quinta-feira, 17 de outubro de 2013

XLIV - Piper






O LOCAL ONDE ELES ESTAVAM ENCHIA COM UMA VELOCIDADE ALARMANTE. Piper, Jason e Percy batiam nas paredes procurando por uma saída, mas não encontraram nada. Eles subiram em cima das alcovas para ganhar alguma altura, mas com água saindo de todos os nichos, era como tentar se equilibrar na beira de uma cachoeira. Mesmo que Piper estivesse sobre um desses nichos, a água já estava passando dos seus joelhos. Era provável que o líquido já estivesse com 3 metros de profundidade e subindo rápido.
— Eu poderia tentar usar raios — disse Jason — talvez explodir um buraco no teto?
— Isso poderia derrubar todo o telhado e nos atingir — Piper replicou.
— Ou nos eletrocutar — completou Percy.
— Sem muitas opções — falou Jason.
— Me deixe pesquisar o fundo — disse Percy. — Se este lugar foi construído como uma fonte, tem de existir uma forma de drenar a água. Vocês, procurem nos nichos por saídas secretas. Talvez as conchas sejam botões, ou alguma coisa assim.
Era uma ideia desesperada, mas Piper estava satisfeita por ter alguma coisa para fazer. Percy pulou na água. Jason e Piper subiram de nicho por nicho chutando, batendo e balançando as conchas grudadas nas rochas, mas eles não tiveram sorte.
Mais rápido do que Piper esperava, Percy voltou à superfície, se debatendo e ofegante. Ela ofereceu sua mão e ele quase a derrubou na água antes que ela pudesse ajudá-lo a subir.
— Não posso respirar — ele relatou com a voz alterada — a água... Não é normal. Muito difícil de voltar.
A força vital das ninfas... pensou Piper. A água estava tão envenenada e cheia de malícia, que nem mesmo um filho do deus dos mares poderia controlá-la. À medida que a água subia ao seu redor, Piper sentia que estava sendo afetada também.
Seus músculos da perna tremiam como se ela tivesse corrido por quilômetros. Suas mãos estavam enrugadas e secas, apesar de ela estar no meio de uma fonte. Os garotos se moviam lentamente. O rosto de Jason estava pálido e ele demonstrava estar tendo problemas para segurar sua espada. Percy estava encharcado e tremendo, seu cabelo não parecia tão escuro, era como se a cor estivesse indo embora.
— Elas estão pegando nosso poder — disse Piper — nos drenando.
— Jason — Percy tossiu. — Faça raios.
Jason levantou sua espada, o cômodo retumbou, mas sem raios. O teto não quebrou. Ao invés disso, uma miniatura de tempestade de raios se formou no topo da câmera. Chovendo, enchendo o espaço mais rapidamente, mas não era uma chuva normal. A substância era escura como a da água no poço. Cada gota picando a pele de Piper.
— Não era o que eu queria — Jason falou.
A água estava pouco acima de seus pescoços agora. Piper sentia suas forças enfraquecendo. A história do vovô Tom sobre água canibal era verdade. As ninfas más iam roubar sua vida.
— Nós sobreviveremos — murmurou para si mesma, mas seu charme não a tiraria desta situação.
Logo a água envenenada estaria sobre a cabeça deles. Eles teriam que nadar, mas esta substância estava os paralisando. Iriam se afogar da mesma forma como ela havia visto em suas visões.
Percy começou a empurrar a água para longe com as costas da suas mãos, como se estivesse espantando um cão mau.
— Não consigo... Não consigo controlar isso!
Você terá de me sacrificar, o cão esqueleto havia dito na história. Você deve me jogar na água.
Piper se sentiu como se alguém tivesse agarrado sua nuca e exposto seus ossos. Ela apertou sua cornucópia.
— Nós não podemos lutar com isto — ela disse — se resistirmos, apenas nos tornará mais fracos.
— O que você quer dizer? — gritou Jason através da chuva.
A água estava acima do queixo, alguns centímetros a mais e eles teriam que nadar, mas a água estava a meio caminho para o teto. Piper esperava que isso significasse que eles ainda tivessem tempo.
— O chifre da abundância — ela disse — nós temos de suprir completamente as ninfas com água fresca, dar a elas mais do que elas possam usar. Se nós pudermos diluir essa substância envenenada...
— O chifre pode fazer isso?
Percy estava lutando para manter sua cabeça acima da água, o que obviamente era uma nova experiência para ele. Ele parecia descontroladamente assustado.
— Somente com a sua ajuda.
Piper estava começando a entender como o chifre funcionava. As coisas boas produzidas não vieram do nada. Ela só foi capaz de enterrar Hércules em comidas quando se concentrou em todas as suas experiências positivas com Jason.
Para criar água limpa e fresca suficiente para encher essa sala, precisava ir mais fundo ainda, usar ainda mais suas emoções. Infelizmente, ela estava perdendo a habilidade de concentrar-se.
— Eu preciso de vocês dois para canalizar tudo que vocês têm na cornucópia — ela disse — Percy, pense sobre o mar.
— Água salgada?
— Não importa! Contanto que seja limpa. Jason, pense sobre chuvas com raios... muito mais chuva. Vocês segurem a cornucópia.
Piper tentou lembrar-se das lições de salvamento que seu pai havia dado para ela quando eles começaram a surfar. Para ajudar alguém que está afogando, passe os seus braços ao redor dele e chute as suas pernas na sua frente, movendo para trás como se estivesse fazendo nado de costas. Ela não estava certa se a mesma estratégia poderia funcionar com duas outras pessoas, mas colocou um braço ao redor de cada garoto e tentou mantê-los flutuando com a cornucópia ao redor deles.
Nada aconteceu. A chuva descia ainda escura e ácida.
As pernas de Piper pareciam chumbo. A água subia em redemoinho, ameaçando puxá-la. Ele podia sentir sua força diminuindo.
— Nada bom — Jason gritou cuspindo água.
— Não estamos indo a lugar nenhum — concordou Percy.
— Nós temos que trabalhar juntos — choramingou Piper, esperançosa de que estivesse certa — vocês dois pensem em água limpa, uma tempestade d‘água. Não escondam nada, imaginem todo seu poder, toda a sua força deixando vocês.
— Isso não é difícil — Percy observou.
— Mas force isso — ela disse — ofereça tudo, como se você já estivesse morto e a sua única finalidade fosse ajudar as ninfas. Isto tem de ser um presente... Um sacrifício.
Eles ficaram quietos nessa palavra.
— Vamos tentar novamente — disse Jason — juntos.
Nesta hora, Piper dobrou sua concentração para o chifre da abundância. As ninfas queriam sua juventude, sua vida, sua voz? Certo. Ela desistiu disto tudo voluntariamente e imaginou todo seu poder inundando para fora dela.
Eu já estou morta, ela disse a si mesma, tão calma quanto o cão esqueleto. Este é o único jeito.
Água limpa saiu do chifre com tanta força, que os jogou contra a parede. A chuva mudou para uma torrente branca, tão limpa e gélida, que fez Piper suspirar.
— Está funcionando! — Jason choramingou.
— Bem demais — disse Percy — nós estamos enchendo a sala ainda mais rápido!
Ele estava certo, a água subiu tão rápido que agora o teto estava a apenas alguns centímetros. Piper poderia estender as mãos e tocar nas nuvens de miniatura.
— Não parem! — ela recomendou — Nós temos que diluir o veneno até que as ninfas estejam purificadas.
— E se elas não puderem ser purificadas? — perguntou Jason — Elas tem ficado aqui embaixo fazendo o mal por milhares de anos.
— Apenas não se segure — disse Piper — dê tudo. Mesmo que nós fiquemos abaixo...
Sua cabeça bateu no teto. As nuvens de chuva se dissiparam e derreteram dentro d‘água. O chifre da abundância continuava liberando água limpa.
Piper puxou Jason para perto e o beijou.
— Eu te amo — ela disse.
As palavras apenas saíram dela, assim como a água da cornucópia. Ela não poderia dizer qual foi a reação dele, porque agora eles estavam debaixo d‘água.
Ela segurou sua respiração. A corrente de água rugia em seus ouvidos. Bolhas giravam ao redor dela. Luz percorreu a sala e Piper ficou surpresa que pudesse vê-la. Estava a água ficando mais clara?
Seus pulmões estavam prestes a explodir, mas Piper concentrou suas últimas energias na cornucópia. Água continuava a sair, mesmo que não houvesse mais espaço. Será que as paredes romperiam por causa da pressão?
A visão de Piper escureceu.
Ela pensou que o ruído em seus ouvidos fosse seu batimento cardíaco morrendo. Então se deu conta de que a sala estava tremendo. A água movia-se mais rápido. Piper se sentiu afundando.
Com sua última força, ela chutou para cima. Sua cabeça rompeu até a superfície e ela conseguiu respirar. A cornucópia parou. A água estava esvaziando quase tão rápido quanto havia enchido a sala.
Com alarme, percebeu que os rostos de Percy e Jason ainda estavam debaixo d‘água. Ela os ergueu. Instantaneamente, Percy engoliu em seco e começou a se debater, mas Jason estava tão sem vida quanto uma boneca de pano.
