quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Capitulo XXV - Percy






PERCY JÁ SE SENTIA COMO o semideus mais esfarrapado da história dos farrapos. A bolsa foi o insulto final.
Eles deixaram a A.C.O.E.V. com pressa, então, talvez assim Íris não tivesse destinado a bolsa como uma crítica. Ela rapidamente a encheu com doces enriquecidos de vitaminas, casca dos frutos secos, charques macrobióticos e também alguns cristais para dar sorte, em seguida a empurrou para Percy: Aqui, você vai precisar disso. Oh, isso parece legal.
A bolsa – desculpe, a maleta de acessórios masculinos – tinha um arco-íris tingido, com um símbolo da paz costurado em contas de madeira, com o slogan: “Abrace o mundo inteiro”. Percy desejou que estivesse escrito: “abrace a cômoda”. Ele sentia como se a bolsa estivesse comentando sobre o seu tamanho, incrivelmente inútil. Conforme eles navegavam para o norte, ele colocava a maleta masculina o mais longe possível, mas o barco era pequeno.
Não podia acreditar em como falhara quando seus amigos precisavam dele. Primeiro foi burro o bastante para deixá-los sozinhos quando voltara correndo para o barco, e Hazel fora sequestrada. Então vira o exército marchando para o sul e teve algum tipo de colapso nervoso.
Embaraçoso? Sim. Mas ele não podia ajudá-los. Quando viu aqueles centauros malignos e os ciclopes, aquilo parecia tão errado, tão retrógrado, que achou que a sua cabeça iria explodir. E o gigante Polybotes... aquele gigante que dava a ele o oposto do que sentia quando estava no mar. A energia de Percy se drenara, deixando-o fraco e febril, como se por dentro o estivesse corroendo.
O chá medicinal de Íris havia ajudado o seu corpo a melhorar, mas a sua mente ainda doía. Ele ouvira histórias sobre amputados que tinham dores fantasmas, onde suas pernas e braços perdidos costumavam estar. Era assim que sua mente se sentia, como se a suas memórias desaparecidas estivessem doendo.
O pior de tudo é que, quanto mais ao norte Percy ia, mais essas memórias desvaneciam. Ele tinha começado a se sentir melhor no Acampamento Júpiter, se lembrando de rostos e lugares aleatórios. Mas agora o rosto de Annabeth estava ficando escuro. Quando tentou enviar uma mensagem de Íris para Annabeth, Fleecy apenas balançou a cabeça tristemente.
É como se você estivesse tentando ligar para alguém, ela disse, mas você esqueceu o número. Ou alguém bloqueou o sinal. Desculpe querido. Eu apenas não posso conectá-lo.
Ele estava com medo de esquecer completamente o rosto de Annabeth quando chegasse ao Alasca. Talvez acordasse num dia e não lembrasse mais o nome dela.
E ainda tinha que se concentrar na sua missão. O vislumbre do exército inimigo havia mostrado o que eles estavam enfrentando. Agora era início da manhã de 21 de junho. Eles teriam que chegar ao Alasca, encontrar Tânatos, localizar o estandarte da legião romana e trazê-lo de volta para o Acampamento Júpiter na noite de 24 de junho. Quatro dias. Enquanto o inimigo estava em marcha, a algumas centenas de quilômetros.
Percy guiou o barco por correntes fortes, ao norte da costa da Califórnia. O vento estava frio, mas a sensação era boa, clareando algumas confusões da sua cabeça. Ele forçou o seu desejo de empurrar o barco o tanto quanto podia. O casco sacudiu e assim o Pax sulcou seu caminho para o norte.
Enquanto isso Hazel e Frank trocavam histórias sobre os eventos ocorridos no Arco-Íris Comida Orgânica, Frank explicou sobre Fineu, o cego vidente de Portland, e como Íris dissera que ele poderia ser capaz de dizer-lhes onde encontrar Tânatos. Frank não disse como conseguira matar o basilisco, mas Percy teve a sensação de que tinha alguma coisa a ver com a ponta quebrada da sua lança. Seja lá o que tivesse acontecido, Frank parecia mais assustado com a lança do que com o basilisco.
Quando terminou, Hazel contou para Frank sobre o seu tempo com Fleecy.
— Então essa mensagem de Íris funcionou? — perguntou Frank.
Hazel deu a Percy um olhar solidário. Ela não mencionou o seu fracasso de contatar Annabeth.
