quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Capitulo XXXVIII - Percy







O PILOTO DISSE QUE O AVIÃO NÃO PODIA AGUARDAR por eles, mas estava tudo bem para Percy. Se sobrevivessem até o dia seguinte, esperava que eles pudessem descobrir uma nova maneira de voltar – qualquer coisa, exceto um avião.
Ele deveria estar deprimido. Estava preso no Alasca, território do gigante, sem contato com seus antigos amigos justamente quando suas memórias estavam voltando. Tinha visto uma imagem do exército de Polybotes que estava prestes a invadir o Acampamento Júpiter. Viu que os gigantes planejavam usá-lo como algum tipo de sacrifício de sangue para despertar Gaia. Além disso, amanhã à noite será a Festa da Fortuna. Ele, Frank e Hazel tinham uma tarefa impossível de concluir até lá. Na melhor das hipóteses, iriam libertar a Morte, que poderia levar os dois amigos de Percy para o Mundo Inferior. Não há muito o que esperar.
Ainda assim, Percy sentia-se estranhamente revigorado. Seu sonho com Tyson tinha levantado seu ânimo. Ele se lembrava de Tyson, o seu irmão. Eles lutaram juntos, comemoraram vitórias, compartilharam bons momentos no Acampamento Meio-Sangue. Lembrou-se de sua casa, o que lhe deu uma nova determinação para ter sucesso. Estava lutando por dois acampamentos agora, duas famílias.
Juno tinha roubado sua memória e enviado-o para o Acampamento Júpiter por uma razão. Ele entendia agora. Ainda queria dar um soco em sua cara divina, mas pelo menos ela tinha suas razões. Se os dois acampamentos pudessem trabalhar juntos, teriam a chance de parar seus inimigos mútuos. Separadamente, ambos os acampamentos estavam condenados.
Havia outras razões para Percy querer salvar o Acampamento Júpiter. Razões pelas quais ele não se atrevia a colocar em palavras – ainda não, de qualquer maneira. De repente, ele viu um futuro para si e para Annabeth que ele nunca tinha imaginado antes.
Quando tomaram um táxi em Anchorage, Percy falou para Frank e Hazel sobre seus sonhos. Eles pareceram ansiosos, mas não surpresos quando ele lhes disse sobre o exército gigante se aproximando do acampamento.
Frank engasgou quando ouviu falar de Tyson.
— Você tem um meio-irmão que é um ciclope?
— Claro — disse Percy. — O que faz com que ele seja seu tatara-tatara-tatara...
— Por favor — Frank tapou os ouvidos. — Basta.
— Contanto que ele possa levar Ella para o Acampamento — disse Hazel. — Estou preocupada com ela.
Percy assentiu. Ainda estava pensando sobre as linhas da profecia que a harpia tinha recitado – sobre o filho de Netuno se afogando, e a marca de Atena queimando através de Roma. Não sabia o que significava a primeira parte, mas estava começando a ter uma ideia sobre a segunda. Tentou deixar a questão de lado. Teria que sobreviver a esta missão primeiro.
O táxi foi pela Primeira Avenida, que parecia mais como uma pequena rua para Percy, e os levou ao norte em direção ao centro da cidade. Era fim de tarde, mas o sol ainda estava alto no céu.
— Eu não posso acreditar no quanto este lugar cresceu — Hazel murmurou.
O taxista sorriu no espelho retrovisor.
— Faz tempo que você não vem aqui, senhorita?
— Cerca de setenta anos — Hazel respondeu.
O motorista fechou a divisória de vidro e dirigiu em silêncio.
De acordo com Hazel, quase nenhum dos edifícios eram os mesmos, mas ela apontou características da paisagem: vastas florestas circulando a cidade, as águas frias e cinzentas da Enseada de Cook traçando a borda norte da cidade, e as Montanhas Chugach crescendo azul-acinzentadas à distância, cobertas com neve mesmo em junho. Percy nunca tinha cheirado um ar limpo como este antes. A cidade em si parecia maltratada pelo tempo, com lojas fechadas, carros enferrujados e um gasto complexo de apartamentos que circundavam a estrada, mas ainda era bonita. Lagos e trechos enormes de matas cortavam no meio. O céu do ártico era uma incrível combinação de azul-turquesa e ouro.
