quinta-feira, 17 de outubro de 2013

XLI - Piper






PIPER TENTOU TIRAR O MELHOR DA SITUAÇÃO.
Uma vez que ela e Jason tinham se cansado de andar pelo convés, ouvindo o treinador Hedge cantar “Velho MacDonald” (com armas em vez de animais), eles decidiram fazer um piquenique no parque.
Hedge concordou a contragosto.
— Fiquem onde eu possa vê-los.
— O que nós somos, crianças? — Jason perguntou.
Hedge bufou.
— Crianças são cabritinhos. São bonitos e eles têm um grande valor social. Vocês definitivamente não são crianças.
Eles estenderam seu cobertor debaixo de um salgueiro ao lado de uma lagoa. Piper virou sua cornucópia e derramou uma refeição completa de sanduíches embrulhados ordenadamente, bebidas enlatadas, frutas frescas e (por alguma razão) um bolo de aniversário com cobertura roxa e velas já acesas.
Ela franziu o cenho.
— É o aniversário de alguém?
Jason fez uma careta.
— Eu não ia dizer nada.
— Jason!
— Há muita coisa acontecendo. E sinceramente... Antes do mês passado eu nem sabia quando era meu aniversário. Thalia me disse na última vez que ela esteve no acampamento.
Piper se perguntou como seria aquilo... nem mesmo saber o dia em que nasceu. Jason tinha sido dado à Lupa, a loba, quando tinha apenas dois anos de idade. Ele nunca tinha conhecido sua mãe mortal. Só reuniu-se com sua irmã no último inverno.
— Primeiro de julho — disse Piper. — O Calendas de Julho.
— Sim — Jason sorriu. — Os romanos tinham de achar aquilo auspicioso... o primeiro dia do mês nomeado para Júlio César. Dia sagrado de Juno. Êee.
Piper não queria pressioná-lo ou fazer uma festa se ele não tinha vontade de celebrar.
— Dezesseis? — ela perguntou.
Ele acenou com a cabeça.
— Oh, eu posso tirar minha carteira de motorista.
Piper riu. Jason havia matado tantos monstros e salvou o mundo tantas vezes que a ideia de ele suar em um teste de condução parecia ridículo. Imaginou-o ao volante de algum Lincoln velho com um sinal de MOTORISTA ESTUDANTE no topo e um professor mal humorado no banco do passageiro com um pedal de freio de emergência.
— Bem — ela insistiu. — Quer soprar as velas?
Jason soprou. Piper se perguntou se ele havia feito um desejo, esperando que ele e Piper fossem sobreviver a essa missão e ficar juntos para sempre. Ela decidiu não perguntar. Não queria azarar aquele desejo e definitivamente não queria descobrir se ele desejava algo diferente.
Desde que deixaram as Colunas de Hércules na noite anterior, Jason parecia distraído. Piper não podia culpá-lo. Hércules tinha sido uma decepção muito grande como irmão mais velho e o velho deus do rio, Aqueloo, tinha dito algumas coisas pouco gentis sobre os filhos de Júpiter.
Piper olhou para a cornucópia. Ela se perguntou se Aqueloo estava se acostumando a não ter chifres. Esperava que sim. Claro, ele tinha tentado matá-los, mas Piper ainda se sentia mal pelo velho deus. Não entendia como tal espírito, solitário e deprimido poderia produzir um corno da abundância que derrama abacaxis e bolos de aniversário. Será que a cornucópia drenou toda a bondade dele? Talvez agora que o chifre se foi, Aqueloo seria capaz de encher-se com um pouco de felicidade e mantê-la para si mesmo.
Ela também estava pensando no conselho de Aqueloo: Se vocês tivessem chegado em Roma, a história da inundação teria lhe servido melhor. Ela sabia de que história ele estava falando. Ela só não entendia como poderia ajudar.
Jason pegou uma vela apagada de seu bolo.
— Eu estive pensando.
O que trouxe Piper volta ao presente num estalo. Vindo de seu namorado a frase, Eu estive pensando era um tipo de código assustador.
— Sobre? — ela perguntou.
— Acampamento Júpiter. Todos os anos que eu treinei lá. Estávamos sempre pressionando o trabalho em equipe, a trabalhar como uma unidade. Eu pensei que entendia o que aquilo significava. Mas... honestamente? Eu era sempre o líder. Mesmo quando era mais jovem...
— O filho de Júpiter — disse Piper. — O garoto mais poderoso da legião. Você era a estrela.
