quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Capitulo XLII - Hazel






QUANDO CHEGARAM À CIDADE, Hazel seguiu o mesmo caminho que usou setenta anos atrás – a última noite de sua vida, quando chegou de sua casa nas colinas e descobriu que sua mãe tinha desaparecido.Ela levou seus amigos ao longo da Terceira Avenida. A Estrada de Ferro e a Estação ainda estavam lá. O grande e branco Hotel Seward que tinha dois andares ainda estava em funcionamento, mas havia sido ampliado para o dobro de seu tamanho. Eles pensaram em parar ali, mas Hazel não achou que seria uma boa ideia caminhar pelo saguão com os sapatos cobertos de lama e também tinha certeza que o hotel não daria um quarto para três menores.Em vez disso, eles continuaram a caminhar em direção ao litoral. Hazel não podia acreditar, mas sua antiga casa ainda estava lá, apoiando-se sobre o píer incrustado de cracas. O teto cedeu. As paredes estavam esburacadas com furos como se tivessem sido alvejadas. A porta estava fechada com tábuas, e uma placa pintada à mão que dizia:QUARTOS  ARMAZÉM  DISPONÍVEL.— Vamos lá — disse ela.— Ei, tem certeza que é seguro? — Frank perguntou.Hazel encontrou uma janela aberta e pulou para dentro. Seus amigos a seguiram. O quarto não tinha sido usado por um longo tempo. Os seus pés levantavam poeira que rodopiava na luz dos feixes de luz solar. Caixas de papelão estavam abandonadas, empilhadas ao longo das paredes. Em seus rótulos desbotados, podia-se ler: CARTÕES DE FELICITAÇÕES, FERIADOS SORTIDOS. Por que várias centenas de caixas de cartões de Boas Festas tinham acabado se desintegrando à poeira em um armazém no Alasca, Hazel não tinha ideia, mas parecia uma piada cruel: Como se os cartões fossem para suprir todos os feriados que ela nunca chegou a comemorar – décadas de Natais, Páscoas, aniversários, Dias dos Namorados.— É mais quente aqui, pelo menos — Frank comentou. — Acho que não há água corrente. Talvez eu possa ir às compras. Não estou tão enlameado como vocês. Eu poderia encontrar algumas roupas para nós.Hazel ouviu apenas metade.Ela subiu em cima de uma pilha de caixas no canto que costumava ser sua área de dormir. Uma antiga placa estava apoiada contra a parede: SUPRIMENTOS PARA PROSPECÇÃO DE OURO.Imaginou que ia encontrar uma parede nua por trás disso, mas quando moveu a placa, a maioria de suas fotos e desenhos ainda estavam presos ali. A placa deveria tê-los protegido dos raios solares e dos elementos. Eles pareciam não ter envelhecido. Seus desenhos de Nova Orleans em giz de cera pareciam tão infantis. Ela tinha realmente os feito? Sua mãe olhava para ela de uma fotografia, sorrindo na frente da placa de seu negócio: GRIS-GRIS RAINHA MARIE – VENDA DE FEITIÇO, LEITURA DA SORTE.Ao lado estava uma foto de Sammy no carnaval. Ele estava congelado no tempo, com seu sorriso ansioso, seus cabelos encaracolados pretos, e aqueles olhos lindos. Se Gaia estava dizendo a verdade, Sammy havia morrido há mais de 40 anos. Teria ele realmente se lembrado de Hazel durante todo esse tempo? Ou será que ele havia esquecido a garota peculiar com quem ele costumava cavalgar – a garota que compartilhou um beijo e um bolinho de aniversário com ele antes de desaparecer para sempre?O dedo de Frank pairou sobre a foto.— Quem...? — Mas ele viu que ela estava chorando e voltou atrás em sua pergunta. — Desculpe, Hazel. Isto deve ser muito difícil. Você quer um pouco de tempo...— Não — ela resmungou. — Não, está tudo bem.— Essa é sua mãe? — Percy apontou para a foto da Rainha Marie. — Ela parece com você. É linda.Então Percy estudou a imagem de Sammy.— Quem é esse?Hazel não entendia porque ele parecia tão assustado.— Esse é... esse é Sammy. Ele era meu, hã, amigo de Nova Orleans.Ela se forçou a não olhar para Frank.— Eu já o vi antes — disse Percy.— Você não poderia ter visto ele. Isso foi em 1941. Ele está... ele está morto agora, provavelmente.Percy franziu a testa.— Eu acho. Ainda...Ele balançou a cabeça como se o pensamento fosse muito desconfortável.Frank limpou a garganta.— Olha, nós passamos por uma loja no último quarteirão. Temos um pouco de dinheiro restando. Talvez eu devesse ir buscar um pouco de comida e roupas para vocês e, não sei, uma centena de caixas de lenços umedecidos ou algo assim?Hazel recolocou a placa de prospecção de ouro sobre suas recordações. Ela se sentia culpada, mesmo olhando para aquela foto antiga de Sammy, com Frank tentando ser tão doce e apoiador. Não lhe fazia bem pensar sobre sua vida antiga.— Isso seria ótimo. Você é o melhor, Frank.O assoalho rangeu sob seus pés.