quinta-feira, 17 de outubro de 2013

XXXII - Percy







EM CIRCUNSTÂNCIAS DIFERENTES, passear por Roma com Annabeth teria sido bastante impressionante. Eles deram as mãos enquanto caminhavam pelas ruas sinuosas, se esquivando de carros e loucos motoristas de Vespa, espremendo-se através de multidões de turistas e passando através de mares de pombos. O dia esquentava rapidamente. Uma vez que eles se afastaram das principais vias lotadas de carros, o ar cheirava a pão e flores recém-colhidas.
Se encaminharam para o Coliseu, porque este era um marco fácil, no entanto chegar lá se provou mais difícil do que Percy havia antecipado. Tão grande e confusa como a cidade tinha parecia de cima, no chão era ainda pior. Várias vezes se perderam em ruas sem saída. Eles encontraram belas fontes e enormes monumentos por acidente.
Annabeth comentou sobre a arquitetura, mas Percy manteve os olhos abertos para outras coisas. Uma vez ele viu um fantasma roxo brilhante – um lar – encarando-os da janela de um prédio de apartamentos. Outra vez viu uma mulher vestida de branco – talvez uma ninfa ou deusa – segurando uma faca de aparência maligna, deslizando entre as colunas em ruínas em um parque público. Nada os atacou, mas Percy sentia que estavam sendo observados, e os observadores não eram amigáveis.
Finalmente chegaram ao Coliseu, onde uma dezena de caras em trajes baratos de gladiadores brigava com policiais – espadas de plástico contra cassetetes. Percy não tinha certeza do que se tratava, mas ele e Annabeth decidiram continuar caminhando. Às vezes, mortais eram ainda mais estranhos do que monstros.
Eles fizeram o seu caminho por oeste, parando de vez em quando para pedir orientações da direção do rio. Percy não tinha considerado que – dãh – pessoas na Itália falavam italiano. Como se percebeu, porém, não era um grande problema. As poucas vezes que alguém se aproximou deles na rua e fizeram uma pergunta, Percy apenas aparentou confusão, e eles mudaram para sua língua.
Próxima descoberta: os italianos usam euros e Percy não tinha nenhum. Lamentou isso assim que encontrou uma loja para turistas que vendia refrigerantes. Até então, era quase meio-dia, estava ficando muito quente e Percy estava começando a desejar que ele tivesse um trirreme cheio de Diet Coke.
Annabeth resolveu o problema. Ela escavou ao redor em sua mochila, pegou o laptop de Dédalo e digitou alguns comandos. Um cartão de plástico foi ejetado a partir de uma abertura no lado.
Annabeth balançou-o triunfante.
— Cartão de crédito internacional. Para emergências.
Percy olhou para ela com espanto.
— Como você...? Não. Não importa. Eu não quero saber. Apenas continue sendo incrível.
Os refrigerantes ajudaram, mas eles ainda estavam com calor e cansados no momento em que chegaram ao Rio Tibre. A costa era afiada com um dique de pedra. Uma variedade caótica de armazéns, apartamentos, lojas e cafés lotavam a margem.
O próprio Tibre era grande, vagaroso e cor de caramelo. Alguns ciprestes pairavam sobre bancos. A ponte mais próxima parecia relativamente nova, feita de vigas de ferro, mas bem próximo a ela, havia uma linha de desmoronamento de arcos de pedra que parou do outro lado do rio – ruínas que poderiam ter sido deixadas desde os dias dos Césares.
— É aqui — Annabeth apontou para a ponte de pedra. — Eu reconheço isto, a partir do mapa. Mas o que nós fazemos agora?
Percy estava feliz que ela tinha dito que nós. Ele não queria deixá-la ainda. Na verdade, não tinha certeza se poderia fazê-lo quando chegasse o momento. As palavras de Gaia voltaram a ele: Você vai cair sozinho?
