quinta-feira, 17 de outubro de 2013

XVI - Percy






O TÚNEL SE ESTENDIA ATRAVÉS DO CHÃO para um tanque do tamanho de um ginásio. Exceto pela água e a decoração barata, parecia majestosamente vazio. Percy imaginou que havia cinquenta mil litros de água acima de suas cabeças. Se o túnel rompesse por algum motivo... Não é nada demais, Percy pensou. Já estive cercado por água milhares de vezes. Este é meu ambiente.
Seu coração acelerou... Ele lembrou-se de afundar no pântano frio do Alasca – lama escura cobrindo seus olhos, boca e nariz.
Fórcis parou no meio do túnel e gesticulou com seus braços orgulhosamente.
— Linda exibição, não é?
Percy tentou distrair-se concentrando em detalhes. Em um canto do tanque, aninhada em uma floresta de algas falsas, havia uma casa de campo feita de plástico e biscoito em tamanho real com bolhas saindo pela chaminé. No canto oposto, uma escultura de plástico de um cara em um traje de mergulho antigo ajoelhado ao lado de um baú que abria a cada poucos segundos, soltava bolhas e tornava a fechar. Espalhadas pelo piso de areia branca tinham várias bolas de gude do tamanho de bolas de boliche e uma estranha variedade de armas como tridentes e espingardas. Do lado de fora do tanque tinha um anfiteatro com capacidade para centenas de pessoas.
— O que você guarda aqui? — Frank perguntou — Um peixinho dourado gigante e assassino?
Fórcis levantou suas sobrancelhas.
— Oh, isso seria bom. Mas, não, Frank Zhang, descendente de Poseidon. Este tanque não é para peixinhos dourados.
Em descendente de Poseidon, Frank estremeceu. Ele deu um passo para trás, balançando sua mochila como se fosse uma clava. A sensação de medo escorria pela garganta de Percy como se fosse um xarope para tosse. Infelizmente, era uma sensação que ele estava acostumado.
— Como você sabe o sobrenome do Frank? — ele demandou — Como sabe que ele é um descendente de Poseidon?
— Bem... — Fórcis deu de ombros, tentando parecer modesto. — É provável que pela descrição fornecida por Gaia. Você sabe, pelo prêmio, Percy Jackson.
Percy destampou sua caneta. Instantaneamente, Contracorrente apareceu em sua mão.
— Não tente me enganar, Fórcis. Você me prometeu respostas.
— Após o tratamento VIP, sim — Fórcis concordou. — Eu prometi dizer tudo o que você precisa saber. A coisa é, no entanto, você realmente não precisa saber de nada — seu sorriso grotesco aumentou. — Você vê, mesmo se chegar a Roma, o que é bastante improvável, nunca irá derrotar meus irmãos gigantes sem um deus lutando ao seu lado. E qual deus iria ajudá-lo? Então, tenho um plano melhor. Vocês não irão embora. Vocês são VIPs, Valiosos e Incríveis Prisioneiros!
Percy avançou. Frank atirou a mochila na cabeça do deus do mar. Fórcis simplesmente desapareceu.
A voz do deus reverberou através do sistema de som do aquário, ecoando pelo túnel.
— Sim, bom! Lutar é bom! Perceba, minha mãe nunca confiou a mim grandes tarefas, mas concordou que eu poderia manter qualquer um que eu pegasse. Vocês dois farão uma exposição excelente – a única prole de Poseidon em cativeiro. Semideuses aterrorizantes. Sim, eu gosto disso! Nós já alinhamos um patrocínio com o Mercado Bargain. Vocês podem lutar um com os outro todos os dias, das onze horas da manhã à uma da tarde, com um show às sete horas da noite.
— Você é louco! — Frank gritou.
— Não se subestime! — Fórcis disse. — Vocês serão as nossas maiores atrações!
Frank correu para a saída, apenas para bater em uma parede de vidro. Percy correu para a outra saída e a encontrou bloqueada também. O túnel se tornou numa bolha. Ele colocou a mão contra o vidro e percebeu que estava amolecendo, derretendo como gelo. Logo a água iria inundar tudo.
— Nós não vamos cooperar, Fórcis — ele gritou.
— Oh, eu estou otimista — a voz do deus do mar trovejou. — Se vocês não lutarem um contra o outro de cara, não tem problema! Posso enviar monstros do mar frescos todos os dias. Depois que você se acostumar com a comida daqui, vai ser adequadamente sedado e irá seguir as instruções. Acredite em mim, você vai amar a sua nova casa.
Sobre a cabeça de Percy, a cúpula de vidro rachou e começou a vazar.
— Eu sou filho de Poseidon! — Percy tentou manter o medo fora de sua voz. — Você não pode me aprisionar na água. Aqui é onde sou mais forte.
A risada de Fórcis parecia vir de todos ao seu redor.
— Que coincidência! É também onde eu sou mais forte. Este tanque foi especialmente projetado para conter semideuses. Agora, os dois se divirtam. Vou vê-los na hora do lanche!
