quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Capitulo XVI - Percy







O ALMOÇO PARECIA UM FUNERAL. Todos comiam. As pessoas falavam em voz baixa. Ninguém parecia particularmente feliz. Os outros campistas continuavam olhando para Percy como se ele fosse o cadáver de honra.
Reyna fez um breve discurso desejando-lhes sorte. Octavian rasgou outra pelúcia e pronunciou presságios sombrios e tempos difíceis pela frente, mas previu que o acampamento seria salvo por um herói inesperado (cujo nome era provavelmente OCTAVIAN). Em seguida, os outros campistas partiram para as suas aulas da tarde – luta de gladiador, aulas de latim, paintball com fantasmas, a formação da águia e uma dúzia de outras atividades que soavam melhor do que uma missão suicida. Percy seguiu Hazel e Frank para o quartel para fazer as malas.
Percy não tinha muito. Ele tinha limpado a mochila de sua viagem ao sul e manteve a maioria de seus suprimentos do Mercado Bargain. Pegou um novo par de calças jeans e uma camiseta roxa extra com o intendente, além de algum néctar, ambrósia, aperitivos, um pouco de dinheiro dos mortais e suprimentos de acampamento. No almoço, Reyna lhe entregou um pergaminho de apresentação do pretor e do Senado do acampamento. Supostamente, qualquer legionário aposentado que eles conhecessem na viagem iria ajudá-los se eles mostrassem a carta. Também manteve seu colar de couro com as contas, o anel de prata e a placa de probatio. E, é claro, tinha Contracorrente no bolso.
Ele dobrou a camisa laranja esfarrapada e deixou-a em seu beliche.
— Eu voltarei — disse ele. Ele se sentiu muito estúpido por falar com uma camiseta, mas estava realmente pensando em Annabeth, e em sua velha vida. — Eu não vou embora para sempre. Mas eu tenho que ajudar esses caras. Eles me acolheram. Merecem sobreviver.
A camiseta não respondeu, felizmente.
Um de seus companheiros de quarto, Bobby, deu-lhes uma carona para a fronteira do vale em Hannibal, o elefante. Das colinas, Percy pôde ver tudo abaixo. O Pequeno Tibre serpenteava entre as pastagens douradas onde os unicórnios estavam . Os templos e fóruns da Nova Roma brilhavam com a luz do sol. No Campo de Marte, os engenheiros estavam trabalhando duro, derrubando os restos do forte da noite anterior e criando barricadas para um jogo de bola da morte. Um dia normal para o Acampamento Júpiter – mas ao norte no horizonte, nuvens de tempestade estavam se reunindo. Sombras atravessavam as montanhas e Percy imaginou o rosto de Gaia chegando mais e mais perto.
Trabalhe comigo no futuro, disse Reyna. Tenho a intenção de salvar este acampamento.
Olhando para o vale, Percy entendeu por que ela se preocupava tanto. Mesmo que ele fosse novo no Acampamento Júpiter, sentiu um forte desejo de proteger este lugar. Um porto seguro onde semideuses poderiam construir suas vidas – ele queria ser parte disso no futuro. Talvez não da maneira que Reyna imaginou, mas se ele pudesse compartilhar este lugar com Annabeth...
Eles saíram do elefante. Bobby desejou-lhes uma jornada segura. Hannibal envolveu os três aventureiros com sua tromba. Então, o serviço de táxi de elefante voltou para o vale.
Percy suspirou. Virou-se para Hazel e Frank e tentou pensar em algo otimista para dizer.
Uma voz familiar disse:
— Identificações, por favor.
Uma estátua de Términus apareceu no topo do morro. O rosto do deus de mármore franziu a testa, irritado.
— Bem? Venham!
— Você de novo? — Percy perguntou — pensei que você apenas guardasse a cidade.
Términus bufou.
