terça-feira, 15 de outubro de 2013

Capitulo VII - Hazel






NO CAMINHO DE VOLTA, HAZEL TROPEÇOU em uma barra de ouro.      
Ela sabia que não deveria correr tão rápido, mas estava com medo de chegar atrasada à revista das tropas. A Quinta Coorte tinha os centuriões mais legais do acampamento. Mas até mesmo eles teriam que puni-la se chegasse tarde. Punições romanas eram severas: esfregar as ruas com uma escova de dente, limpar o curral dos touros no coliseu, ser costurado dentro de um saco cheio de doninhas furiosas e emborcado no Pequeno Tibre – as opções não eram nada agradáveis.
A barra de ouro surgiu do chão e Hazel bateu com o pé. Nico tentou pegá-la, mas ela caiu e ralou as mãos.
— Você está bem? — Nico ficou de joelhos e tentou pegar a barra.
— Não! — Hazel advertiu.
Nico congelou.
— Certo. Desculpe. É só que... nossa. Aquela coisa é enorme — ele puxou um frasco de néctar do bolso de sua jaqueta de aviador e derramou um pouco nas mãos de Hazel. Imediatamente os cortes começaram a se curar. — Consegue ficar de pé?
Ele a ajudou a se levantar. Os dois fitaram o ouro. Era do tamanho de um pão, gravado com um número de série e as palavras “Tesouro dos EUA”.
Nico balançou a cabeça.
— Pelo Tártaro! Como...?
— Não sei — Hazel disse miseravelmente. — Poderia ter sido enterrado lá por ladrões ou ter caído de um vagão um século atrás. Talvez tenha migrado de um cofre do banco mais próximo. O que quer que esteja no chão, qualquer lugar perto de mim... simplesmente surge do nada. E quanto maior o valor...
— Maior o perigo — Nico franziu as sobrancelhas. — A gente devia cobrir isso. Se os faunos encontrarem...
Hazel imaginou uma nuvem de cogumelos crescendo na estrada, faunos carbonizados lançados em todas as direções. Aquilo era algo terrível para se considerar.
— Isso deveria afundar de volta ao chão depois que eu saísse, eventualmente, mas só para ter certeza...
Ela tinha praticado esse truque, mas nunca com algo tão pesado e denso. Ela apontou para a barra de ouro e tentou se concentrar.
O ouro levitou. Ela direcionou sua raiva, o que não era difícil – ela odiava aquele ouro, odiava sua maldição, odiava pensar em seu passado e em todas as formas que tinha falhado. Seus dedos formigaram. A barra de ouro brilhou com o calor.
Nico engoliu em seco.
— Hum, Hazel, tem certeza que...?
Ela fechou a mão. O ouro se torceu como se fosse massa de vidraceiro. Hazel fez a barra se transformar em um anel gigante e grumoso. Então agitou a mão na direção do chão. Sua rosquinha de um milhão de dólares se enterrou na terra. Foi pra tal profundidade que não sobrou nada, a não ser uma linha de lama fresca.
Nico arregalou os olhos.
— Isso foi... assustador.
Hazel não achou aquilo tão impressionante comparado aos poderes de um cara que podia reanimar esqueletos e trazer pessoas de volta dos mortos, mas foi bom ter surpreendido ele pra variar.
Dentro do acampamento, as cornetas sopraram novamente. As Coortes iriam começar a ser chamadas, e Hazel não estava com vontade de ser costurada em um saco cheio de doninhas.
— Depressa! — ela falou para Nico, e eles correram para os portões.

Na primeira vez que Hazel viu a legião reunida, ela ficou tão intimidada que quase saiu de fininho para os quartéis se esconder. As primeiras quatro Coortes, cada uma composta de crianças fortes, estavam em fila na frente de seus quartéis nos dois lados da Via Praetoria. A Quinta Coorte se reunia bem no final, em frente a principia, já que seus quartéis estavam no canto de trás do acampamento, próximas aos estábulos e às latrinas. Hazel teve que correr bem no meio da legião para chegar ao seu lugar.
Os campistas estavam vestidos para guerra. Suas cotas de malha e grevas polidas brilhavam por cima de camisetas roxas e jeans. Desenhos de caveiras e espadas decoravam seus elmos. Até mesmo suas botas de combate de couro pareciam ferozes as armações de ferro com cunha, ótimas para andar pela lama ou pisar em rostos.
Em frente aos legionários, como uma linha de dominós gigantes, estavam seus escudos dourados e vermelhos, cada um do tamanho de uma porta de geladeira. Cada legionário carregava uma lança parecida com um arpão chamada pilo, um gládio, uma adaga e mais um bocado de outros equipamentos. Se você estivesse fora de forma quando chegasse à legião, não ficaria daquele jeito por muito tempo. Só de andar por aí em sua armadura já era exercício suficiente.
