer o tinha conhecido por muito tempo. Mas sabia que Nico era mais perigoso que Reyna, ou Octavian, ou talvez até mesmo Jason. E então ela conheceu Percy.
No início, quando o viu tropeçando pela estrada com a velha senhora em seus braços, Hazel tinha pensado que ele poderia ser um deus disfarçado. Mesmo que estivesse machucado, sujo e encurvado de exaustão, ele tinha uma áurea de poder. Tinha a boa aparência de um deus romano, com olhos verde-mar e cabelos pretos soprados ao vento.
Ela ordenou que Frank não disparasse nele. Pensou que os deuses poderiam estar testando-os. Ela tinha ouvido mitos como esse: um garoto com uma velha senhora pede por abrigo, e quando os rudes mortais recusam – boom, eles são transformados em lesmas gosmentas.
Então Percy havia controlado o rio e destruído as górgonas. Ele tinha transformado uma caneta em uma espada de bronze. Havia despertado todo o acampamento com a conversa sobre os graecus.
Um filho do deus do mar...
Há muito tempo, havia sido dito a Hazel que um descendente de Netuno iria salvá-la. Mas poderia Percy realmente tirar a maldição dela? Parecia demais para esperar.
Percy e Nico apertaram as mãos. Eles estudaram um ao outro cuidadosamente, e Hazel lutou contra o impulso de correr. Se aqueles dois batessem as espadas mágicas, as coisas poderiam ficar feias.
Nico não aparentava medo. Ele era magro e desleixado em suas roupas pretas amarrotadas. Seu cabelo, como sempre, tinha a aparência de alguém que tinha acabado de sair da cama.
Hazel se lembrava de quando o havia conhecido. A primeira vez que ela o tinha visto desembainhar aquela espada, quase riu. A maneira como ele a chamou de “Ferro estígio”, todo com jeito sério – parecia ridículo. Este garoto magrelo e branco não era um lutador. Ela certamente não tinha acreditado que eles eram parentes. Mas havia mudado de ideia sobre isso bem rápido.
Percy fez uma careta.
— Eu... Eu conheço você.
Nico ergueu as sobrancelhas.
— Você conhece? — ele olhou para Hazel por uma explicação.
Hazel hesitou. Alguma coisa sobre a reação de seu irmão não estava certa. Ele estava se esforçando para agir casualmente, mas quando ele havia visto Percy pela primeira vez, Hazel tinha notado seu olhar momentâneo de pânico. Nico já conhecia Percy. Ela tinha certeza disso. Por que ele estava fingindo o contrário?
Hazel forçou-se a falar.
— Hm... Percy perdeu sua memória.
Ela contou ao seu irmão o que tinha acontecido desde que Percy havia chegado aos portões.
— Então, Nico... — ela continuou cuidadosamente — eu pensei... você sabe, você viaja por toda parte. Talvez você tenha conhecido semideuses como Percy antes, ou...
A expressão de Nico ficou tão escura quanto o Tártaro. Hazel não entendia o porquê, mas ela entendeu a mensagem: desista.
— Essa história sobre o exército de Gaia — Nico disse. — Você avisou Reyna?
Percy assentiu.
— Quem é Gaia, afinal?
A boca de Hazel ficou seca. Só de ouvir esse nome... Tudo o que ela podia fazer era impedir que seus joelhos se curvassem. Lembrou-se de uma suave voz adormecida de mulher, um caverna brilhante e sentiu seus pulmões se encherem de óleo negro.
— Ela é a deusa da terra — Nico olhou para o chão como se ela pudesse estar ouvindo. — A deusa mais antiga de todos. Ela está em um sono profundo na maior parte do tempo, mas odeia os deuses e seus filhos.
— A Mãe-Terra... é má? — Percy perguntou.
— Muito — Nico disse gravemente. — Ela convenceu seu filho, o Titã Cronos... hum, quero dizer, Saturno... a matar seu pai, Urano, e dominar o mundo. Os Titãs governaram por um longo tempo. E então os filhos dos Titãs, os deuses do Olimpo, os derrubaram.
— Essa história parece familiar — Percy pareceu surpreso, como se uma antiga memória tivesse vindo parcialmente à tona. — Mas eu não acho que já tenha ouvido a parte sobre Gaia.
Nico deu de ombros.
— Ela ficou louca quando os deuses assumiram. Ela tomou um novo marido, Tártaro, o espírito do abismo e deu à luz a uma raça de gigantes. Eles tentaram destruir o Monte Olimpo, mas os deuses finalmente os venceram. Pelo menos... na primeira vez.
— A primeira vez? — Percy repetiu.
Nico olhou para Hazel. Ele provavelmente não queria fazê-la sentir-se culpada, mas ela não podia evitar isso. Se Percy soubesse a verdade sobre ela, e as coisas horríveis que ela havia feito...