— Bem, eu sou o único que não está completamente coberto de lama, de qualquer maneira. Estarei de volta em breve.Uma vez que ele tinha ido embora, Percy e Hazel fizeram um acampamento temporário. Eles despiram os casacos e tentaram raspar a lama. Encontraram alguns cobertores velhos em uma caixa e começaram a limpá-los. Descobriram que as caixas de cartões de felicitações eram lugares muito bons para descansar, só precisavam arranjá-las como camas.Percy pôs sua espada no chão, que brilhava com uma luz de bronze. Então se estendeu sobre uma cama de caixas de Feliz Natal de 1982.— Obrigado por me salvar. Eu deveria ter te falado isso antes.Hazel deu de ombros.— Você teria feito o mesmo por mim.— Sim — ele concordou. — Mas quando eu estava no meio da lama, lembrei da linha da profecia de Ella sobre o filho de Netuno se afogar. Eu pensei. “Isto é o que ela quis dizer. Estou me afogando na terra.” Eu tinha certeza que estava morto.Sua voz tremia como se estivesse no seu primeiro dia no Acampamento Júpiter, quando Hazel tinha lhe mostrado o templo de Netuno. Naquela época ela tinha se perguntado se Percy era a resposta para seus problemas – o descendente de Netuno que Plutão prometeu que tiraria sua maldição um dia. Percy tinha parecido tão intimidante e poderoso, como um verdadeiro herói.Somente agora ela soube que Frank era um descendente de Netuno, também. Frank não era o herói mais impressionante para o futuro do mundo, mas ele confiava nela com sua vida. Trabalhava muito duro para protegê-la. Mesmo a falta de jeito dele era cativante. Ela nunca se sentiu tão confusa – e desde que ela esteve confusa por toda a sua vida, isso dizia muito.— Percy, aquela profecia poderia não estar completa. Frank pensou que Ella estava lembrando de uma página queimada. Talvez você vá afogar alguém.Ele olhou para ela com cautela.— Você acha?Hazel se sentiu estranha tentando tranquilizá-lo. Ele era muito mais velho, e tinha mais espírito de comando. Mas ela balançou a cabeça com confiança.— Você está indo e vai retornar para casa. Vai encontrar sua namorada Annabeth.— Você vai retornar, também, Hazel — ele insistiu. — Estamos juntos, não vou deixar nada acontecer com você. Você é muito valiosa para mim, para o acampamento, e especialmente para Frank.Hazel pegou um dos antigos cartões de Dia dos Namorados. O papel rendado branco se desfez em suas mãos.— Eu não pertenço a este século. Nico só me trouxe de volta para que eu pudesse corrigir os meus erros, talvez entrar no Elísio.— Há muito mais para o seu destino do que isso. Nós devemos lutar com Gaia juntos. Eu vou precisar de você ao meu lado mais do que nunca. E Frank... você pode ver que o garoto está louco com isso. Vale a pena lutar por esta vida, Hazel.Ela fechou os olhos.— Por favor, não fique me dando muitas esperanças. Eu não posso.A janela se abriu. Frank escalou para dentro, triunfante segurando algumas sacolas de compras.— Sucesso!Ele mostrou seus prêmios. De uma loja de caça, ele obteve um novo conjunto de setas para si mesmo, alguma comida e um rolo de corda. — Para a próxima vez que nós atravessarmos um pântano — ele explicou.De uma loja de turismo local, ele havia comprado três conjuntos de roupas limpas, algumas toalhas, sabão, algumas garrafas de água, e, sim, uma enorme caixa de lenços umedecidos. Não era exatamente um chuveiro quente, mas Hazel se escondeu atrás de uma parede de caixas de cartões para se limpar e se trocar. Logo ela estava se sentindo muito melhor.Este é o seu último dia, lembrou a si mesma. Não fique muito confortável.A Festa de Fortuna – toda a sorte que acontecesse hoje, boa ou má, era suposta ser um presságio do ano inteiro por vir. De uma forma ou de outra, a busca terminaria esta noite. Ela colocou o pedaço de lenha no bolso de seu casaco. De algum jeito, ela teria que se certificar de que ficasse seguro, não importa o que acontecesse com ela. Ela podia suportar sua própria morte, desde que seus amigos sobrevivam.— Então — disse ela. — Agora nós encontramos um barco para a Geleira Hubbard.Ela tentou soar confiante, mas não foi fácil. Desejou que Arion ainda estivesse com ela.  Preferiria cavalgar para batalha naquele seu lindo cavalo. Desde que tinha deixado Vancouver, estava chamando por ele em seus pensamentos, esperando que ele fosse ouvi-la e vir ao seu encontro, mas isso foi apenas ilusão.Frank bateu em seu estômago.— Se vamos batalhar até a morte, quero almoçar primeiro. Eu encontrei o lugar perfeito.Frank os levou a um centro comercial perto do cais, onde um vagão de trem velho tinha sido convertido em uma lanchonete. Hazel não lembrava desse lugar em 1940, mas o cheiro da comida era incrível. Enquanto Frank e Percy faziam o pedido, Hazel vagou até as docas e fez algumas perguntas. Quando voltou, precisava se animar. Mesmo ocheeseburguer com batatas fritas não fez seu humor mudar.