Jason parecia desconfortável, mas ele não o negou.
— Estar neste grupo de sete... Eu não tenho certeza do que fazer. Não estou acostumado a ser um de muitos... bem... iguais. Sinto que estou falhando.
Piper pegou sua mão.
— Você não está falhando.
— Com certeza me senti assim quando Crisaor atacou — Jason disse. — Passei a maior parte dessa viagem nocauteado e indefeso.
— Vamos — ela repreendeu. — Ser um herói não significa que você é invencível. Significa apenas que você é corajoso o suficiente para se levantar e fazer o que é necessário.
— E se eu não souber o que é necessário?
— É para isso que seus amigos estão com você. Todos nós temos pontos fortes diferentes. Juntos, nós vamos descobrir.
Jason a estudou. Piper não tinha certeza de que ele havia engolido o que ela estava dizendo, mas estava feliz por ele poder confiar nela. Ela gostava que ele tivesse um pouco de dúvida sobre si mesmo. Ele não teve sucesso o tempo todo. Não achava que o universo lhe devia um pedido de desculpas sempre que algo dava errado, ao contrário de um outro filho do deus dos céus que ela recentemente encontrou.
— Hércules era um idiota — disse ele, como se lesse seus pensamentos. — Eu nunca quero ser assim. Mas eu não teria tido a coragem de enfrentá-lo sem você assumir a liderança. Você foi a heroína daquela vez.
— Nós podemos revezar — sugeriu.
— Eu não te mereço.
— Você não está autorizado a dizer isso.
— Por que não?
— É a linha limite para a separação. A menos que você esteja terminando...
Jason inclinou-se e beijou-a. As cores da tarde romana de repente pareceram mais nítidas, como se o mundo tivesse mudado para a alta definição.
— Sem rompimentos — ele prometeu. — Eu posso ter arrebentado minha cabeça algumas vezes, mas eu não sou tão estúpido.
— Bom. Agora, sobre o bolo...
Sua voz vacilou. Percy Jackson estava correndo na direção deles e Piper podia dizer pela sua expressão que ele trazia más notícias. Eles se reuniram no convés para que o treinador Hedge pudesse ouvir a história. Quando Percy terminou, Piper ainda não podia acreditar.
— Então Annabeth foi sequestrada em uma scooter — ela resumiu — por Gregory Peck e Audrey Hepburn.
— Não sequestrada, exatamente — Percy disse. — Mas eu tenho uma sensação ruim... — Ele respirou fundo, como se estivesse tentando não pirar. — De qualquer forma, ela... ela se foi. Talvez eu não devesse tê-la deixado ir, mas...
— Você tinha que deixá-la — Piper interrompeu. — Você sabia que ela tinha de ir sozinha. Além disso, Annabeth é durona e inteligente. Ela vai ficar bem.
Piper colocou um pouco de charme em sua voz, o que talvez não fosse legal, mas Percy precisava ser capaz de se concentrar. Se eles fossem para a batalha, Annabeth não iria querer que ele se machucasse por estar distraído demais com ela.
Seus ombros relaxaram um pouco.
— Talvez você esteja certa. Enfim, Gregory... quero dizer Tiberino... disse que tínhamos menos tempo para resgatar Nico do que pensávamos. Hazel e os caras não estão de volta ainda?
Piper verificou o tempo no controle do leme. Ela não tinha percebido como estava ficando tarde.
— São duas da tarde. Dissemos três horas para um encontro.
— No mais tardar — disse Jason.
Percy apontou para adaga de Piper.
— Tiberino disse que você poderia encontrar a localização de Nico... você sabe, com isso.
Piper mordeu o lábio. A última coisa que queria fazer era verificar Katoptris para mais imagens assustadoras.
— Eu tentei. A adaga nem sempre mostra o que eu quero ver. Na verdade, ela quase nunca mostra.
— Por favor — Percy insistiu. — Tente outra vez.
Ele implorou com aqueles olhos verde-mar, como um filhote de foca bonitinho que precisava de ajuda. Piper se perguntou como Annabeth já ganhara uma discussão com esse cara.
— Tudo bem... — ela suspirou e tirou sua adaga.
— Enquanto você faz isso — disse o treinador Hedge — veja se pode obter os últimos resultados de beisebol. Os italianos não cobrem beisebol, feijãozinho.
— Shh
Piper estudou a lâmina de bronze. A luz brilhou. Ela viu um loft cheio de semideuses romanos. Uma dúzia deles ficou em torno de uma mesa de jantar, Octavian falou e apontou para um grande mapa. Reyna andou ao lado da janela, olhando para baixo no Central Park.
