quinta-feira, 17 de outubro de 2013

II - Annabeth






UM MAR DE SEMIDEUSES PARTIU-SE AS PRESSAS para Annabeth à medida que ela caminhava através do fórum. Alguns pareciam tensos, nervosos. Alguns estavam com bandagens da sua recente batalha com os gigantes, mas ninguém estava armado. Ninguém atacou.
Famílias inteiras se espremiam para ver os recém chegados. Annabeth viu casais com seus bebês, crianças agarradas nas pernas de seus pais, até algumas pessoas idosas com uma combinação de togas romanas e roupas modernas. Será que eram todos semideuses?
Annabeth suspeitava que sim, embora nunca tivesse visto um lugar como esse. No Acampamento Meio-Sangue, a maioria dos semideuses era adolescente. Se eles sobrevivessem tempo suficiente para se formar no segundo grau, eles ficavam como conselheiros ou partiam para viver suas vidas do melhor jeito que pudessem no mundo dos mortais. Aqui, havia uma comunidade inteira de várias gerações.
Lá longe, no fim da multidão, Annabeth localizou Tyson, o ciclope, e o cão infernal de Percy, Sra. O‘Leary – que tinham sido o primeiro grupo de busca do Acampamento Meio-Sangue a chegar ao acampamento Júpiter. Eles pareciam estar de bom humor. Tyson acenava e sorria. Ele estava usando uma bandeira SPQR como um babador gigante. Em alguma parte de sua mente, Annabeth registrava o quão linda essa cidade – o cheiro que vinha das padarias, as fontes gorgolejando, as flores se abrindo nos jardins. E a arquitetura... Deuses, a arquitetura – colunas de mármore dourado, mosaicos deslumbrantes, arcos monumentais e vilas com terraços.
À sua frente, os semideuses abriram caminho para uma garota que usava uma armadura romana completa e uma capa roxa. Cabelos negros caiam pelos seus ombros. Os olhos dela eram negros como obsidiana. Reyna.
Jason havia descrito ela muito bem. Mas mesmo sem isso, Annabeth a teria distinguido como líder. Medalhas decoravam sua armadura. Ela se impunha com tanta confiança que os outros semideuses davam um passo para trás e desviavam o olhar.
Annabeth percebeu alguma coisa a mais no semblante dela também – no jeito crispado de sua boca e no modo deliberado com que ela levantava o queixo como se estivesse pronta pra aceitar qualquer desafio. Reyna estava forçando uma imagem de coragem, enquanto lá no fundo ela escondia uma mistura de esperança e preocupação e medo que não podia mostrar em público.
Annabeth conhecia aquela expressão. Ela a via toda vez que se olhava em um espelho. As duas garotas avaliaram uma à outra. Os amigos de Annabeth se postaram ao lado dela. Os romanos murmuravam o nome de Jason e o olhavam com reverência.
Então mais alguém apareceu do meio da multidão e a visão de Annabeth só o focalizava.
Percy sorriu pra ela – aquele sorriso sarcástico, de quem aprontou alguma que a irritara por anos mas eventualmente havia se tornado cativante. Os olhos verde-mar dele eram tão lindos quanto ela se lembrava. Seu cabelo negro estava penteado para um lado, como se ele tivesse acabado de chegar de uma caminhada na praia. Ele parecia bem melhor do que há seis meses atrás – mais bronzeado e mais alto, mais magro e mais musculoso.
Annabeth estava muito aturdida para se mexer. Ela tinha a sensação de que se chegasse mais perto dele, todas as moléculas do seu corpo podiam entrar em combustão. Tinha uma quedinha secreta por ele desde que tinham doze anos. No último verão, ela se apaixonou por ele de verdade. Eles formaram um casal feliz por quatro meses – e então ele desapareceu.
Durante a separação, alguma coisa tinha acontecido com os sentimentos de Annabeth. Eles aumentaram com uma intensidade dolorosa – como se ela tivesse sido forçada a se afastar de um remédio do qual sua vida dependia. Agora ela não tinha muita certeza do que seria mais excruciante – viver com aquela sensação horrível de abstinência ou ficar com ele de novo.
A pretora Reyna se empertigou. Com aparente relutância, dirigiu- se a Jason.
— Jason Grace, meu antigo colega... — Ela disse a palavra colega como se isso fosse algo perigoso. — Eu lhe dou as boas vindas ao lar. E esses, seus amigos...
Annabeth não tinha a intenção, mas ela se impulsionou para frente. Percy correu na direção dela ao mesmo tempo. A multidão ficou tensa. Alguns tentaram alcançar espadas que não estavam lá.
Percy jogou os braços ao redor dela. Eles se beijaram e por um momento nada mais importava. Um asteroide poderia ter colidido com o planeta e extinguido toda a vida e Annabeth não teria se importado.
Percy tinha o cheiro da brisa do oceano. Seus lábios eram salgados.
Cabeça de Alga, ela pensou vertiginosamente.
Percy a puxou e estudou seu rosto.
— Deuses, eu nunca pensei...
Annabeth o agarrou pela cintura e o virou por cima de seu ombro. Ele bateu no piso de pedra. Os romanos exclamaram. Alguns se arremessaram para frente, mas Reyna ordenou:
— Parem, fiquem em seus postos!