— Você tem que atirar uma moeda dentro de um arco-íris — ela disse. — E dizer esse encantamento, como “Oh Íris, deusa do arco-íris, aceite a minha oferenda.” Exceto que Fleecy meio que mudou isso. Ela nos deu, como se chamava mesmo, seu número direto? Então eu tive que dizer “Fleecy faça-me um favor. Mostre Reyna no Acampamento Júpiter.” Eu me senti como uma idiota, mas deu certo. A imagem de Reyna apareceu no arco-íris, como em uma vídeo chamada. Ela estava no banho. Com medo e fora de si.
 — Eu pagaria para ter visto isso — disse Frank. — Quero dizer, a expressão dela, não ela no banho.
— Frank! — ela abanou o rosto como se precisasse de ar, foi um gesto à moda antiga, mas bonito, de qualquer forma. — Certo, então, nós contamos a ela sobre o exército, mas como Percy disse, ela praticamente já sabia disso. Isso não mudou em nada. Está fazendo o que pode para sustentar as nossas defesas, a menos que libertemos a Morte e voltemos com a águia...
— O acampamento não aguentaria contra esse exército — Frank finalizou.
— Não sem ajuda.
E depois disso eles navegaram em silêncio.
Percy continuou pensando nos centauros e nos ciclopes. Pensava em Annabeth, no sátiro Grover e no seu sonho com um navio gigante em construção.
Você veio de algum lugar, Reyna tinha dito.
Percy queria se lembrar. Ele poderia pedir ajuda. O Acampamento Júpiter não deveria lutar sozinho contra os gigantes. Deveriam ter aliados lá fora.
Ele apertou as esferas do seu colar, a placa de probatio de chumbo e o anel que Reyna lhe dera. Talvez em Seattle, fosse capaz de falar com sua irmã Hylla. Ela poderia enviar ajuda. Assumindo que ela não matasse Percy assim que o visse.
Depois de mais algumas horas de navegação, os olhos de Percy começaram a se fechar. Ele estava com medo de desmaiar de exaustão. Então fez uma pausa. Uma baleia assassina apareceu ao lado do barco e Percy iniciou uma conversa mental com ela.
Não foi exatamente como falar, mas foi algo assim: Você poderia nos dar uma carona para o norte, Percy pediu, o mais próximo de Portland possível?
Eu como focas, a baleia respondeu, vocês são focas?
Não, Percy admitiu, embora eu tenha uma bolsa cheia de charques macrobióticos.
Então a baleia estremeceu. Prometa que não vai me alimentar com isso e o levo para o norte.
Negócio fechado.
Logo, Percy havia feito um arreio de corda improvisado, e amarrou na parte superior da baleia. Eles aceleraram para o norte sob o poder dela, e por insistência de Hazel e Frank, Percy se preparou para uma soneca.

Seus sonhos foram tão desconexos e assustadores como sempre. Ele se imaginou no Monte Tamalpais, ao norte de São Francisco, lutando na fortaleza de um velho titã, e isso não fazia nenhum sentido. Não tinha sido com os romanos quando eles atacaram, mas ele via tudo claramente, a armadura do titã, as mãos de Annabeth, as outras duas meninas lutando ao lado dele. Uma das meninas morrera na batalha. Percy se ajoelhou sobre ela e vira como ela se dissolvia em estrelas.
Então ele viu o navio gigante em uma doca seca. A figura do dragão de bronze brilhava na luz da manhã. Os equipamentos e armamentos estavam completos, mas alguma coisa estava errada, a escotilha do convés estava aberta, havia fumaça saindo de algum tipo de motor. E um menino de cabelos pretos encaracolados estava xingando e batendo no motor com uma chave. Dois outros semideuses estavam abaixados ao lado dele, observando com preocupação. Um deles era um adolescente de cabelos louros curto. E outro era uma garota de longos cabelos negros.
— Você percebe que é o solstício — disse a menina. — Nós deveríamos ir embora hoje.
— Eu sei disso! — O mecânico de cabelos encaracolados bateu no motor mais algumas vezes. — Poderiam ser os mísseis. Poderia ser um problema no motor. Poderia ser Gaia brincando com a gente de novo. Eu não tenho certeza!
— Quanto tempo? — O cara loiro perguntou.
— Dois ou três dias.
— Eles podem não ter tanto tempo — a menina avisou.
Algo dizia a Percy que ela falava do Acampamento Júpiter. Então a cena mudou novamente.
Ele viu um menino e seu cão passeando sobre as colinas amarelas da Califórnia. Mas conforme a imagem se tornava mais clara, Percy percebeu que ele não era um menino. Era um ciclope usando jeans rasgados e uma camiseta de flanela, o cão era uma montanha cambaleante de pelos negros, tão grande quanto um rinoceronte. O ciclope estava carregando uma pesada clava sob os ombros, mas Percy não sentia que ele era um inimigo. Ele gritava o nome de Percy, chamando-o de... irmão?
— O cheiro dele está mais longe... — o ciclope gemeu para o cão. — Por que o cheiro dele está mais longe?
— AUAU! — O cachorro latia, e o sonho de Percy mudou novamente.
Ele viu uma cadeia de montanhas nevadas, tão altas que ultrapassavam as nuvens. O rosto adormecido de Gaia apareceu nas sombras das rochas.
Como um peão valioso, ela disse suavemente. Não tenha medo, Percy Jackson. Venha para o norte! Sim, seus amigos irão morrer. Mas vou preservar você por hora. Tenho grandes planos para você.
Num vale entre as montanhas havia um campo de gelo, uma borda mergulhava no mar a centenas de metros abaixo, com placas de gelo constantemente se desintegrando na água. Em cima do campo de gelo havia um acampamento da legião, muralhas, fossos, torres, quartéis, iguais ao do Acampamento Júpiter, exceto que três vezes maior. Na encruzilhada fora da principia, uma figura de vestes escuras estava acorrentada ao gelo. A visão de Percy passou por ele, na sede lá na escuridão, sentado, um gigante ainda maior do que Polybotes. Sua pele reluzia como ouro. Exibida por de trás dele, estavam as imagens esfarrapadas de estandartes de uma legião, incluindo uma grande águia dourada de asas abertas.
Aguardamos você, a voz do gigante cresceu. Enquanto você se atrapalha pelo caminho para o norte, tentando me encontrar, meus exércitos destruirão o seu precioso acampamento, primeiro o dos romanos, depois o outro. Não pode vencer pequeno semideus.

Percy cambaleou e acordou durante um dia frio e cinzento. A chuva caia sobre o seu rosto.
— Pensei que eu dormia pesadamente — Hazel disse. — Bem vindo a Portland.
Percy se sentou e piscou. A cena em torno dele era tão diferente do seu sonho, ele não tinha certeza do que era real. O Pax flutuava em um rio negro no meio de uma cidade. Nuvens carregadas acima de sua cabeça. A chuva fria estava tão leve que parecia suspensa no ar. À esquerda de Percy estavam armazéns industriais e trilhos de trem. À sua direita uma pequena área de centro, um aglomerado de torres de aparência quase acolhedora, entre as margens do rio uma linha enevoada de colinas arborizadas.
Percy espantou o sono dos seus olhos.
— Como nós chegamos aqui?
Frank deu-lhe um olhar do tipo, você não vai acreditar nisso.
— A baleia assassina nos levou para o rio Columbia. Então ela passou os arreios para um par de esturjões de três metros e meio.
Percy pensou que Frank tivesse dito cirurgiões. Ele tinha uma estranha imagem de doutores gigantes com mascaras cirúrgicas, puxando o barco rio acima. Então percebeu que Frank estava querendo dizer esturjões, como o peixe. Ele estava feliz por não ter dito nada. Teria sido embaraçoso, por ele ser o filho do deus do mar e tal...
— De qualquer forma — Frank continuou. — Os esturjões nos puxaram por um bom tempo. Hazel e eu nos revezamos para dormir. Então chegamos a esse rio...
— O Willamette — Hazel ofereceu.
— Certo — disse Frank. — E depois disso o barco tomou o controle e nos trouxe até aqui por conta própria. Dormiu bem?
Conforme o Pax deslizava para o sul, Percy contou para eles sobre os seus sonhos. Tentou focar nos aspectos positivos. Um navio de guerra poderia estar a caminho, para ajudar o Acampamento Júpiter. Um ciclope amigável e um cão gigante estavam à procura dele. Porém ele não mencionou o que Gaia havia dito. Seus amigos irão morrer.
Quando Percy descreveu o forte romano no gelo, Hazel parecia perturbada.
— Então Alcioneu está sobre uma geleira — disse ela. — Isso não ajuda muito. O Alasca possui centenas delas.
Percy assentiu.
— Talvez este vidente Fineu possa nos dizer em qual.
O barco ancorou num cais. Os três semideuses olharam para os edifícios do centro da chuvosa Portland.
Frank secou a chuva de seus cabelos lisos.
— Então, agora nós encontramos um homem cego na chuva — disse Frank.
— É.


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