— Isso não é bom — Jason murmurou. — Eles já criaram uma base avançada em Manhattan.
— E esse mapa mostra Long Island — Percy acrescentou.
— Eles estão sondando o território — Jason adivinhou. — Discutindo rotas de invasão.
Piper não queria ver isso. Ela se concentrou mais. Luz ondulou através da lâmina. Ela viu ruínas – algumas paredes em ruínas, uma única coluna, um chão de pedra coberto de musgo e videiras mortas, tudo agrupado em uma encosta gramada pontilhada de pinheiros.
— Eu estive lá — disse Percy. — É no velho Fórum.
A visão ampliou. De um lado do piso de pedra, um conjunto de escadas tinha sido escavado, levando até um moderno portão de ferro, com um cadeado. A imagem da lâmina se ampliou diretamente através da porta, descendo uma escada espiral e em uma câmara escura, cilíndrica como o interior de um silo de grãos.
Piper soltou a lâmina.
— O que há de errado? — Jason perguntou. — Ela estava nos mostrando algo.
Piper sentiu como se o barco estivesse de volta ao oceano, balançando sob seus pés.
— Nós não podemos ir para lá.
Percy franziu a testa.
— Piper, Nico está morrendo. Nós temos que encontrá-lo. Sem mencionar que Roma está prestes a ser destruída.
A voz dela não queria sair. Ela manteve essa visão da sala circular para si por tanto tempo, que agora era impossível falar sobre ela. Tinha uma sensação horrível de que explicar para Percy e Jason não mudaria nada. Ela não podia parar o que estava para acontecer.
Ela pegou a faca novamente. Seu cabo parecia mais frio do que o habitual. Obrigou-se a olhar para a lâmina. Ela viu dois gigantes em armaduras de gladiador sentados em cadeiras de pretores superdimensionadas. Os gigantes brindavam com taças de ouro, como se tivessem acabado de ganhar uma luta importante. Entre eles estava um grande jarro de bronze.
A visão ampliou novamente. Dentro do frasco, Nico di Angelo estava enrolado em uma bola, não mais em movimento, todas as sementes de romã comidas.
— Nós estamos atrasados — disse Jason.
— Não — Percy discordou. — Não, eu não posso acreditar nisso. Talvez ele tenha entrado em um transe profundo para ganhar tempo. Temos que nos apressar.
A superfície da lâmina ficou escura. Piper colocou-a de volta em sua bainha, tentando manter suas mãos firmes. Ela esperava que Percy estivesse certo e Nico ainda estivesse vivo. Por outro lado, não via como aquela imagem estava ligada com a visão da sala de afogamento. Talvez os gigantes estivessem brindando porque ela, Percy e Jason estivessem mortos.
— Devemos esperar pelos outros — ela lembrou — Hazel, Frank e Leo devem estar de volta em breve.
— Nós não podemos esperar — Percy insistiu.
O Treinador Hedge grunhiu.
— São apenas dois gigantes. Se vocês quiserem, eu posso cuidar deles.
— Uh, treinador — Jason disse — isso é uma grande oferta, mas nós precisamos de você para ser o homem no navio... ou cabra no navio. Que seja.
Hedge fez uma careta.
— E deixar vocês três com toda a diversão?
Percy agarrou o braço do sátiro.
— Hazel e os outros precisam de você aqui. Quando eles voltarem, vão precisar de sua liderança. Você é a rocha deles.
— Sim — Jason conseguiu manter uma cara séria. — Leo sempre diz que você é a sua rocha. Pode dizer-lhes onde fomos e trazer o navio de volta para nos encontrar no Fórum.
— E tome — Piper desamarrou Katoptris e colocou-a nas mãos do treinador Hedge.
Os olhos do sátiro se alargaram. Um semideus nunca deveria deixar sua arma para trás, mas Piper estava farta de visões malignas. Ela preferia enfrentar a morte sem mais nenhuma prévia.
— Fique de olho em nós, com a lâmina — sugeriu. — E você pode verificar os placares do basebol.
Aquilo selou o acordo. Hedge assentiu sombriamente, preparado para fazer a sua parte da missão.
— Tudo bem. Mas se algum gigante vier por aqui...
— Sinta-se livre para explodi-los — disse Jason.
— E quanto a turistas irritantes?
— Não — todos disseram em uníssono.
— Bah. Ok. Só não demorem muito ou eu vou atrás de vocês com balistas flamejantes.

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