Então havia os gigantes. Dezenas de homens azul-brilhantes, cada um com nove metros de altura e o cabelo cinza congelado, vadeando através das florestas, pescando na baía e caminhando nas montanhas. Os mortais não pareciam notá-los. O táxi passou a poucos metros de um que estava sentado na margem de um lago de lavando seus pés, mas o motorista não entrou em pânico.
— Hum... — Frank apontou para o cara azul.
— Hiperbóreos — Percy falou. Ele ficou surpreso por lembrar o nome. — Gigantes do Norte. Lutei algumas vezes contra eles quando Cronos invadiu Manhattan.
— Espere — disse Frank. — Quando quem fez o quê?
— É uma longa história. Mas esses caras parecem... eu não sei... pacíficos.
— Eles geralmente são — Hazel concordou. — Eu me lembro deles. Estão em toda parte no Alasca, como os ursos.
— Ursos? — Frank disse nervosamente.
— Os gigantes são invisíveis para os mortais — Hazel continuou — nunca me incomodaram, apesar de um ter praticamente pisado em mim por acidente uma vez.
Isso soou bastante incômodo para Percy, mas o táxi continuou indo em frente. Nenhum dos gigantes deu-lhes qualquer atenção. Um estava à direita no cruzamento da Estrada Luzes do Norte, com uma perna de cada lado da estrada, e eles passaram entre suas pernas. O hiperbóreo estava embalando um mastro de totem indígena envolto em peles, cantarolando a ele como um bebê. Se o cara não fosse do tamanho de um prédio, seria quase fofo.
O táxi dirigiu pelo centro da cidade, passando por um monte de lojas de turistas anunciando peles, arte Nativa Americana e ouro. Percy esperava que Hazel não ficasse agitada e fizesse as lojas de joias explodirem.
Quando o motorista se virou e foi em direção ao litoral, Hazel bateu na divisória de vidro.
— Aqui está bom. Você pode nos deixar sair?
Eles pagaram o motorista e desceram na Quarta Avenida. Comparada à Vancouver, Anchorage era minúscula – mais parecida com um campus universitário do que com uma cidade, mas Hazel olhou espantada.
— Está enorme — disse ela. — Aqui... Aqui é onde o Hotel Gitchell costumava ser. Minha mãe e eu ficamos lá na nossa primeira semana no Alasca. E eles mudaram o City Hall. Costumava ser lá.
Ela levou-os pasmada por alguns quarteirões. Eles realmente não tinham um plano além de encontrar o caminho mais rápido para a Geleira Hubbard, mas Percy sentiu cheiro de alguém cozinhando perto – salsicha, talvez? E percebeu que não tinha comido desde aquela manhã na casa da avó de Zhang.
— Comida — ele anunciou. — Vamos.
Eles encontraram um café junto à praia. Estava lotado de pessoas, mas eles dividiram uma mesa na janela e folhearam os menus.
Frank gritou com prazer.
— Café da manhã vinte e quatro horas!
— É, tipo, hora do jantar — disse Percy, embora não pudesse dizer só de olhar para fora.
O sol estava tão alto, que poderia ser meio-dia.
— Eu amo café da manhã — disse Frank. — Eu comeria café da manhã, café da manhã e café da manhã se eu pudesse. Apesar de, hum, tenho certeza de que a comida aqui não é tão boa quanto a da Hazel.
Hazel deu uma cotovelada nele, mas seu sorriso era brincalhão. Vê-los assim deixava Percy feliz. Aqueles dois definitivamente precisavam ficar juntos. Mas também o deixava triste. Ele pensou em Annabeth, e perguntou se ele viveria por tempo o suficiente para vê-la novamente.
Pense positivo, disse a si mesmo.
— Você que sabe, café da manhã parece ótimo.
Todos pediram enormes pratos de ovos, panquecas e salsichas de rena, embora Frank parecesse um pouco preocupado sobre as renas.
— Você acha que está tudo bem estarmos comendo Rudolph?
— Cara — Percy disse. — Eu poderia comer Prancer e Blitzen, também. Estou com fome.
A comida estava excelente. Percy nunca tinha visto ninguém comer tão rápido como Frank. A rena de nariz vermelho não teve chance.
Entre mordidas de panquecas de amora, Hazel desenhou umas curvas irregulares e um X no seu guardanapo.
— Então é isso que estou pensando. Nós estamos aqui — ela mostrou o X — Anchorage.