Annabeth colocou o joelho sobre o peito de Percy. Ela pressionou o antebraço na garganta dele. Ela não se importava com o que os romanos estavam pensando. Uma massa branca e quente de raiva se expandiu no peito dela – um tumor de preocupação e amargura que ela carregava desde o último outono.
— Se você me deixar de novo... — ela disse, os olhos dela faiscavam — Eu juro por todos os deuses...
Percy teve a ousadia de rir. De repente a massa fervente de emoções se derreteu dentro de Annabeth.
— Considere-me avisado — Percy disse. — Eu também senti sua falta.
Annabeth se ergueu e o ajudou a se levantar. Ela queria beijá-lo tão desesperadamente, mas conseguiu se conter.
Jason limpou a garganta.
— Então, sim... É bom estar de volta.
Ele apresentou Reyna a Piper, que parecia um pouco aborrecida por não ter conseguido dizer as palavras que ela tinha praticado, depois a Leo, que sorriu e fez um sinal de paz.
— E essa é Annabeth — Jason disse — Hã, normalmente ela não aplica golpes de judô nas pessoas.
Os olhos de Reyna brilharam.
— Tem certeza de que você não é romana Annabeth? Ou uma amazona?
Annabeth não sabia se isso era um elogio, mas ela estendeu a mão.
— Eu só ataco meu namorado desse jeito — ela prometeu. — Prazer em te conhecer.
Reyna apertou a mão dela com firmeza.
— Parece que nós temos muito a discutir. Centuriões!
Alguns dos campistas romanos correram à frente – aparentemente os oficiais seniores. Dois jovens apareceram ao lado de Percy, os mesmos que Annabeth tinha visto se confraternizando com ele antes. O rapaz corpulento asiático com o cabelo raspado devia ter uns quinze anos. Ele era fofo de um jeito urso panda tamanho grande. A garota era mais jovem, talvez uns treze anos, com olhos âmbar, pele cor de chocolate e um longo cabelo cacheado. O capacete de cavalaria dela estava enfiado embaixo do braço.
Annabeth podia dizer pela linguagem corporal que eles se sentiam próximos a Percy. Eles pararam ao lado dele, de um jeito protetor, como se já tivessem dividido várias aventuras. Ela lutou contra uma pontada de ciúme. Será que Percy e essa garota... Não. A química entre os três não era desse tipo. Annabeth tinha passado a sua vida inteira aprendendo a ler as pessoas. Era uma habilidade de sobrevivência. Se ela tivesse que apostar, diria que o grandalhão asiático era o namorado da garota, embora ela suspeitasse que eles não estivessem juntos há muito tempo.
Havia uma coisa que ela não entendia. O que a garota estava olhando? Ela continuava franzindo a testa na direção de Piper e Leo, como se ela reconhecesse um deles e a memória fosse dolorosa.
Enquanto isso, Reyna estava dando ordens para seus oficiais.
— ...Diga à legião para se retirar. Dakota, alerte os espíritos na cozinha. Diga-lhes para preparar uma festa de boas-vindas. E Octavian...
— Você está permitindo que esses intrusos entrem no acampamento? — Um cara alto com o cabelo viscoso e loiro estava abrindo caminho à cotoveladas. — Reyna, os riscos à segurança...
— Nós não estamos levando-os ao acampamento, Octavian — Reyna o fulminou com o canto dos olhos. — Nós vamos comer aqui, no fórum.
— Ah, muito melhor. — Octavian retrucou. Ele parecia ser o único que não admitia Reyna como sua superior, fora o fato dele ser magricela e pálido e por alguma razão tinha três ursinhos de pelúcia pendurados em seu cinto. — Você quer que nós relaxemos à sombra do navio de guerra deles.
— Eles são nossos convidados — Reyna destacou bem cada sílaba. — Nós vamos recebê-los e conversar com eles. Como sacerdote, você devia queimar alguma oferenda para agradecer aos deuses por nos trazerem Jason de volta em segurança.
— Boa ideia — Percy se meteu. — Vá queimar seus ursinhos, Octavian.
Reyna parecia que estava tentando não rir.
— Você tem minhas ordens. Vá.
Os oficiais dispersaram. Octavian disparou um olhar de absoluta repugnância para Percy. Depois olhou com suspeita para Annabeth de novo e então se afastou.
Percy deslizou sua mão sobre a de Annabeth.
— Não se preocupe com Octavian — ele disse. — A maioria dos romanos é gente boa, como Frank e Hazel aqui, e Reyna. Nós vamos ficar bem.
Annabeth sentiu como se alguém tivesse enrolado uma toalhinha gelada em seu pescoço. Ela ouviu aquele sussurro gargalhando de novo, como se a presença tivesse seguido ela desde o navio.
Ela olhou para o Argo II. Aquele casco de bronze maciço cintilando à luz do sol. Parte dela queria pegar Percy agora mesmo, subir a bordo, e dar o fora daqui enquanto ainda podiam. Ela não conseguia se livrar daquela sensação de que alguma coisa estava para dar terrivelmente errado. E de jeito nenhum ela se arriscaria a perder Percy novamente.
— Nós vamos ficar bem — ela repetiu, tentando se convencer disso.
— Excelente — Reyna disse. Ela se virou para Jason, e Annabeth achou que havia um tipo de brilho de desejo nos olhos dela. — Vamos conversar e vamos ter uma reunião apropriada.

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