— No verão passado — Nico continuou — Saturno tentou retornar. Houve uma segunda Guerra Titã. Os romanos do Acampamento Júpiter atacaram violentamente seu quartel-general no Monte Ótris, do outro lado da baía, e destruíram seu trono. Saturno desapareceu... — ele hesitou, observando o rosto de Percy.
Hazel ficou com a impressão de que seu irmão estava nervoso pelo que mais da memória de Percy poderia voltar.
— Hum, de qualquer forma — Nico continuou — Saturno provavelmente sumiu de volta para o abismo. Todos nós achávamos que a guerra estava acabada. Agora parece que a derrota dos Titãs despertou Gaia. Ela está começando a acordar. Tenho ouvido relatos de gigantes renascendo. Se eles pretendem desafiar os deuses de novo, provavelmente vão começar por destruir os semideuses...
— Você disse isso à Reyna? — Percy perguntou.
— É claro — a boca de Nico se retesou. — Os romanos não confiam em mim. É por isso que eu estava esperando que ela ouvisse você. Filhos de Plutão... bem, sem ofensa, mas acham que somos piores até mesmo do que filhos de Netuno. Nós somos má sorte.
— Eles deixaram que Hazel ficasse aqui — Percy observou.
— Isso é diferente — Nico disse.
— Por quê?
— Percy — Hazel interveio — olha, os gigantes não são o pior problema. Até mesmo... mesmo Gaia não é o pior problema. A coisa que você disse sobre as górgonas, como elas não morreram, esse é o nosso maior problema.
Ela olhou para Nico. Ela estava ficando perigosamente perto de seu próprio segredo agora, mas por alguma razão Hazel confiava em Percy. Talvez porque ele também fosse um forasteiro, talvez porque ele tivesse salvado Frank no rio. Ele merecia saber o que eles estavam enfrentando.
— Nico e eu — ela disse cuidadosamente — pensamos que o que está acontecendo é que... a Morte não está...
Antes que ela pudesse terminar, um grito veio colina abaixo.
Frank correu na direção deles, vestindo sua calça jeans, camiseta roxa do acampamento e jaqueta de brim. Suas mãos estavam cobertas com graxa de limpar armas.
Como toda vez que ela via Frank, o coração de Hazel deu um salto e realizou um pouco de sapateado – o que realmente a irritava. Claro, ele era um bom amigo – uma das únicas pessoas no acampamento que não a tratava como se ela tivesse uma doença contagiosa. Mas ela não gostava dele dessa maneira.
Ele era três anos mais velho que ela, e ele não era exatamente um Príncipe Encantado, com essa combinação estranha de rosto de bebê e corpo maciço de lutador de luta-livre. Parecia um coala fofinho com músculos. O fato de que todo mundo sempre tentou juntá-los – os dois maiores perdedores no acampamento! Vocês são perfeitos um para o outro – apenas fazia Hazel mais determinada a não gostar dele.
Mas seu coração não agia como planejado. Ele ficava louco sempre que Frank estava por perto. Ela não tinha se sentido assim desde... Bem, desde Sammy.
Pare com isso, ela pensou. Você está aqui por uma razão – e não é para arranjar um novo namorado.
Além disso, Frank não sabia de seu segredo. Se soubesse, ele não seria tão legal com ela.
Ele chegou ao santuário.
— Hey, Nico...
— Frank. — Nico sorriu.
Ele parecia achar Frank engraçado, talvez porque ele fosse o único no acampamento que não era apreensivo perto dos filhos de Plutão.
— Reyna me enviou para buscar Percy — Frank disse. — Octavian aceitou você?
— Sim — Percy respondeu. — Ele trucidou meu panda.
— Ele... Oh. O presságio? Sim, ursos de pelúcia devem ter pesadelos com aquele cara. Mas você está dentro! Precisamos deixá-lo limpo antes da reunião noturna.
Hazel percebeu que o sol estava ficando baixo sobre as colinas. Como o dia havia passado tão rápido?
— Você está certo — ela disse. — É melhor que nós...
— Frank — Nico interrompeu — por que você não leva Percy para baixo? Hazel e eu alcançaremos vocês logo.
Uh-Oh, Hazel pensou. Ela tentou não parecer ansiosa.
— Essa é... essa é uma boa ideia — ela conseguiu dizer. — Vão na frente, pessoal. Nós vamos alcançá-los.
Percy olhou para Nico mais uma vez, como se ele ainda estivesse tentando reconhecer uma memória.
— Eu gostaria de falar com você um pouco mais. Não posso afastar a sensação de...
— Claro — Nico concordou. — Mais tarde. Eu vou ficar durante a noite.
— Você vai? — Hazel falou abruptamente.