A cúpula de vidro quebrou e a água invadiu o túnel.
Percy prendeu a respiração até não aguentar mais. Quando finalmente encheu seus pulmões com água, sentiu como se respirasse normalmente. A pressão da água não o incomodou. Suas roupas nem sequer molharam. Suas habilidades subaquáticas estavam tão boas quanto antes. É apenas uma fobia estúpida, assegurou-se. Eu não vou me afogar. Então ele se lembrou de Frank e imediatamente sentiu uma onda de pânico e culpa. Percy ficou tão preocupado com ele próprio que esqueceu que seu amigo era apenas um descendente distante de Poseidon. Frank não podia respirar debaixo d'água.
Mas onde ele estava? Percy fez um círculo completo. Nada. Então, ele olhou para cima. Pairando sobre ele estava um gigante peixinho-dourado. Frank se transformou – roupa, mochila e tudo mais em uma carpa do tamanho de um adolescente.
Cara. Percy enviou seus pensamentos através da água, da mesma forma como falava com outras criaturas do mar. Um peixinho-dourado?
A voz de Frank voltou para ele: Eu me apavorei. Nós estávamos falando sobre peixinho dourado, então estava na minha mente. Me processe.
Estou tendo uma conversa telepática com uma carpa gigante, Percy disse. Ótimo. Você pode se transformar em algo mais... Útil?
Silêncio. Talvez Frank estivesse se concentrado, embora fosse impossível dizer, pois carpas não têm muitas expressões.
Desculpe. Frank parecia envergonhado. Estou preso. Isso acontece às vezes, quando entro em pânico.
Tudo bem. Percy rangeu os dentes. Vamos descobrir como escapar.
Frank nadou em torno do tanque e não relatou saídas. O topo estava coberto com malha de Bronze Celestial, como as cortinas que vedam as lojas fechadas no shopping. Percy tentou cortar com Contracorrente, mas não conseguia fazer um arranhão. Ele tentou quebrar a parede de vidro com o cabo de sua espada – novamente, sem sorte.
Então repetiu seus esforços com várias das armas que jaziam em torno do fundo do tanque e conseguiu quebrar três tridentes, uma espada e um arpão. Finalmente, tentou controlar a água. Queria que a água expandisse e rompesse o tanque ou explodisse para cima. A água não obedeceu. Talvez estivesse encantada ou sob o poder de Fórcis. Percy concentrou-se até que seus ouvidos estalaram, mas o melhor que podia fazer era explodir a tampa do baú de plástico.
Bem, é isso, pensou desanimado. Vou ter que viver em uma casa de campo feita de plástico e biscoito o resto da minha vida, lutando contra o meu amigo peixinho-dourado gigante e esperando pela hora do lanche.
Fórcis tinha prometido que iria aprender a amar sua nova casa. Percy pensou sobre os telquines, as Nereidas e hipocampos atordoados, todos nadando em círculos, entediados e preguiçosos. O pensamento de acabar assim não ajudou a diminuir seu nível de ansiedade.
Ele se perguntou se Fórcis estava certo. Mesmo que conseguisse escapar, como eles poderiam derrotar os gigantes se os deuses estavam todos incapacitados? Baco poderia ser capaz de ajudar. Ele havia matado os gêmeos gigantes uma vez antes, mas só iria se juntar à luta se recebesse um tributo impossível, e a ideia de dar a Baco qualquer tipo de homenagem fez Percy querer amordaçar-se com um Donut Monstro.
Olha! Frank disse.
Do outro lado do vidro, Ceto estava conduzindo o Treinador Hedge através do anfiteatro, discursando sobre algo enquanto o treinador assentiu e admirou o assento.
Treinador! Percy gritou. Então percebeu que era inútil. O Treinador não poderia ouvir gritos telepáticos.
Frank bateu com a cabeça contra o vidro.
Hedge não pareceu notar. Ceto acompanhou-o rapidamente por todo o anfiteatro. Ela nem mesmo olhou através do vidro, provavelmente porque assumiu que o tanque ainda estava vazio. Ela apontou para a extremidade do quarto, como se dizendo: Vamos. Tem mais monstros do mar terríveis por aqui.
Percy percebeu que tinham apenas alguns segundos antes do Treinador ir embora. Ele nadou atrás deles, mas a água não o ajudou a se mover como sempre acontecia. Na verdade, parecia estar empurrando-o para trás. Ele largou Contracorrente e usou os dois braços. O Treinador Hedge e Ceto estavam a cinco metros da saída.
Em desespero, Percy pegou uma bola de gude gigante e atirou, segurando como se fosse uma bola boliche.
Ela bateu no vidro com um tum – não alto o suficiente para atrair a atenção.
O coração de Percy afundou.
Mas o Treinador Hedge tinha as orelhas de um sátiro. Ele olhou por cima do ombro. Quando viu Percy, sua expressão passou por várias mudanças em questão de microssegundos – incompreensão, surpresa, indignação, em seguida, uma máscara de calma. Antes que Ceto notasse, Hedge apontou em direção ao topo do anfiteatro. Parecia que ele estava gritando, Deuses do Olimpo, o que é isso?