Hazel e Nico correram pela rua enquanto todo mundo prestava atenção, fazendo com que sua entrada fosse realmente notada. Seus passos ecoavam nas pedras. Hazel tentou evitar contanto visual, mas ela notou Octavian na frente da Primeira Coorte rindo dela, convencido no seu elmo de centurião emplumado, com uma dúzia de medalhas no peito.
Hazel ainda estava fervendo por causa de suas chantagens mais cedo.
Estúpido agouro e seu dom de profecia – com tantas pessoas no acampamento para descobrir seu segredo, por que tinha que ser justamente ele? Ela tinha certeza que ele teria implicado com ela semanas atrás, mas sabia que seus segredos valiam muito mais para ele como influência. Ela queria não ter se livrado daquela barra de ouro para poder bater com ela em sua cara.
Passou correndo por Reyna, que estava indo pra frente e pra trás no pégaso Scipio – apelidado de Skippy, porque ele era realmente da cor daquela marca de manteiga de amendoim. Os cães de metal, Aurum e Argentum, trotavam ao seu lado. Sua capa roxa de comandante ondeava atrás dela.
— Hazel Levesque — ela chamou. — Estou feliz que tenha podido se juntar a nós.
Hazel sabia que era melhor não responder. Ela tinha esquecido a maioria de seus equipamentos, mas se apressou para chegar em seu lugar ao lado de Frank e ficou em posição. Seu centurião-líder, um cara grande de dezessete anos chamado Dakota, estava justamente chamando seu nome – o último da lista.
— Presente! — ela gritou.
Graças aos deuses. Tecnicamente, não estava atrasada.
Nico se juntou a Percy Jackson, que estava fora da linha com um bando de guardas. O cabelo de Percy estava molhado por causa da casa de banhos. Ele colocara roupas limpas, mas ainda parecia desconfortável. Hazel não podia culpá-lo. Estava prestes a ser apresentado a duzentas crianças fortemente armadas.
Os lares foram os últimos a tomar posição. Suas formas roxas bruxuleavam enquanto brigavam por lugares. Eles tinham o hábito irritante de ficar metade dentro, metade fora de pessoas vivas, fazendo com que as pessoas parecessem uma fotografia borrada, mas, finalmente, os centuriões conseguiram aquietá-los.
— Cores! — Octavian gritou.
Os porta-estandartes deram um passo à frente. Eles vestiam capas de pele de leão e seguravam mastros decorados com os emblemas de cada Coorte. O último a apresentar seu estandarte foi Jacob, o portador da legião da águia. Ele segurava um longo mastro com absolutamente nada no topo. O trabalho deveria ser uma grande honra, mas Jacob obviamente o odiava. Embora Reyna insistisse em seguir a tradição, toda vez que o mastro sem águia era erguido, Hazel podia sentir a vergonha encrespando-se na legião. Reyna fez o pégaso descansar.
— Romanos! — ela anunciou. — Vocês provavelmente ouviram sobre a incursão hoje. Duas górgonas foram levadas pelo rio por causa deste recém-chegado, Percy Jackson. Juno o guiou até aqui, e o proclamou como filho de Netuno.
As crianças nas filas de traz estenderam o pescoço para ver Percy. Ele ergueu a mão e disse:
— Oi.
— Ele procura se juntar à legião — Reyna continuou. — O que os agouros dizem?
— Eu li as entranhas! — Octavian anunciou, como se tivesse matado um leão com as próprias mãos ao invés de rasgar um panda de pelúcia. — Os agouros são favoráveis. Ele está qualificado para servir!
Os campistas deram um grito: Ave! Salve!
Frank estava um pouco atrasado com seu “ave”, então seu grito pareceu um eco muito alto. Os outros legionários deram risadinhas. Reyna acenou para os comandantes seniores para que dessem um passo a frente – um de cada Coorte. Octavian, como o centurião mais velho, se virou para Percy.
— Recruta — ele perguntou — você tem credenciais? Cartas ou alguma referência?
Hazel se lembrou disso na sua chegada. Um monte de crianças trouxeram cartas de semideuses mais velhos do mundo exterior, adultos que foram veteranos no acampamento. Alguns recrutas tinham patrocinadores ricos e famosos. Alguns eram da terceira ou quarta geração de campistas. Uma boa carta podia te dar um lugar nas melhores Coortes, às vezes, até trabalhos especiais como mensageiro da legião, o que o isentaria de trabalhos duros como cavar trincheiras ou conjugar verbos latinos.
Percy trocou de pé.
