quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Capitulo XXII - Frank






FRANK PREFERIA TER IDO COM SEUS AMIGOS, mesmo que isso significasse aguentar chá verde com gérmen de trigo. Mas Íris enlaçou o seu braço ao dele e o levou até uma mesa de café em uma janela de sacada.
Frank deixou a sua lança no chão. Ele sentou do lado oposto à Íris. Do lado de fora na escuridão, os monstros serpentes patrulhavam o lado da colina sem descanso, cuspindo fogo e envenenando a grama.
— Frank, eu sei como se sente — disse Íris. — Imagino que a lenha meio queimada no seu bolso fica mais pesada a cada dia.
Frank não podia respirar. Sua mão foi instintivamente para o seu casaco.
— Como você...?
— Eu te disse, eu sei coisas. Eu fui mensageira de Juno por eras. Sei por que ela te deu uma prorrogação.
— Uma prorrogação? — Frank tirou o pedaço de lenha e o desembrulhou do seu pano.
Tão inviável quanto era a lança de Marte, a peça de lenha era pior. Íris estava certa. Aquilo pesava.
— Juno te salvou por uma razão — disse a deusa. — Ela quer que você sirva no seu plano. Se ela não tivesse aparecido naquele dia quando você era um bebê e avisado sua mãe sobre a lenha, você teria morrido. Você nasceu com muitos presentes. Esse tipo de poder tende a queimar uma vida mortal.
— Muitos presentes? — Frank sentiu as suas orelhas aquecerem com a raiva. — Eu não tenho nenhum presente.
— Isso não é verdade, Frank — Íris passou a mão na sua frente como se estivesse limpando um pára-brisa. Um arco-íris em miniatura apareceu. — Pense sobre isso.
Uma imagem tremulou no arco-íris. Frank viu a si mesmo quando tinha quatro anos, correndo pelo jardim da sua avó. Sua mãe se inclinou na janela do sótão, bem alto, acenando para chamar a sua atenção. Não era para Frank estar no jardim sozinho. Ele não sabia por que a sua mãe estava no sótão, mas ela lhe disse para ficar na casa, para não se afastar muito. Frank fez exatamente o oposto. Gritou com prazer e correu para a orla da floresta, onde ficou cara a cara com um urso-pardo.
Até ver essa imagem no arco-íris, essa memória estava tão nebulosa que pensou haver sonhado aquilo. Agora podia apreciar quão surreal a experiência havia sido. O urso considerou o garotinho, e era difícil dizer qual dos dois estava mais assustado. Então a mãe de Frank apareceu ao seu lado. Não tinha como ela ter descido do sótão tão rapidamente. Ela se colocou entre o urso e Frank e lhe disse para correr até a casa. Dessa vez, Frank obedeceu. Quando ele chegou à varanda, viu sua mãe voltando da floresta. O urso havia desaparecido. Frank perguntou o que havia acontecido. A sua mãe sorriu. Mamãe Urso só precisava de direções, disse ela.
A cena no arco-íris mudou. Frank viu a si mesmo com seis anos. Encolhido no colo da sua mãe mesmo que já fosse muito grande para aquilo. O longo cabelo preto da sua mãe estava puxado para trás. Seus braços ao redor dele. Ela usava seus óculos sem bordas que Frank sempre gostava de roubar, e o seu suéter cinza felpudo que cheirava a canela. Estava lhe contando histórias sobre heróis, querendo dizer que eles estavam relacionados com Frank: Um era Xu Fu, que navegou em busca do elixir da vida. A imagem no arco-íris não tinha som, mas Frank lembrava as palavras de sua mãe: Ele foi o seu tatara-tatara-tatara... Ela cutucava o estômago de Frank cada vez que dizia tatara, dúzias de vezes, até que ele estava rindo incontrolavelmente.
E também tinha Sung Guo, também chamado de Seneca Gracchus, que lutou com doze dragões romanos e dezesseis dragões chineses nos desertos ocidentais da China. Ele era o dragão mais forte de todos, sua mãe disse. Era assim que ele os vencia! Frank não entendia o que aquilo significava, mas achava excitante.
Então ela cutucou o estômago dele com tantos tataras, que Frank acabou rolando para o chão para fugir das cócegas. E o seu antepassado mais antigo que conhecemos: Ele era o Príncipe de Pilos! Hércules lutou com ele uma vez. Foi uma luta difícil!
Nós ganhamos? Perguntou Frank
Sua mãe riu, mas havia tristeza em sua voz. Não, o nosso antepassado perdeu. Mas não foi fácil para Hércules. Imagine tentar lutar com um enxame de abelhas. Foi assim. Até Hércules teve problemas!
O comentário não fez sentido para Frank naquele tempo ou agora. O seu antepassado era um apicultor?
Frank não havia pensado nessas histórias por anos, mas agora elas vinham a ele tão claramente quanto o rosto da sua mãe. Doía vê-la outra vez. Frank queria voltar para aquele tempo. Ele queria ser um garotinho e se encolher no seu colo.