Ele olhou para o rio, imaginando como poderiam fazer contato com o deus Tiberino. Realmente não queria pular dentro do rio. O Tibre não parecia muito mais limpo do que o Rio East em sua cidade natal, onde ele tinha encontrado com muitos espíritos do rio resmungões.      
Ele apontou para um café nas proximidades, com mesas com vista para a água.
— Está na hora do almoço. O que acha de nós usarmos novamente o seu cartão de crédito?
Mesmo que fosse meio-dia, o lugar estava vazio. Eles escolheram uma mesa do lado de fora, próximo ao rio e um garçom correu para atendê-los. Ele parecia um pouco surpreso de vê-los, especialmente quando disseram que queriam almoçar.
— Americanos? — ele perguntou, com um sorriso triste.
— Sim — Annabeth respondeu.
— E eu adoraria uma pizza — disse Percy.
Parecia que o garçom estava tentando engolir uma moeda de euro.
— É claro que quer, signor. E deixe-me adivinhar: uma Coca-Cola? Com gelo?
— Impressionante — disse Percy.
Ele não entendia por que o cara estava fazendo cara azeda para ele. Não é como se Percy tivesse pedido uma Coca-Cola azul.
Annabeth pediu um panini e um pouco de água com gás. Após o garçom sair, ela sorriu para Percy.
— Eu acho que os italianos almoçam bem mais tarde. Eles não colocam gelo em suas bebidas. E só fazem pizza para os turistas.
— Oh — Percy encolheu os ombros. — A melhor comida italiana, e eles nem mesmo comem?
— Eu não diria isso na frente do garçom.
Eles deram as mãos em cima da mesa. Percy estava contente só de olhar para Annabeth à luz do sol. Isso sempre fez seu cabelo parecer tão brilhante e aconchegante. Seus olhos assumiam as cores do céu e dos paralelepípedos, alternadamente entre cinza e azul.
Ele questionou se deveria dizer a Annabeth o seu sonho sobre Gaia destruir o Acampamento Meio-Sangue. Decidiu que não. Ela não precisava de mais nada para se preocupar, não com o que  estava enfrentando. Mas isso o fez pensar... O que teria acontecido se não tivessem assustado os piratas de Crisaor? Percy e Annabeth teriam sido acorrentados e levados aos asseclas de Gaia. Seu sangue teria sido derramado nas pedras antigas. Percy supunha que significava que teriam sidos levados à Grécia para algum grande sacrifício horrível. Mas Annabeth e ele tinham estado em muitas situações ruins juntos. Eles poderiam ter descoberto um plano de fuga, salvado o dia... E Annabeth não estaria diante de uma missão a solo em Roma.
Não importa quando você vai cair, Gaia tinha dito.
Percy sabia que era um desejo horrível, mas ele quase lamentou não ter sido capturado em mar. Pelo menos Annabeth e ele teriam ficado juntos.
— Você não deve se sentir envergonhado — disse Annabeth. — Você está pensando em Crisaor, não é? Espadas não podem resolver todos os problemas. Você nos salvou no final.
Apesar de tudo, Percy sorriu.
— Como você faz isso? Você sempre sabe o que eu estou pensando.
— Eu conheço você.
E mesmo assim você gosta de mim? Percy queria perguntar, mas ele segurou a pergunta.
— Percy, você não pode carregar o peso desta missão toda. É impossível. É por isso que há sete de nós. E você vai ter que me deixar procurar a Atena Partenos sozinha.
— Senti sua falta — confessou — durante meses. Um grande pedaço de nossas vidas foi levado. Se eu a perder de novo...
O almoço chegou. O garçom parecia muito mais calmo. Tendo aceitado o fato de que eles eram americanos incorrigíveis, aparentemente decidiu perdoá-los e tratá-los com educação.
— É uma bela vista — disse ele, apontando para o rio. — Aproveitem, por favor.