— Cartas? Hum, não.
Octavian torceu o nariz.
Não é justo! Hazel queria gritar. Percy carregou uma deusa até o acampamento. Que recomendação melhor que essa ele queria? Mas a família de Octavian enviara crianças para o acampamento por mais de um século. Ele adorava lembrar aos recrutas que eles eram menos importantes que ele.
— Sem cartas — Octavian disse pesarosamente. — Algum legionário irá apoiá-lo?
— Eu irei! — Frank deu um passo à frente. — Ele salvou minha vida!
Logo houve gritos de protesto das outras Coortes. Reyna ergueu a mão por silêncio e encarou Frank.
— Frank Zhang — ela disse — pela segunda vez, só hoje, lhe lembro de que você está em probatio. Seu parente divino ainda nem lhe reclamou. Você não está qualificado a apoiar outro campista até que tenha recebido sua primeira faixa.
Frank pareceu quase morrer de vergonha.
Hazel não podia deixá-lo lá, sem fazer nada. Ela deu um passo para fora da linha e disse:
— O que Frank quer dizer é que Percy salvou a vida de nós dois. Eu sou um membro integral da legião. Eu apoiarei Percy Jackson.
Frank olhou de relance para ela, grato, mas os outros campistas começaram a murmurar. Hazel era mais ou menos qualificada. Ela só tinha recebido sua faixa algumas semanas atrás, e o “ato valoroso” que a fez conseguir a faixa foi por acidente, na maior parte. Além do mais, ela era filha de Plutão e um membro da desvalida Quinta Coorte. Não estava fazendo quase nenhum favor a Percy Jackson dando apoio a ele.
Reyna torceu o nariz, mas se virou para Octavian. O agoureiro sorriu e encolheu os ombros, como se a ideia o divertisse.
Por que não? Hazel pensou. Colocar Percy na Quinta Coorte faria dele uma ameaça menor, e Octavian gostava de manter seus inimigos em um único lugar.
— Muito bem — Reyna anunciou. — Hazel Levesque, você pode apoiar o recruta. Sua Coorte o aceita?
As outras Coortes começaram a tossir, tentando não rir. Hazel sabia o que eles estavam pensando: Outro perdedor para a Quinta.
Frank bateu seu escudo no chão. A Quinta Coorte o seguiu, embora não parecessem muito animados. Seus centuriões, Dakota e Gwen, trocaram olhares aflitos, como se falassem um para o outro: “Aqui vamos nós, de novo”.
— Minha Coorte falou — Dakota disse. — Nós aceitamos o recruta.
Reyna olhou para Percy com pena.
— Parabéns, Percy Jackson. Você está agora em probatio. Receberá uma placa com seu nome e sua Coorte. Em tempo de um ano, ou até que complete um ato valoroso, você se tornará um membro integral da Duodécima Legião Fulminata. Sirva a Roma, obedeça às regras da legião e defenda o acampamento com honra. Senatus Populusque Romanus!
O resto da legião ecoou o viva.
Reyna guiou o pégaso para longe de Percy, como se estivesse aliviada por ter terminado com ele. Skippy expandiu suas belas asas. Hazel não podia deixar de sentir uma pontada de inveja. Ela daria qualquer coisa por um cavalo como aquele, mas isso nunca iria acontecer. Os cavalos eram apenas para os comandantes, ou para cavaleiros bárbaros, não para legionários romanos.
— Centuriões — Reyna disse — vocês e suas tropas têm uma hora para jantar. Depois nos encontraremos no Campo de Marte. A Primeira e Segunda Coorte irão defender. A Terceira, a Quarta e a Quinta irão atacar. Boa sorte!
Todos gritaram vivas – pelos jogos de guerra e pelo jantar. As Coortes saíram da fila e correram para o refeitório. Hazel acenou para Percy, que caminhava pela multidão com Nico ao seu lado. Para a surpresa de Hazel, Nico estava sorrindo para ela.
— Bom trabalho, irmãzinha — ele disse. — Aquilo foi corajoso, apoiar Percy.
Ele nunca tinha a chamado de irmãzinha antes. Ela se perguntou se era assim que ele chamava Bianca.
Um dos guardas deu a Percy sua placa de probatio, que Percy enfiou em seu colar de couro com as pérolas estranhas.
— Valeu, Hazel — ele disse. — Hum, o que exatamente significa... você ter me apoiado?
— Eu garanto o seu bom comportamento — Hazel explicou. — Eu te ensino as regras, respondo suas perguntas, me certifico de que você não envergonhe a legião.
— E... se eu fizer alguma coisa errada?
— Então me matam junto com você — Hazel disse. — Com fome? Vamos comer.

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