Ceto virou. O treinador Hedge prontamente tirou o pé falso e chutou como um ninja a parte de trás da cabeça dela com seu casco de cabra. Ceto caiu no chão.
Percy estremeceu. Tendo sido acertado recentemente na cabeça sentiu uma pontada de simpatia, mas nunca ficou tão feliz em ter um acompanhante que gostava de lutas de artes marciais mistas em gaiolas. Hedge correu para o vidro. Ele ergueu as mãos, tipo: O que você está fazendo aí, Jackson?
Percy deu um soco no vidro e disse sem emitir som: Quebre isso!
Hedge gritou uma pergunta que poderia ter sido: Onde está Frank?
Percy apontou para a carpa gigante.
Frank acenou com a barbatana dorsal esquerda.
Sup?
Atrás de Hedge, a deusa do mar começou a se mover. Percy apontou freneticamente. Hedge sacudiu a perna como se ele estivesse se preparando para seu chute de casco, mas Percy agitou os braços.
Não. Eles não podiam ficar golpeando Ceto na cabeça para sempre. Como ela era imortal, não ficaria no chão e isso não iria tirá-los deste tanque. Era só uma questão de tempo antes Fórcis voltasse para verificá-los.
Em três, Percy falou sem emitir som, segurando três dedos e, em seguida, apontando para o vidro todos nós vamos bater ao mesmo tempo.
Percy nunca tinha sido bom em charadas, mas Hedge assentiu como se entendesse. Bater nas coisas era uma língua que o sátiro conhecia bem.
Percy levantou outra bolinha de gude gigante.
Frank, vamos precisar de você também. Você já pode mudar de forma? Talvez voltar a forma humana. Humano serve! Apenas segure sua respiração. Se isso funcionar...
Ceto se pôs de joelhos. Não tinham tempo a perder. Percy contou nos dedos. Um, dois, três!
Frank voltou ser humano e empurrou o ombro contra o vidro. O Treinador fez um chute giratório com o casco ao estilo Chuck Norris. Percy usou toda a sua força para bater a bola na parede, mas ele fez mais do que isso. Ele pediu a água para obedecê-lo e desta vez se recusou a aceitar um não como resposta. Ele sentiu toda a pressão acumulada no interior do tanque e ele a comandou. A água gostava de ser livre. Com o tempo, a água pode superar qualquer barreira e ela odiava ser contida, assim como Percy. Ele pensou em voltar para Annabeth. Pensou em destruir esta prisão horrível para criaturas do mar. Pensou em estar enfiando o microfone na garganta feia de Fórcis.
Cinquenta mil litros de água responderam a sua raiva. A parede de vidro rachou. Sugiram várias fissuras em ziguezague a partir do ponto de impacto e de repente o tanque explodiu. Percy foi sugado para fora em uma torrente de água. Ele caiu no chão em frente ao anfiteatro com Frank, algumas bolinhas de gude grandes e um amontoado de algas de plástico. Ceto estava se levantando quando a estátua do mergulhador caiu sobre ela como se quisesse um abraço.
O treinador Hedge cuspiu água salgada.
— Pela flauta de Pã, Jackson! O que você estava fazendo lá?
— Fórcis! — Percy balbuciou. — Armadilha! Corra!
Alarmes soaram quando eles fugiram das exposições. Eles correram, passando pelo tanque das Nereidas e depois dos telquines.
Percy queria libertá-los, mas como? Eles estavam drogados e lentos, e eram criaturas do mar. Não iriam sobreviver, a menos que encontrasse uma maneira de transportá-los para o oceano. Além disso, se Fórcis os pegara, Percy tinha certeza de que o poder do deus do mar iria superar o seu. E Ceto estaria atrás deles também, pronta para usá-los como lanche para seus monstros do mar.
Eu voltarei, Percy prometeu, mas se as criaturas em exposição podiam ouvi-lo, não deram nenhum sinal.
No sistema de som, a voz Fórcis trovejou:
— Percy Jackson!
Vasos luminosos e brilhantes explodiram aleatoriamente. Donuts com aroma de fumaça encheram os salões. Cinco ou seis diferentes tipos de musicas dramáticas soaram simultaneamente dos alto-falantes. Luzes estalavam e pegavam fogo como se todos os efeitos especiais no prédio foram acionados ao mesmo tempo.
Percy, Treinador Hedge e Frank tropeçaram para fora do túnel de vidro e voltaram para a sala do tubarão-baleia. A seção mortal do aquário estava cheia de gente gritando – famílias e grupos de acampamento em execução corriam em todas as direções enquanto a equipe corria em torno freneticamente, tentando assegurar a todos que era apenas um sistema de alarme com defeito.
Percy sabia o que aconteceria. Ele e seus amigos se juntaram aos mortais e correram para a saída.

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