Depois que ele saiu, eles comeram em silêncio. A pizza era um quadrado, sem graça e pastosa com um pouco de queijo. Talvez, Percy pensou, é por isso que romanos não as comem. Pobres romanos.
— Você vai ter que confiar em mim — disse Annabeth. Percy quase pensou que ela falava com seu sanduíche, porque ela não encontrou seus olhos. — Você tem que acreditar que eu vou voltar.
Ele engoliu outro pedaço.
— Eu acredito em você. Esse não é o problema. Mas voltar de onde?
O som de uma Vespa interrompeu. Percy olhou ao longo da margem e demonstrando surpresa. A motoneta era de um modelo antiquado: grande e azul bebê. O motorista era um cara em um terno de seda cinza. Atrás dele estava uma mulher mais nova com um lenço na cabeça, com as mãos em torno da cintura do homem. Eles costuraram entre as mesas do café e estacionaram ao lado de Percy e Annabeth.
— Olá a vocês — disse o homem.
Sua voz era profunda, quase rouca, como um ator de filme. Seu cabelo era curto e untado em seu rosto enrugado. Ele era bonito de uma maneira pai na televisão em 1950. Até mesmo suas roupas pareciam antiquadas. Quando ele saiu de motocicleta, a cintura da calça estava muito maior do que o normal, mas de alguma forma ele ainda conseguiu parecer viril e elegante e não como um total idiota. Percy teve problemas adivinhar sua idade – talvez trinta e alguma coisa, embora o senso de moda do homem fosse ao estilo vovô.
A mulher desceu da moto.
— Nós tivemos uma manhã muito amável — disse ela, sem fôlego.
Ela parecia ter vinte e um anos, também vestia um estilo antiquado. Sua saia de estampa floral descia até o tornozelo e sua blusa branca estava por dentro dela, presa por um grande cinto de couro, deixando-a com a cintura mais fina Percy já tinha visto. Quando ela tirou o lenço, o cabelo ondulado preto curto saltou em perfeita forma. Ela tinha escuros olhos lúdicos e um sorriso brilhante.
Percy tinha visto náiades que tinham menos características de peixes do que esta senhora.
O sanduíche de Annabeth caiu de suas mãos.
— Oh, deuses. Como... como...?
Ela parecia tão atordoada que Percy imaginou que ele deveria conhecer esses dois.
— Vocês parecem familiares — decidiu ele. Ele pensou que poderia ter visto seus rostos na televisão. Parecia que eles eram de um programa antigo, mas ele não tinha certeza. Eles não tinham envelhecido nada. No entanto, ele apontou para o cara e deu um palpite. — Você é o cara de Mad Men?
— Percy! — Annabeth olhou horrorizada.
— O quê? — protestou. — Eu não assisto muita TV.
— Este é Gregory Peck! — os olhos de Annabeth estavam arregalados e sua boca continuava a cair aberto. — E... Oh deuses! Audrey Hepburn! Eu conheço este filme. Roman Holiday. Mas isso foi nos anos 1950. Como...?
— Oh, minha querida! — A mulher girou como um espírito do ar e se sentou em sua mesa.
— Eu temo que você me confundiu com outra pessoa! Meu nome é Reia Silvia. Eu era a mãe de Rômulo e Remo, milhares de anos atrás. Mas você é tão gentil ao achar que sou tão jovem como da década de 1950. E este é o meu marido...
— Tiberino — disse Gregory Peck, empurrando a mão para Percy de forma viril. — Deus do Rio Tibre.
Percy apertou sua mão. O cara tinha cheiro de loção pós-barba. Claro que, se Percy fosse o Rio Tibre, ele provavelmente gostaria de mascarar seu odor com colônia também.
— Uh, oi — Percy disse. — Você dois sempre se parecem com estrelas do cinema americano?