— Estamos em apuros — disse ela. — Eu tentei pegar um barco. Mas... calculei mal.— Não podemos pegar um barco? — Frank perguntou.— Oh, nós podemos pegar um barco, mas a geleira é mais longe do que eu pensava. Mesmo em alta velocidade, não conseguiremos chegar lá até amanhã de manhã.Percy ficou pálido.— Talvez eu pudesse fazer o barco ir mais rápido?— Sim, você poderia — disse Hazel — mas, pelo que os capitães me disseram, é perigoso... icebergs, labirintos de canais para navegar. Você teria que saber onde está indo.— Um avião? — Frank perguntou.Hazel balançou a cabeça.— Eu perguntei para os capitães dos barcos sobre isso. Eles disseram que poderíamos tentar, mas é uma pista pequena. Teríamos que fretar um avião com duas, três semanas de antecedência.Eles comeram em silêncio depois disso. Para Hazel, o cheeseburguer estava excelente, mas ela não conseguia se concentrar nele. Havia dado cerca de três mordidas quando um corvo pousou no poste de telefone acima e começou a grasnar para eles.Hazel estremeceu. Ela estava com medo de que esse corvo fosse falar com ela como o outro corvo, tantos anos atrás: A última noite. Hoje à noite. Ela se perguntou se os corvos sempre apareciam para filhos de Plutão quando eles estavam prestes a morrer. Esperava que Nico ainda estivesse vivo, e Gaia estivesse mentindo para deixá-la perturbada. Hazel tinha um mau pressentimento que a deusa estava dizendo a verdade.Nico tinha dito a ela que iria procurar as Portas da Morte do outro lado. Se tivesse sido capturado pelas forças de Gaia, Hazel poderia ter perdido a única família que tinha.Ela olhou para o cheeseburguer.De repente, o grasnar do corvo se alterou para um grito estrangulado.Frank levantou-se tão rápido que quase derrubou a mesa de piquenique. Percy puxou sua espada. Hazel seguiu seus olhos. Empoleirado no topo do poste onde o corvo tinha estado, um grifo gordo e feio olhava para baixo, para eles. Ele arrotou e penas de corvo voaram de seu bico.Hazel ficou de pé e desembainhou sua spatha.Frank pegou uma seta. Ele mirou, mas o grifo gritou tão alto que o som ecoou nas montanhas. Frank se encolheu, e seu tiro passou longe.— Acho que é um pedido de ajuda — advertiu Percy. — Temos que sair daqui.Sem nenhum plano claro, eles correram para o cais. O grifo mergulhou depois deles. Percy cortou com sua espada, mas o grifo desviou para fora do alcance.Eles foram para o cais mais próximo e correram até o fim. O grifo mergulhou depois deles, suas garras da frente estendidas para matar. Hazel levantou a espada, mas uma parede de gelo bateu lateralmente no grifo e o jogou dentro da baía. O grifo gritou e bateu suas asas. Ele conseguiu subir para o cais, onde balançou o seu pelo negro como um cachorro molhado.Frank grunhiu.— Muito bem, Percy.— Yeah — ele concordou. — Não sabia se eu ainda podia fazer isso no Alasca. Mas a má notícia... olhe lá em cima.Quase um quilômetro de distância, sobre as montanhas, uma nuvem negra estava vindo em sua direção – era um bando de grifos, dezenas, pelo menos. Não havia como eles lutarem contra tantos, e nenhum barco poderia levá-los embora rápido o suficiente.Frank pegou outra seta.— Não vamos desistir sem lutar.Percy levantou Contracorrente.— Eu estou com você.Hazel então ouviu um som à distância semelhante a um relincho de cavalo. Ela deveria estar imaginando, mas ela gritou desesperadamente:— Arion! Por aqui!Um borrão bronzeado veio rasgando da rua para o cais. O garanhão se materializou logo atrás do grifo, ergueu seus cascos da frente, e bateu no monstro, que virou pó.Hazel nunca tinha ficado tão feliz em sua vida.— Bom cavalo! Realmente bom cavalo!Frank se moveu para trás e quase caiu do cais.— Como...?— Ele me seguiu! — Hazel vibrou. — Porque ele é o melhor – cavalo – SEMPRE! Agora, subam!— Todos os três? — Percy disse. — Será que ele pode lidar com isso?Arion relinchou indignado.— Tudo bem, não há necessidade de ser rude — disse Percy. — Vamos.Eles subiram em Arion, Hazel na frente, Frank e Percy se equilibrando precariamente atrás dela. Frank passou os braços em volta da cintura de Hazel, e ela pensou que se esse ia ser o seu último dia na Terra, não era uma maneira ruim de partir.— Corra, Arion! — ela gritou. — Para a Geleira Hubbard!O cavalo disparou através da água, seus cascos transformando a superfície do mar em vapor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário