quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Capitulo XXXIII - Frank






FRANK FICOU ALIVIADO QUANDO AS RODAS CAÍRAM. Ele já havia sido lançado duas vezes da parte de trás da biga, o que não foi divertido na velocidade do som. O cavalo parecia dobrar o tempo e o espaço enquanto corria, borrando a paisagem e fazendo Frank se sentir como se tivesse acabado de beber um galão de leite integral sem seu remédio de intolerância à lactose. Ella não estava ajudando muito. Ela continuava a resmungar:
— Setecentos e cinquenta quilômetros por hora. Oitocentos. Oitocentos e três. Rápido. Muito rápido.
O cavalo correu para o norte através do estreito de Puget, ilhas passavam rápido, barcos de pesca e frutos do mar e um muito surpreso grupo de baleias. A paisagem à frente começou a parecer familiar – Crescent Beach, Baía Boundary. Frank tinha ido velejar ali uma vez durante uma viagem da escola. Eles cruzaram a fronteira com o Canadá.
O cavalo disparou em terra seca. Ele seguiu correndo pela estrada 99 norte, correndo tão rápido que os carros pareciam estar parados. Por fim, assim que entraram em Vancouver, as rodas da biga começaram a soltar fumaça.
— Hazel! — Frank gritou. — Estamos quebrando!
Ela entendeu o recado e puxou as rédeas. O cavalo não pareceu feliz com isso, mas desacelerou para subsônico enquanto andavam pelas ruas da cidade. Atravessaram a ponte Ironworkers no norte de Vancouver, e a biga começou a chacoalhar perigosamente. Finalmente Arion parou no topo de uma colina arborizada. Ele bufou, com satisfação, como se dissesse: É assim que se corre, idiotas. A biga desmoronou em meio à fumaça, derrubando Percy, Frank e Ella no chão molhado, coberto de musgo.
Frank tropeçou em seus pés. Ele tentava piscar para tirar pontos amarelos da frente de seus olhos. Percy gemeu e começou a desengatar Arion da biga arruinada. Ella esvoaçou em círculos tontos, em cima das árvores resmungando:
— Árvore. Árvore. Árvore.
Apenas Hazel não parecia afetada por causa da viagem. Sorrindo com satisfação, ela deslizou das costas do cavalo.
— Isso foi divertido!
— Sim — Frank engoliu sua náusea. — Tão divertido.
Arion relinchou.
— Ele disse que precisa comer — Percy traduziu. — Não é de admirar. Provavelmente queimou cerca de seis milhões de calorias.
Hazel estudou o solo aos seus pés e franziu a testa.
— Eu não estou sentindo nenhum ouro por aqui... Não se preocupe, Arion. Vou encontrar daqui a pouco. Nesse meio tempo, por que você não vai pastar? Nós vamos te chamar...
O cavalo correu, deixando um rastro de vapor por seu caminho.
Hazel uniu as sobrancelhas.
— Você acha que ele vai voltar?
— Eu não sei — disse Percy. — Ele é como um... espírito.
Frank quase esperava que o cavalo permanecesse longe. Ele não disse isso, é claro. Podia dizer que Hazel ficaria aflita com a ideia de perder seu novo amigo. Mas Arion o assustava, e Frank estava certo de que o cavalo sabia disso. Hazel e Percy começaram a salvar os suprimentos dos destroços da biga.
Havia algumas caixas aleatórias de mercadoria da Amazon na frente, e Ella gritou de alegria quando descobriu um carregamento de livros. Ela pegou uma cópia de Os Pássaros da América do Norte, escorregou para o galho mais próximo e começou a passar as páginas tão rápido que Frank não tinha certeza se ela estava lendo ou retalhando o livro.
Frank apoiou-se contra uma árvore, tentando controlar sua vertigem. Ainda não tinha se recuperado de sua prisão com as Amazonas – chutado por toda a entrada, desarmado, enjaulado e insultado de bebezinho por um cavalo egocêntrico. Isso não tinha exatamente ajudado a sua autoestima. Mesmo antes disso, a visão que ele tinha compartilhado com Hazel havia o deixado abalado. Ele se sentia mais próximo dela agora. Sabia que havia feito a coisa certa dando a ela o pedaço de lenha. Um grande peso tinha sido retirado de seus ombros. Por outro lado, tinha visto o Mundo Inferior em primeira mão. Sentia como se fosse se sentar para sempre e não fazer nada, apenas se lamentando pelos seus erros. Ele olhou para as máscaras de ouro assustadoras sobre as bancas dos mortos e percebeu que ele estaria diante delas um dia, talvez muito em breve.
Frank sempre sonhava em ver sua mãe de novo quando morresse. Mas talvez isso fosse impossível para semideuses. Hazel tinha estado no campo por mais ou menos setenta anos e nunca encontrou sua mãe. Frank esperava que ele e sua mãe acabassem no Elísio juntos. Mas se Hazel não chegou lá – sacrificar sua vida e parar Gaia, assumindo a responsabilidade por suas ações de forma que sua mãe não acabasse na punição – quais chances Frank teria? Ele nunca tinha feito nada heroico.
Ele se endireitou e olhou ao redor, tentando se orientar. Ao sul, o porto de Vancouver no horizonte brilhava em um pôr-do-sol vermelho. Ao norte, as colinas e florestas tropicais do Lynn Canyon Park serpenteavam até dar lugar à imensidão. Frank tinha explorado este parque há anos. Ele viu uma curva no rio que parecia familiar. Reconheceu um pinheiro morto que havia sido divido por um raio em uma clareira próxima. Frank sabia onde estavam.
— Estou praticamente em casa — ele disse. — A casa da minha avó é bem ali.
Hazel apertou os olhos.
— Quão longe?
— Basta subir o rio através do bosque.
Percy levantou uma sobrancelha.
— Sério? Nós vamos para a casa da sua avó?
Frank limpou a garganta.
— Sim, de qualquer maneira.
Hazel juntou as mãos em oração.
— Frank, por favor, me diga que ela vai nos deixar passar a noite. Eu sei que temos um prazo, mas temos que descansar, certo? Arion nos deu algum tempo. Talvez pudéssemos ter uma refeição realmente cozida?
— E um banho quente? — Percy suplicou. — E uma cama com lençóis e travesseiro?
Frank tentava imaginar o rosto de sua avó se ele aparecesse com dois amigos fortemente armados e uma harpia. Tudo tinha mudado desde o funeral de sua mãe, desde a manhã em que os lobos o levaram para o sul. Ele estava tão irritado por ter que ir embora. Agora, não podia se imaginar voltando. Ainda assim, ele e seus amigos estavam esgotados. Não conseguiriam viajar mais dois dias sem descanso e comida descente. Sua avó poderia dar suprimentos. E talvez responder algumas perguntas que estavam se formando na mente de Frank – uma suspeita crescente sobre seu dom de família.
— Vale a pena tentar — Frank decidiu. — Vamos para a casa da minha avó.

Frank estava tão distraído que ele teria caminhado diretamente para os ogros no campo. Felizmente Percy o puxou de volta.
Eles se agacharam ao lado de Hazel e Ella, que estavam atrás de um tronco caído e olharam para a clareira.
— Ruim — Ella murmurou. — Isso é muito ruim para as harpias.
Estava totalmente escuro agora. Em torno de uma fogueira ardente, estava meia dúzia de humanoides cabeludos. De pé, eles provavelmente tinham dois metros e meio. Eram pequenos em comparação ao gigante Polybotes ou até mesmo aos ciclopes que tinham visto na Califórnia, mais isso não os tornava menos assustadores. Usavam apenas bermudas de surfistas. A pele era vermelha como se queimada pelo sol – coberta por tatuagens de dragões, corações e mulheres de biquíni. Pendurado num espeto sobre o fogo, havia um animal de pele clara, talvez um javali, e os ogros estavam arrancando pedaços de carne com as unhas em forma de garra, rindo e conversando enquanto comiam, expondo os dentes pontudos. Ao lado dos ogros sentados, haviam bolsas de malha com várias esferas de bronze como balas de canhão.
As esferas deviam estar quentes, porque soltavam vapor no ar frio da noite. Cento e oitenta metros além da clareira, as luzes da mansão Zhang brilhavam através das árvores. Tão perto, Frank pensou. Ele se perguntou se poderiam se esgueirar em torno dos monstros, mas quando olhou para os lados, viu mais fogueiras em todas as direções, como se os ogros tivessem cercado a propriedade. Frank cravou os dedos no tronco da árvore. Sua avó poderia estar sozinha dentro da casa, presa.
— O que são esses caras? — ele sussurrou.
— Canadenses — Percy disse.
Frank inclinou-se para longe dele.
— O quê?
— Uh, sem ofensa — Percy disse. — É isso que Annabeth disse quando lutamos com eles antes. Ela disse que eles viviam no norte, no Canadá.
— Hum... — Frank murmurou — estamos no Canadá. Eu sou canadense. Mas nunca vi essas coisas antes.
Ella arrancou uma pena de suas asas e virou em seus dedos.
— Lestrigões — ela disse. — Gigantes canibais do norte. A lenda do pé-grande. Sim, Sim. Eles não são pássaros. Não pássaros da América do Norte.
— É assim que eles são chamados — Percy concordou. — Lestri... hã, que seja, isso aí que a Ella disse.
Frank fez uma careta para os caras na clareira.
— Eles podem ser confundidos com o pé grande. Talvez seja onde a lenda começou. Ella, você é muito inteligente.
— Ella é inteligente — ela concordou.
Ela timidamente ofereceu à Frank sua pena.
— Oh... Obrigado. — Ele guardou a pena em seu bolso, então notou Hazel olhando para ele. — O quê?
— Nada. — ela virou para Percy. — Sua memória está voltando? Você lembra como vencer esses caras?
— Um pouco — Percy respondeu. — Ainda é confuso. Acho que tive ajuda. Nós os matamos com bronze celestial, mas isso foi antes... você sabe.
— Antes da morte ser sequestrada — disse Hazel. — Portanto, agora eles não poderiam morrer de verdade.
Percy assentiu.
— Essas balas de canhão de bronze são as más noticias. Acho que usamos algumas delas contra os monstros, eles pegaram fogo e explodiram.
A mão de Frank foi para o bolso de seu casaco. Então ele se lembrou de que Hazel estava com o seu pedaço de lenha.
— Se nós causarmos uma explosão — ele disse — todos os ogros ao redor do acampamento vão correr pra cá. Acho que eles cercaram a casa, o que significa que pode haver 50 ou 60 desses caras na floresta.
— Então isso é uma armadilha — Hazel olhou para Frank com preocupação. — E o que acontece com sua avó? Nós temos que salvá-la.
Frank sentiu um nó na garganta. Nunca em um milhão de anos ele tinha pensado que fosse preciso resgatar sua avó, mas agora começou a pensar em cenários de combate – sua mente tinha voltado para o acampamento durante os jogos de guerra.
— Nós precisamos de uma distração — decidiu. — Se pudermos trazer esse grupo para a campina, nós nos esgueiramos sem alertar os outros.
— Eu gostaria que Arion estivesse aqui — disse Hazel. — Eu poderia fazer os ogros me perseguirem.
Frank escorregou sua lança de suas costas.
— Eu tenho outra ideia.
Frank não queria fazer isso. A ideia de trazer Cinzento o assustava ainda mais que o cavalo de Hazel. Mas ele não viu outra alternativa.
— Frank, você não pode ir lá pra fora! — Hazel disse. — É suicídio!
— Não sou eu quem atacarei. Eu tenho um amigo. Só... ninguém grite, ok?
Ele espetou a lança no chão e uma lasca se rompeu.
— Oops — Ella disse. — Não, sem ponta de lança. Não, não.
O chão tremeu. Uma mão cinzenta quebrou a superfície. Percy se atrapalhou com sua espada. E Hazel gritou como um gato com uma bola de pelo. Ella desapareceu e se reapareceu no topo de uma árvore próxima.
— Está tudo bem — Frank prometeu. — Ele está sob controle!
Cinzento se arrastou para fora da terra. Ele não tinha nenhum sinal de dano do seu encontro com o basilisco. Estava bem, com uma nova roupa de camuflagem e botas de combate, a carne estava cinza translúcida, cobrindo os ossos brilhantes como gelatina. Ele virou seus olhos fantasmagóricos para Frank à espera de uma ordem.
— Frank ele é um Spartus — disse Percy. — Um guerreiro esqueleto. Eles são o mal. São assassinos. Eles são...
— Eu sei — Frank disse amargamente. — Mas é um dom de Marte. Agora é tudo o que tenho. Ok, Cinzento. Suas ordens: atacar aquele grupo de ogros, levá-los para o oeste, causando um desvio para que possamos...
Infelizmente, Cinzento tinha perdido o interesse depois da palavra “ogros”. Talvez apenas tivesse entendido essa simples palavra. Ele marchou para a direção da fogueira dos ogros.
— Espera! — Frank disse, mas era tarde de mais.
Cinzento puxou duas de suas costelas e correu ao redor do fogo, esfaqueando-os na parte de trás em uma velocidade tão incrível que eles nem sequer tiveram tempo para gritar. Seis lestrigões extremamente surpresos caíram de lado como peças de dominó se desfazendo em pó. Cinzento pisou ao redor, chutando as cinzas quando eles tentavam se refazer. Quando ficou satisfeito, voltou sua atenção para Frank, saudando-o elegantemente e se afundando no chão da floresta.
Percy olhou para Frank.
— Como...
— Não lestrigões — Ella voou e pousou ao lado deles. — Seis menos seis é zero. As lanças são boas para subtração. São sim.
Hazel olhou para Frank como se ele tivesse se transformado em um esqueleto zumbi. Frank pensou que seu coração estivesse pulverizado, mas ele não poderia culpá-la. As crianças de Marte eram violentas. O símbolo de Marte era uma lança sangrenta. Porque Hazel não deveria estar chocada?
Ele olhou para baixo, para a ponta quebrada de sua lança. Desejava ter um pai qualquer, mas ele tinha Marte.
— Vamos lá — ele disse. — Minha avó pode estar com problemas.

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