Os campistas iriam amar isso – o filho de Netuno e o filho de Plutão chegando no mesmo dia. Agora tudo o que eles precisavam era de mais alguns gatos pretos e espelhos quebrados.
— Vá em frente, Percy — Nico disse. — Acomode-se. — Ele se virou para Hazel, e ela teve a sensação de que a pior parte do dia ainda estava por vir. — Minha irmã e eu precisamos conversar.

— Você o conhece, não é? — Hazel disse.
Eles se sentaram no telhado do Santuário de Plutão, que era coberto de ossos e diamantes. Tanto quanto Hazel sabia, os ossos sempre estiveram ali. Os diamantes eram culpa dela. Se ela se sentasse em qualquer lugar por muito tempo, ou apenas ficasse ansiosa, eles começariam a aparecer ao seu redor como cogumelos depois de uma chuva. Vários milhões de dólares de pedras brilhavam no telhado, mas felizmente os outros campistas não tocariam neles. Eles sabiam mais do que roubar templos – especialmente o de Plutão – e os faunos nunca viriam aqui em cima.
Hazel estremeceu, lembrando do que aconteceu perto de Don naquela tarde. Se ela não tivesse se movido rapidamente e apanhado aquele diamante da estrada... ela não queria pensar nisso. Ela não precisava de outra morte em sua consciência.
Nico balançou seus pés como uma criança pequena. Sua espada de aço estígio estava ao seu lado, próxima à spatha de Hazel. Ele contemplou o vale, onde equipes de construção estavam trabalhando no Campo de Marte, construindo fortificações para os jogos desta noite.
— Percy Jackson — ele disse o nome como um encantamento — Hazel, tenho que ser cuidadoso com o que eu digo. Coisas importantes estão em jogo aqui. Alguns segredos precisam permanecer em segredo. Você, de todas as pessoas, deve entender isso.
As bochechas de Hazel ficaram quentes.
— Mas ele não é como... como eu?
— Não. Sinto muito, eu não posso te contar mais. Não posso interferir. Percy tem que encontrar seu próprio caminho neste acampamento.
— Ele é perigoso? — ela perguntou.
Nico conseguiu dar um sorriso seco.
— Muito. Para seus inimigos. Mas ele não é uma ameaça para o Acampamento Júpiter. Você pode confiar nele.
— Como confio em você — Hazel disse amargamente.
Nico torceu seu anel de caveira. Ao seu redor, ossos começaram a tremer como se estivessem tentando formar um novo esqueleto. Sempre que ele ficava mal-humorado, Nico tinha esse efeito na morte, uma espécie de maldição como a de Hazel. Entre eles, representavam duas esferas de controle de Plutão: morte e riquezas. Às vezes Hazel pensava que Nico tinha conseguido a melhor parte.
— Olha, eu sei que é difícil — Nico falou. — Mas você tem uma segunda chance. Pode fazer as coisas de maneira certa.
— Nada sobre isso é certo — Hazel disse. — Se eles descobrirem a verdade sobre mim...
— Eles não vão — Nico prometeu. — Vão ser chamados para uma missão em breve. Eles têm que ser chamados. Você vai me deixar orgulhoso, Bi...
Ele se conteve, mas Hazel sabia do que ele quase a havia chamado: Bianca. A verdadeira irmã de Nico – aquela que havia crescido com ele. Nico poderia se preocupar com Hazel, mas ela nunca seria Bianca. Hazel era simplesmente a coisa mais próxima que Nico poderia conseguir – um prêmio de consolação do Mundo Inferior.
— Sinto muito — ele disse.
A boca de Hazel ficou com gosto de metal, como se pepitas de ouro estivessem aparecendo debaixo de sua língua.
— Então é verdade sobre a Morte? É culpa de Alcioneu?
— Acho que sim — Nico respondeu. — Está ficando ruim no Mundo Inferior. Papai está enlouquecendo tentando manter as coisas sob controle. Pelo que Percy disse sobre as górgonas, as coisas estão piorando até aqui, também. Mas olha, é por isso que você está aqui. Todas essas coisas no seu passado... Você pode fazer algo bom sair disso. Você pertence ao Acampamento Júpiter.
Isso soou um tanto ridículo, Hazel quase riu. Ela não pertencia a esse lugar. Ela nem pertencia a esse século. Ela deveria ter sabido melhor do que focar no passado, mas se lembrava do dia em que sua antiga vida havia sido destruída. A escuridão a atingiu tão de repente, nem mesmo teve tempo de dizer, Oh-oh .
Ela voltou no tempo. Não um sonho ou uma visão. A memória veio sobre ela com uma clareza perfeita, ela sentiu que estava verdadeiramente ali. No seu aniversário mais recente. Ela havia apenas feito 13. Não em dezembro passado, mas em 17 de dezembro de 1941, o último dia em que ela viveu em Nova Orleans.

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