— Parecemos? — Tiberino franziu a testa e estudou suas roupas. — Eu não tenho certeza, na verdade. A migração da civilização Ocidental funciona de ambas as maneiras, sabe. Roma afetou o mundo, mas o mundo também afeta Roma. Parece haver um monte de influência norte-americana recentemente. Eu tenho perdido um pouco dos sinais ao longo dos séculos.
— Tudo bem — disse Percy. — Mas... Você está aqui para ajudar?
— Minhas náiades me disseram que vocês dois estavam aqui — Tiberino lançou seus olhos escuros para Annabeth. — Você tem o mapa, minha querida? E sua carta de apresentação?
— Uh... — Annabeth lhe entregou a carta e o disco de bronze. Ela estava olhando para o deus do rio tão atentamente que Percy começou a sentir ciúmes.
— E-então... — ela gaguejou — você ajudou outras crianças de Atena com esta missão?
— Oh, minha querida! — A moça bonita, Reia Silvia, colocou a mão no ombro de Annabeth. — Tiberino é sempre tão atencioso. Ele salvou minhas crianças, Rômulo e Remo, você sabe, e as trouxe para a deusa loba Lupa. Mais tarde, quando o velho rei Numen tentou me matar, Tiberino compadeceu-se por mim e me fez sua esposa. Tenho governado o reino do rio ao seu lado desde então. Ele é um sonho!
— Obrigado, minha querida — disse Tiberino com um sorriso irônico. — E, sim, Annabeth Chase, eu tenho ajudado muitos de seus irmãos... a pelo menos começar a sua viagem com segurança. Uma pena que todos eles morreram dolorosamente mais tarde. Bem, os documentos parecem em ordem. Devemos ir. A Marca da Atena espera!
Percy agarrou a mão de Annabeth – provavelmente um pouco forte.
— Tiberino, deixe-me ir com ela. Apenas um pouco mais longe.
Reia Silvia riu docemente.
— Mas você não pode, garoto bobo. Você deve voltar para o seu navio e reunir seus amigos. Enfrentar os gigantes! O caminho aparecerá na faca da sua amiga Piper. Annabeth tem um caminho diferente. Ela tem que caminhar sozinha.
— É verdade — Tiberino disse. — Annabeth deve enfrentar o guardião do santuário ela mesma. É o único jeito. E Percy Jackson, você tem menos tempo do que pensa para resgatar seu amigo no jarro. Você deve se apressar.
A pizza de Percy parecia como um pedaço de cimento em seu estômago.
— Mas...
— Está tudo bem, Percy — Annabeth apertou sua mão. — Eu preciso fazer isso.
Ele começou a protestar. A expressão dela o parou. Ela estava apavorada, mas fazia o seu melhor para escondê-lo para o bem dele. Se ele tentasse argumentar, só faria as coisas mais difíceis para ela. Ou pior, poderia convencê-la a ficar. E assim, ela teria que viver com o conhecimento de que tinha fugido de seu maior desafio... Assumindo que eles sobrevivessem a tudo, com Roma para ser destruída e Gaia a ponto de erguer-se e destruir o mundo.
A estátua de Atena era a chave para derrotar os gigantes. Percy não sabia por que ou como, mas Annabeth era a única que poderia encontrá-la.
— Você está certa — disse ele, forçando as palavras. — Fique segura.
Reia Silvia riu como se fosse um comentário ridículo.
— Segura? Não mesmo! Mas é necessário. Venha, Annabeth, minha querida. Vamos mostrar-lhe onde seu caminho começa. Depois disso, você está por conta própria.
Annabeth beijou Percy. Ela hesitou como se estivesse querendo saber o que mais dizer. Então levou sua mochila a seus ombros e subiu na traseira da scooter.
Percy odiou. Ele teria preferido lutar contra qualquer monstro no mundo. Preferia uma revanche com Crisaor. Mas obrigou-se a permanecer em sua cadeira e ver como Annabeth partiu pelas ruas de Roma com Gregory Peck e Audrey Hepburn.






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