Na imagem de arco-íris, o pequeno Frank perguntou de onde era a sua família. Tantos heróis! Eles eram de Pilos, Roma, China ou Canadá?
Sua mãe inclinou a cabeça, considerando como responder.
Li-Jien, ela disse afinal. Nossa família é de vários lugares, mas nosso lar é em Li-Jien. Sempre se lembre, Frank: você tem um presente especial. Você pode ser qualquer coisa.
O arco-íris dissolveu, deixando apenas ele e Íris.
— Eu não entendo — sua voz estava áspera.
— Sua mãe explicou — disse Íris. — Você pode ser qualquer coisa.
Soava como uma dessas coisas que os teus pais dizem para levantar a sua autoestima – uma frase desgastada que poderia estar impressa nas camisas de Íris, bem ao lado de A Deusa está viva! e Meu outro carro é um tapete mágico! Mas da forma que Íris havia dito, soava como um desafio.
Frank apertou sua mão contra o bolso das suas calças, onde tinha a medalha de sacrifício de sua mãe. O medalhão prateado estava frio como gelo.
— Eu não posso ser qualquer coisa — Insistiu Frank — tenho zero habilidades.
— O que você tentou? — perguntou Íris. — Você queria ser arqueiro. Você conseguiu isso bastante bem. Só arranhou a superfície. Seus amigos, Hazel e Percy – ambos se esticaram por dois mundos, grego e romano, passado e presente. Mas você está esticado muito mais que qualquer um dos dois. Sua família é antiga... o sangue de Pilos do lado de sua mãe e o seu pai é Marte. Não é de estranhar que Juno quer que você seja um dos seus sete heróis. Ela quer que enfrente os gigantes e Gaia. Mas pense nisso: O que você quer?
— Eu não tenho nenhuma escolha — disse Frank. — Sou filho do estúpido deus da guerra. Tenho que ir nessa missão e...
— Tem que ir — disse Íris. — Não, quer ir. Eu costumava pensar assim. Então me cansei de ser a serva dos outros. Buscar taças de vinho para Júpiter. Entregar cartas para Juno. Enviar mensagens de um lado ao outro do arco-íris para qualquer um com um dracma de ouro...
— Um o quê de ouro?
— Não é importante. Mas eu aprendi a deixar de ter que fazer algo. Eu comecei o A.C.O.E.V., e agora estou livre daquela bagagem. Você também pode deixar. Talvez não possa escapar do destino. Algum dia esse pedaço de madeira irá queimar. Eu prevejo que você o estará segurando quando acontecer, e a sua vida irá terminar...
— Obrigado — murmurou Frank.
— ...mas isso só faz da sua vida mais preciosa! Você não tem que ser o que os seus pais e a sua avó querem que seja. Não tem que seguir as ordens do deus da guerra ou as de Juno. Faça as suas próprias coisas, Frank! Encontre um novo caminho!
Frank pensou sobre aquilo, a ideia era emocionante: rejeitar os deuses, seu destino, seu pai. Ele não queria ser filho de um deus. Sua mãe havia morrido na guerra. Frank havia perdido tudo graças à guerra. Marte certamente não sabia nada sobre ele. Frank não queria ser um herói.
— Por que está me dizendo isso? — ele perguntou. — Você quer que eu abandone a missão, deixe o Acampamento Júpiter ser destruído? Meus amigos estão contando comigo.
Íris estendeu as suas mãos.
— Eu não posso te dizer o que fazer Frank. Mas faça o que você quiser, não o que te dizem para fazer. Onde foi que a conformidade me pegou? Passei cinco milênios servindo todos os outros, e nunca descobri minha verdadeira identidade. Qual é o meu animal sagrado? Ninguém se importou em me dar um. Onde estão os meus templos? Nunca fizeram nenhum. Certo, está bem! Eu encontrei paz aqui na cooperativa. Você poderia ficar conosco se quisesse. Se tornar um ACOEVador.
— Um quê?
— O ponto é que você tem opções. Se você continuar essa missão... o que acontecerá quando liberar Tânatos? Será bom para sua família? Seus amigos?
Frank se lembrou do que a sua avó havia lhe dito: ela tinha um encontro com a Morte. A sua avó o enfurecia às vezes; mas ainda assim, ela era sua única familiar viva, a única pessoa viva que o amava. Se Tânatos continuasse acorrentado, Frank talvez não a perdesse. E Hazel – de alguma forma ela havia voltado do Mundo Inferior. Se a Morte a levasse outra vez, Frank não seria capaz de suportar. Sem mencionar o próprio problema de Frank: de acordo com Íris, ele deveria ter morrido quando era um bebê. Tudo que havia entre ele e a Morte era uma vareta meio queimada. Tânatos o levaria também?
Frank tentou imaginar ficar aqui com Íris, colocar uma camisa da A.C.O.E.V., vender cristais e filtros de sonhos para semideuses viajantes e arremessar simulações de Ding Dong livres de glúten aos monstros que passavam. Enquanto isso, um exército imortal arrasaria o Acampamento Júpiter.