— Fico feliz em ver você, também, Sr. Zombador de Regras. Normalmente, sim, eu guardo a cidade, mas para partidas internacionais gosto de oferecer segurança extra nas fronteiras do Acampamento. Você realmente deveria ter pedido autorização duas horas antes de seu horário de partida planejado, você sabe. Mas vamos ter que fazer isso. Agora, venha até aqui para que eu possa te revistar.
— Mas você não tem... — Percy parou. — Uh, certo.
Ele ficou ao lado da estátua sem braços. Términus realizou uma revista mental rigorosa.
— Você parece estar limpo — Términus decidiu. — Tem algo a declarar?
— Sim — disse Percy. — Eu declaro que isto é estúpido.
— Humpf! Placa de probatio: Percy Jackson, Quinta Coorte, filho de Netuno. Tudo bem, vá. Hazel Levesque, filha de Plutão. Certo. Qualquer moeda estrangeira ou, hã, metais preciosos a declarar?
— Não — ela murmurou.
— Você tem certeza? — Términus perguntou. — Porque da última vez...
— Não!
— Bem, este é um grupo mal-humorado — disse o deus. — Viajantes em missão! Sempre com pressa. Agora, vamos ver... Frank Zhang. Ah! Centurião? Muito bem, Frank. E esse corte de cabelo está perfeitamente de acordo com o regulamento. Eu aprovo! Já pode ir, então, Centurião Zhang. Você precisa de direções hoje?
— Não. Não, eu acho que não.
— Vá até a estação BART — disse Términus assim mesmo. — Troque de trem em Oakland na Décima Segunda Avenida. Você quer a Estação de Fruitvale. De lá, pode passear ou tomar o ônibus para Alameda.
— Vocês não têm um trem BART mágico ou alguma coisa assim? — Percy perguntou.
— Trens mágicos! — Términus zombou. — Você vai querer sua pista própria de segurança e um passe para o próximo saguão executivo. Basta viajar com segurança, e fique atento para Polybotes. Falando em transgressores da lei... bah! Eu gostaria de poder estrangulá-los com minhas próprias mãos.
— Espera... quem? — Percy perguntou.
Términus fez uma expressão de esforço, como se ele fosse flexionar seu bíceps inexistente.
— Ah, bem. Basta ter cuidado com ele. Imagino que ele pode cheirar um filho de Netuno a um quilômetro de distância. Saiam, agora. Boa sorte!
Uma força invisível os chutou para além do limite. Quando Percy olhou para trás, Términus tinha ido embora. De fato, o vale inteiro tinha ido embora. Berkeley Hills parecia estar livre de qualquer acampamento romano.
Percy olhou para seus amigos.
— Alguma ideia sobre o que Términus estava falando? Cuidado com os... alguma coisa política ou outra coisa?
— Po-LIB-uh-pote? — Hazel disse o nome com cuidado.
— Nunca ouvi falar dele.
— Parece grego — disse Frank.
— Isso já limita — Percy suspirou. — Bem, nós provavelmente já aparecemos no radar de cheiro para cada monstro dentro de oito quilômetros. É melhor entrar em movimento.

Levou duas horas para chegar nas docas da Alameda. Comparado aos últimos poucos meses de Percy, a viagem foi fácil. Nenhum monstro atacou. Ninguém olhou para Percy como se ele fosse uma criança selvagem sem-teto.
Frank tinha guardado sua lança, arco e aljava em uma longa bolsa feita para esquis. A espada de cavalaria de Hazel estava envolta em um saco de dormir e pendurada em suas costas. Juntos, os três pareciam colegiais normais em seu caminho para uma viagem durante a noite. Eles caminharam até a Estação Rockridge, compraram seus bilhetes com dinheiro de mortais e pularam no trem BART.
Eles desceram em Oakland. Tiveram que caminhar por alguns bairros desagradáveis, mas ninguém os incomodou. Sempre que membros de gangues locais vinham perto o suficiente para olhar nos olhos de Percy, rapidamente se desviavam. Ele aperfeiçoou seu olhar de lobo ao longo dos últimos meses – um olhar que dizia: Por pior que você pense que é, eu sou pior. Depois de estrangular monstros marinhos e atropelar górgonas em um carro de polícia, Percy não estava com medo de gangues. Praticamente mais nada no mundo mortal o assustava.