Piper se agarrou a ele, gritou seu nome, sacudiu-o e deu um tapa em sua cara. Ela mal percebeu que toda a água havia escoado e deixado o chão úmido.
— Jason — ela tentou desesperadamente pensar.
Deveria virá-lo de lado? Dar tapas nas suas costas?
— Piper — Percy chamou — eu posso ajudar.
Ele se ajoelhou ao lado dela e tocou a testa de Jason. Água jorrou da boca de Jason. Seus olhos se abriram e um trovão jogou Percy e Piper para trás.
Quando a visão de Piper clareou, ela viu Jason sentado, ainda ofegando profundamente, mas seu rosto já estava voltando a ficar corado.
— Desculpe — ele tossiu — não foi minha intenção.
Piper o atacou com um abraço. Ela o teria beijado, mas não queria sufocá-lo.
— Caso você esteja pensando, era água limpa em seus pulmões. Eu pude fazer sair sem o menor problema — Percy sorriu.
— Obrigado, cara — Jason apertou sua mão sem muita força — mas acho que Piper é a real heroína. Ela salvou todos nós.
Sim, ela salvou. Ecoou uma voz pela câmara.
Os nichos brilhavam. Nove figuras apareceram, mas elas não eram mais criaturas murchas. Elas eram jovens, lindas ninfas em vestidos cintilantes azuis. Seus brilhantes cachos negros estavam presos com presilhas de ouro e prata. Seus olhos com suaves tons de azul e verde.
Enquanto Piper assistia, oito das ninfas se dissolveram em vapor e flutuaram para cima. Apenas a ninfa no centro ficou.
— Hagno? — perguntou Piper.
— Sim, minha querida. Eu não achava que altruísmo existisse em mortais... Especialmente em semideuses — riu a ninfa.
Percy chamou a atenção.
— Como poderíamos nos ofender? Você tentou nos afogar e sugar nossas vidas.
Hagno estremeceu.
— Me desculpe por isso. Não era eu mesma. Mas vocês me lembraram do sol e da chuva, das correntes nas campinas. Percy e Jason, graças a vocês, eu me lembrei do mar e do céu. Estou limpa. Mas, principalmente, graças a Piper. Ela compartilhou algo melhor do que água corrente limpa — Hagno se virou para Piper — você tem uma boa natureza, Piper. Eu sou um espírito da natureza. Sei do que estou falando.
Hagno apontou para o outro lado da sala. As escadas para a superfície reapareceram. Diretamente para baixo, uma abertura circular brilhava, como um cano de esgoto, largo o suficiente para que eles pudessem rastejar por ele. Piper suspeitou que assim que a água foi drenada.
— Vocês podem retornar a superfície — disse Hagno — ou, se vocês insistem, podem seguir o caminho das águas até os gigantes. Mas escolham rápido, porque as duas portas vão desaparecer quando eu me for. Este tubo conecta a linha do aqueduto antigo, que alimenta este nymphaeum e o hipogeu que os gigantes chamam de lar.
— Ugh — Percy apertou suas têmporas — sem mais palavras complicadas.
— Oh, lar não é uma palavra complicada — Hagno parecia completamente sincera — eu achava que era, mas agora vocês nos desligaram deste lugar. Minhas irmãs se foram para procurar por novos lares... Córregos nas montanhas, talvez, ou um lago em um prado. Eu vou segui-las, não posso esperar para ver florestas e pastagens novamente e águas claras correndo.
— Uh — Percy falou nervosamente — as coisas mudaram nos últimos milhares de anos.
— Isso não faz sentido — disse Hagno — o quão ruim isso poderia ser? Pã não permitiria que a natureza se tornasse podre. Eu não posso esperar para vê-lo, na verdade.
Percy aparentou que gostaria de dizer algo, mas ele se calou.
— Boa sorte, Hagno — Piper agradeceu — e obrigada.
Então a ninfa sorriu uma última vez e se vaporizou.
Resumidamente, a ninfa brilhava com uma luz mais suave, como uma lua cheia. Piper sentia o cheiro de especiarias exóticas e rosas florescendo. Ela ouviu música distante e vozes felizes conversando e rindo. Achou que estava ouvindo centenas de anos de festas e celebrações que foram realizadas neste santuário em épocas ancestrais, como se as lembranças tivesse sido liberadas junto com os espíritos.
— O que é isto? — Jason perguntou nervosamente.
Piper colocou suas mãos nas dele.
— Os fantasmas estão dançando. Vamos. É melhor irmos conhecer os gigantes.

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