— Isso parece uma cara de gaivota — disse Percy. — Nós estamos no olho.
Hazel olhou para ele.
— É um mapa, Percy. Anchorage é no topo deste pedaço de mar, Enseada de Cook. Há uma grande península de terra abaixo de nós, e minha velha cidade natal, Seward, está na parte inferior da península, aqui. — Ela desenhou outro X na base da garganta da gaivota. — Essa é a cidade mais próxima da Geleira Hubbard. Nós poderíamos ir ao redor pelo mar, eu acho, mas para isso seria necessário muito tempo. Não temos esse tempo todo.
Frank terminou o último pedaço de seu Rudolph.
— Mas a terra é perigosa — ele lembrou. — Terra significa Gaia.
Hazel assentiu.
— Não vejo que temos muita escolha. Poderíamos ter pedido para o piloto ter nos deixado mais para baixo, mas eu não sei... o seu avião pode ser muito grande para o pequeno aeroporto de Seward. E se nós fretarmos outro avião...
— Sem mais aviões — disse Percy. — Por favor.
Hazel ergueu a mão num gesto apaziguador.
— Tudo bem. Há um trem que vai daqui para Seward. Nós poderíamos ser capazes de pegar um hoje à noite. Leva apenas um par de horas.
Ela desenhou uma linha pontilhada entre os dois cromossomos X.
— Você acabou de cortar a cabeça da gaivota — Percy observou.
Hazel suspirou.
— É a linha do trem. Olha, a partir de Seward, a Geleira Hubbard é aqui em algum lugar. — Ela bateu no canto inferior direito do guardanapo. — É aí que Alcioneu está.
— Mas você não tem certeza do quão distante? — Frank perguntou.
Hazel franziu a testa e balançou a cabeça.
— Tenho certeza de que é acessível somente por barco ou avião.
— Barco — Percy disse imediatamente.
— Tudo bem — Hazel concordou. — Não deve ser muito longe de Seward. Se pudermos chegar a Seward em segurança.
Percy olhou pela janela. Tanta coisa para fazer, e só 24 horas restantes. A esta hora, amanhã, a Festa da Fortuna estaria começando. A menos que eles soltem a Morte e voltem para o acampamento, o exército do gigante irá inundar o vale. Os romanos seriam o prato principal em um jantar de monstro.
Do outro lado da rua, uma gelada praia de areia negra descia para o mar, que era tão liso como o aço. O oceano aqui parecia diferente – ainda poderoso, mas congelando, lento e primitivo. Nenhum deus controlava aquela água, pelo menos não os deuses que Percy conhecia. Netuno não seria capaz de protegê-lo. Percy se perguntava se ele poderia até mesmo manipular a água aqui, ou respirar debaixo d'água.
Um gigante hiperbóreo se movia devagar do outro lado da rua. Ninguém no café notou. O gigante entrou na baía, quebrando o gelo sob suas sandálias, e meteu as mãos na água. Pegou uma baleia assassina em um punho. Aparentemente não era isso que ele queria, porque jogou a baleia de volta e continuou vadeando.
— Bom café da manhã — disse Frank. — Quem está pronto para uma carona de trem?

A estação não estava longe. Eles chegaram bem a tempo de comprar bilhetes para o último trem sentido sul. Quando seus amigos subiram a bordo, Percy disse:
— Estarei com vocês em um segundo — e correu de volta para a estação.
Ele conseguiu fazer câmbio na loja de presentes e ficou na frente do telefone público. Nunca tinha usado um telefone público antes. Eles eram antiguidades estranhas para ele, como os toca-discos de sua mãe ou as fitas-cassete de Frank Sinatra de seu professor Quíron. Não estava certo de quantas moedas precisaria, ou se poderia até mesmo fazer a chamada, assumindo que lembrasse do número correto.
Sally Jackson, pensou. Esse era o nome de sua mãe. E ele tinha um padrasto... Paul.
O que eles pensavam que tinha acontecido à Percy? Talvez já tivessem realizado um serviço memorial. Tanto quanto podia imaginar, tinha perdido sete meses de sua vida. Claro, a maioria disso tinha sido durante o ano letivo, mas ainda assim... não é legal.
Ele pegou o telefone e digitou o número do apartamento da sua mãe em Nova York. Caixa postal. Percy devia ter imaginado. Seria tipo, meia-noite em Nova York. Eles não iriam reconhecer esse número.