No final da tarde, conseguiram chegar nas docas de Alameda. Percy olhou para a Baía de São Francisco e respirou o ar do mar salgado.
Imediatamente ele se sentiu melhor. Este era o domínio de seu pai. Em tudo o que enfrentassem, ele teria vantagem enquanto estivessem no mar.
Dezenas de barcos estavam atracados nas docas – desde iates de quinze metros à barcos de pesca de três metros. Ele examinou procurando por algum tipo de barco mágico – um navio trirreme, talvez, ou um navio de guerra com cabeça de dragão que ele tinha visto em seu sonho.
— Hum... vocês sabem o que estamos procurando?
Hazel e Frank balançaram a cabeça.
— Eu nem sabia que tínhamos uma marinha — Hazel soou como se desejasse que não houvesse uma.
— Oh... — Frank apontou. — Você não acha que...?
No final da doca estava um barco pequeno, como um bote, coberto por uma lona roxa. Bordado em ouro, desbotado ao longo da lona estava S.P.Q.R.
A confiança de Percy vacilou.
— De jeito nenhum.
Ele descobriu o barco, com as mãos trabalhando nos nós como se ele tivesse feito isso a vida inteira. Sob a lona estava um velho barco de aço sem remos. O barco tinha sido pintado de azul escuro em algum momento, mas o casco estava tão incrustado de alcatrão e sal que parecia um enorme hematoma náutico.
Na proa, o nome Pax ainda era legível, com letras em ouro. Olhos pintados caíam tristemente no nível da água, como se o barco estivesse prestes a adormecer. A bordo estavam dois bancos, uma palha de aço, um refrigerador velho e um monte de corda desgastada com uma extremidade ligada à amarração. Na parte inferior do barco, uma sacola plástica e duas latas de Coca-Cola vazias flutuavam em vários centímetros de água espumosa.
— Vejam — disse Frank. — A poderosa marinha romana.
— Tem que ser um erro — disse Hazel. — Isso é um pedaço de lixo.
Percy imaginou Octavian rindo deles, mas decidiu não deixar-se rebaixar. O Pax ainda era um barco. Ele pulou a bordo, e o casco zumbiu debaixo de seus pés, respondendo à sua presença. Ele recolheu o lixo do refrigerador e colocou-o na doca. Desejou que a água espumosa fluísse sobre os lados e para fora do barco. Então ele apontou para a lã de aço e ela voou pelo chão, lavando e polindo tão rápido que o aço começou a fumegar.
Quando acabou, o barco estava limpo. Percy apontou para a corda e a desatou do cais.
Sem remos, mas isso não importava. Percy podia dizer que o barco estava pronto para se mover, apenas aguardando o seu comando.
— Vou fazer isso — disse ele. — Pulem para dentro.
Hazel e Frank pareciam um pouco atordoados, mas subiram a bordo. Hazel parecia especialmente nervosa. Quando se estabeleceram nos assentos, Percy se concentrou, e o barco deslizou para longe do cais.
Juno estava certa, você sabe. A voz sonolenta de Gaia sussurrou na mente de Percy, assustando-o tanto que o barco balançou. Você poderia ter escolhido uma nova vida no mar. Você estaria salvo de mim lá. Agora é tarde demais. Você escolheu dor e miséria. Você faz parte do meu plano agora... meu pequeno peão importante.
— Saia do meu navio — Percy rosnou.
— Uh, o quê? — Frank perguntou.
Percy esperou, mas a voz de Gaia estava em silêncio.
— Nada — disse ele. — Vamos ver o que este barco pode fazer.
Ele virou o barco para o norte, e em nenhum momento ultrapassaram o excesso de velocidade, avançando em quinze nós, rumo à Ponte Golden Gate.

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