Você pode ser qualquer coisa, sua mãe havia dito.
Não, ele pensou. Eu não posso ser tão egoísta.
— Eu tenho que ir — ele disse. — É o meu trabalho.
Íris suspirou.
— Eu já esperava isso, mas tinha que tentar. A tarefa à sua frente, bem... Eu não desejaria isso a ninguém, especialmente a um bom garoto como você. Se você tem que ir, ao menos posso lhe oferecer uns conselhos. Vocês precisarão de ajuda para encontrar Tânatos.
— Você sabe onde os gigantes o estão escondendo? — perguntou Frank.
Íris olhou pensativa para os sinos de vento balançando no teto.
— Não... o Alasca está além da esfera de controle dos deuses. O lugar está protegido da minha visão. Mas tem alguém que sabe onde é. Procure o vidente Fineu. Ele é cego, mas pode ver o presente, passado e futuro. Ele sabe muitas coisas, pode te dizer onde Tânatos está aprisionado.
— Fineu... — disse Frank. — Não havia uma história sobre ele?
Íris assentiu relutantemente.
— Nos dias antigos, ele cometeu crimes terríveis. Usou o poder da visão para o mal. Júpiter enviou as harpias para atormentá-lo. Os Argonautas... incluindo o seu ancestral pelo visto...
— O príncipe de Pilos?
Íris hesitou.
— Sim, Frank. Seu presente, sua história... Você deve descobrir por conta própria. Basta dizer que os Argonautas expulsaram as harpias em troca da ajuda de Fineu. Isso foi eras atrás, mas entendo que Fineu retornou ao mundo mortal. Vocês o encontrarão em Portland, Oregon, que está no seu caminho para o norte. Mas você deve me prometer uma coisa. Se ele ainda for atormentado pelas harpias, não as matem, não importa o que Fineu ofereça. Ganhem a sua ajuda de outra forma. As harpias não são más, elas são minhas irmãs.
— Suas irmãs?
— Eu sei. Eu não pareço tão velha para ser irmã das harpias, mas é verdade. E Frank... Há outro problema. Se está determinado a sair, terá que limpar esses basiliscos da colina.
— Você quer dizer as cobras?
— Sim. Basilisco significa "pequena coroa", o que é um nome bonito para algo não tão bonito assim. Eu preferiria não matá-los. Eles são criaturas vivas, apesar de tudo. Mas vocês não poderão sair até que eles tenham ido. Se os seus amigos tentarem batalhar com eles... Eu prevejo coisas ruins acontecendo. Só você tem a habilidade para matá-los.
— Mas como?
Ela olhou para o chão. Frank percebeu que ela estava olhando para a lança.
— Desejaria que houvesse outra forma — ela disse. — Se você tivesse algumas doninhas, por exemplo. Doninhas são mortais para os basiliscos.
— Acabaram as doninhas — Frank admitiu.
— Então vai ter que usar o presente do seu pai. Você tem certeza de que não gostaria de viver aqui ao invés? Nós fazemos um excelente leite de arroz sem lactose.
Frank se levantou.
— Como eu uso a lança?
— Você vai ter que tomar conta disso sozinho. Eu não posso advogar violência. Enquanto você batalha, vou dar uma olhada nos seus amigos. Espero que Fleecy tenha encontrado as ervas medicinais corretas. A última vez houve uma confusão... bem, não acho que aqueles heróis quisessem ser margaridas.
A deusa ficou de pé. Seus óculos brilharam, e Frank viu o seu próprio reflexo nas lentes. Ele estava sério e sombrio, nada parecido com o garotinho nas imagens de arco-íris.
— Um último conselho, Frank. Você está destinado a morrer segurando esse pedaço de lenha, vendo-a queimar. Mas talvez se não a tivesse com você... Se você confiasse em alguém o suficiente para guardá-la...
Os dedos de Frank apertaram ao redor da madeira.
— Você está se oferecendo?
Íris riu gentilmente.
— Oh, querido, não. Eu a perderia nessa coleção. Se misturaria com os meus cristais, ou eu a venderia como peso para papel de madeira por acidente. Não, eu queria dizer, um amigo semideus, alguém próximo ao seu coração.
Hazel, Frank pensou imediatamente. Não havia ninguém que ele confiasse mais. Mas como poderia confessar o seu segredo? Se ele admitisse quão fraco era, que toda a sua vida dependia de uma vareta meio queimada... Hazel nunca o veria como um herói. Ele nunca seria o seu cavaleiro em armadura. E como esperava que ela carregasse aquele fardo por ele?
Ele embrulhou o graveto e o guardou de volta no casaco.
— Obrigado... Obrigado, Íris.
Ela apertou sua mão.
— Não perca a esperança, Frank. Arco-íris sempre carregam esperança.
Ela fez o seu caminho para o fundo da loja, deixando Frank sozinho.
— Esperança — grunhiu Frank. — Eu preferiria ter um par de boas doninhas.
Ele pegou a lança do seu pai e marchou para fora para enfrentar os basiliscos.

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