Ouvir a voz de Paul na gravação o acertou tão forte no estômago de Percy que ele mal pôde falar após o sinal.
— Mãe — disse ele. — Hey, estou vivo. Ela, hum, me fez dormir por um tempo, então pegou a minha memória, e... — Sua voz vacilou. Como ele poderia explicar tudo isso? — De qualquer forma, estou bem. Sinto muito. Estou em uma missão. — Ele fez uma careta. Ele não devia ter dito isso. Sua mãe sabia tudo sobre suas missões, e agora ela ficaria preocupada. — Vou chegar em casa. Prometo. Te amo.
Ele desligou o telefone. Olhou para o telefone, esperando que ele tocasse de volta. O apito do trem soou. O condutor gritou:
— Todos a bordo!
Percy correu. Conseguiu chegar exatamente quando estavam puxando os degraus para cima, em seguida, subiu até o alto do vagão de dois andares e deslizou em seu assento.
Hazel franziu a testa.
— Você está bem?
— Sim — ele resmungou. — Apenas... fiz uma ligação.
Ela e Frank pareciam entender isso. Eles não pediram detalhes. Logo estavam indo para o sul ao longo da costa, observando a paisagem passar. Percy tentou pensar sobre a missão, mas para uma criança com TDAH como ele, o trem não era o lugar mais fácil de se concentrar.
Coisas legais continuavam acontecendo lá fora. Águias subiam. O trem corria sobre pontes e ao longo penhascos onde cachoeiras glaciais caiam por milhares de metros nas rochas. Passaram florestas enterradas em montes de neve, grandes armas de artilharia (para detonar pequenas avalanches e prevenir as descontroladas, Hazel explicou), e lagos tão claros que refletiam as montanhas como espelhos, como se o mundo parecesse de cabeça para baixo.
Os ursos pardos se moviam devagar através dos prados. Gigantes hiperbóreos continuavam aparecendo nos lugares mais estranhos. Um deles estava relaxando em um lago como se fosse uma banheira de água quente. Outro estava usando um pinheiro como um palito de dentes. Um terceiro estava sentado em um monte de neve, jogando com dois alces vivos como se fossem figuras de ação. O trem estava cheio de turistas fazendo exclamações e tirando fotos, mas Percy sentia pena por eles não poderem ver os hiperbóreos. Estavam perdendo fotos muito boas.
Enquanto isso, Frank estudava um mapa do Alasca, que tinha encontrado no bolso do assento. Ele localizou a Geleira Hubbard, que parecia desanimadoramente longe de Seward. Continuou correndo o dedo ao longo da costa, franzindo a testa com concentração.
— O que você está pensando? — Percy perguntou.
— Apenas... possibilidades — disse Frank.
Percy não sabia o que aquilo significava, mas deixou-o quieto. Após cerca de uma hora, Percy começou a relaxar. Eles compraram chocolate quente do carrinho de jantar. Os assentos estavam quentes e confortáveis, e ele pensou em tirar uma soneca.
Em seguida, uma sombra passou em cima deles. Turistas murmuraram excitados e começaram a tirar fotos.
— Águia! — Um gritou.
— Águia? — Disse outro.
— Águia enorme! — um terceiro exclamou.
— Isso não é uma águia — Frank discordou.
Percy olhou para cima a tempo de ver a criatura fazer uma segunda passagem. Era definitivamente maior do que uma águia, com um corpo negro lustroso do tamanho de um labrador. Sua envergadura era, pelo menos, de três metros.
— Há outra! — Frank apontou. — Veja isso. Três, quatro. Ok, estamos em apuros.
As criaturas circulavam o trem como abutres, deliciando os turistas. Percy não estava feliz. Os monstros tinham brilhantes olhos vermelhos, bicos afiados, garras e calcanhares odiosos.
Percy sentiu sua caneta no bolso.
— Essas coisas parecem familiares...
— Seattle — disse Hazel. — As Amazonas tinham um em uma gaiola. São...
Em seguida, várias coisas aconteceram ao mesmo tempo. O freio de situação de emergência guinchou, lançando-os para frente. Turistas gritaram e caíram pelos corredores. Os monstros mergulham, quebrando o telhado de vidro do vagão, e o trem inteiro caiu para fora dos trilhos.

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